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OS OBJETIVOS DA MEDIDA

4.1.2 O tempo da medida

Atingir os objetivos definidos como índices indispensáveis em cada um dos casos é uma tarefa que precisa se enquadrar em um tempo. Saber o que se pode alcançar, até onde se pode ir em cada atendimento, é ser capaz de conhecer o adolescente, saber como funciona a “dinâmica de sua família”, entender quais seus objetivos e vontades, e enquadrar isso tudo em um prazo específico.

Em geral, o prazo das medidas socioeducativas é ditado pelo juiz. Duas são as possibilidades mais frequentes na Dom Bosco: seis meses ou um ano, sempre “prorrogáveis, se necessário”. No trabalho da equipe, esses prazos previamente estipulados são sentidos de formas variadas. Seis meses pode ser suficiente para encaminhamentos e apresentação de oportunidades, mas definitivamente é pouco para aqueles que não têm iniciativa. Como dito no capítulo anterior, cabe ao técnico ser perspicaz e ágil na leitura que faz de seu menino e nas oportunidades que poderão ser acatadas por ele para que, desde o início, sinalize ao juiz o terreno que tem para trabalhar e os limites que desde muito cedo consegue perceber.

O intuito da equipe é demonstrar, ao final de uma marcação temporal muito bem delimitada por três momentos-chave (o início, o meio e o fim), que houve avanço, manifestado, principalmente, pela iniciativa e pelo desenvolvimento da criticidade em relação ao ato infracional, sinais de que o amadurecimento almejado pôde ser alcançado. Se o lugar de partida das medidas é aquilo que é apresentado no Termo de Entrega e construído pelo técnico nos primeiros atendimentos, não há um lugar fixo

de chegada entendido como aquele em que os meninos são considerados ressocializados ou uma definição prévia do que será necessário ou suficiente para o encerramento de cada medida. Há uma gama de oportunidades que devem ser oferecidas e abraçadas, que variam de um caso ao outro, mas que sempre precisam marcar esse avanço.

Sendo assim, há uma percepção temporal muito própria da equipe, que precisa ajustar o prazo da medida ao desenvolvimento das atividades que julga necessárias para o atendimento das exigências judiciais. Para os técnicos, medidas muito longas ou muito curtas são ineficazes, porque as demonstrações de avanço, amadurecimento e iniciativa se dão em um prazo específico – em geral, não menos que seis meses e não mais que um ano. Sendo assim, embora os prazos sigam certo padrão – três meses, seis meses, um ano e assim sucessivamente – a percepção da equipe, em cada um dos atendimentos, é a de que este prazo se apresenta de forma esticada ou encolhida mediante aos facilitadores ou complicadores que são externos à determinação legal inicial, como revelou o atendimento de uma adolescente que acompanhei em campo. Ela acabara de dar à luz. Já estávamos no segundo semestre de 2012 e o juiz havia determinado três meses de LA, com inserção na rede pública de ensino e profissionalização. A escrita de seu Relatório Inicial foi muito trabalhosa. Foi preciso explicar ao juiz que a adolescente não seria matriculada porque estava gozando de sua licença-maternidade, prevista em lei, e realmente respaldava seu bebê. Além disso, nenhuma creche pública aceitaria um recém-nascido para que ela pudesse frequentar a escola ou conseguir um trabalho. A técnica solicitou no primeiro atendimento que a adolescente apresentasse uma declaração da creche informando a impossibilidade de matrícula de um bebê tão novo, e outra do trabalho da mãe da adolescente, para que pudesse comprovar que a avó também não poderia cuidar da criança para que a mãe cumprisse a exigência da profissionalização nos três meses estipulados. A técnica temia que o encerramento da medida ficasse barrado até a apresentação de alguma garantia de que a adolescente estivesse na rede pública de

ensino, como o atestado de matrícula escolar ou a declaração de frequência. Por essa razão, afirmou que para aquele atendimento, “três meses é muito pouco tempo”. Nesse atendimento específico, o filho da adolescente foi entendido pela técnica responsável pelo caso como um complicador para que a duração satisfatória da medida coincidisse com o prazo estabelecido judicialmente.

A coordenadora, em mais de uma ocasião, também me alertou sobre os limites que os prazos da medida lhes impõem. Dependendo de circunstâncias externas, esse prazo não é suficiente para que o trabalho seja realizado de maneira adequada e a sensação da equipe é a de uma duração inferior à ideal para que o atendimento pudesse se desenvolver de maneira mais sólida e completa:

O menino tem que querer e a família apoiar. Eles chegam em um ‘toma que o filho é teu’... É papel da medida orientar e encaminhar a família, mas a medida não alcança tudo. Só até certo ponto. Seis meses, um ano não dá para isso. Às vezes você acende um fogo que não consegue apagar depois; ou então o problema é de 20 anos, não dá para resolver na medida.

Em outros tantos casos, o problema visto pela equipe é o de um prazo excessivamente esticado. Dois anos de medida, por exemplo, foi encarado por uma técnica como um exagero. “Não adianta, vai perdendo o efeito”, ou “você acha que ele vai cumprir tudo isso?”, eram frases comuns quando o tempo passava daquele que julgavam ideal.

Nas conversas com os meninos e com os seus pais, o problema de esticar os prazos de modo que a duração da medida seja sentida de maneira mais eficiente, também é frequentemente enfatizado. É muito comum que já no primeiro atendimento os técnicos alertem os atendidos sobre a rapidez da medida e sobre a importância de não deixarem que as exigências solicitadas sejam obedecidas somente nos últimos meses.

Embora tenham que lidar com a rigidez dos prazos estipulados pelos juízes, os técnicos atribuem uma maior maleabilidade aos prazos que eles mesmos podem determinar, como os de cumprimento das metas estabelecidas no PIA. Na determinação dos prazos para o cumprimento de cada meta, como já apresentado no

capítulo anterior, os técnicos estipulam os dias ou meses que julgam suficientes de forma quase arbitrária. Como sabem que a marcação temporal mais importante das medidas é aquela desenhada pelo envio dos três principais relatórios, procuram não estabelecer prazos que, se muito estreitos, serão quase inevitavelmente desobedecidos. Aqui, mais uma vez, como já apontado em relação à determinação de metas e atividades, há um cuidado evidente da equipe de fugir ao máximo, dentro do núcleo, do descompasso entre os modelos e as imprevisibilidades. Descompasso que na relação que mantém com o Poder Judiciário é quase inevitável.

Portanto, mais do que estipular datas muito fixas, a equipe procura estar atenta aos prazos dos envios dos relatórios, e ser capaz de demonstrar, em cada um deles, os avanços apresentados pelo adolescente. Escrever um Relatório de Acompanhamento sem sinalizar ao juiz qualquer avanço é perigoso, e enviar uma sugestão de encerramento que transpareça uma realização apressada das exigências é um risco. No limite, o juiz pode não encerrar, ainda que os técnicos tenham atingido as metas com seus meninos, como argumentava a coordenadora em um Grupo de Família:

Quando vocês estão na frente do juiz, depois de o menino passar pela Fundação, ou de ir para o DEIJ – que é da Vara Especial da Infância e Juventude –, ou de já sair com medida em meio aberto, não importa, o juiz dá um Termo de Entrega do adolescente, que vocês têm que assinar. Não é? Quando o menino vem aqui, o técnico também já recebe esse documento, ou se ainda não recebeu, tira uma cópia, porque tem que ficar com um desse com ele. Nesse documento, estão todas as exigências do juiz. Tem lá: escolarização, não tem? Tem profissionalização, tem mercado de trabalho, tem grupo de apoio da família, tem encaminhamento para CAPS, para saúde... tem tudo que o juiz determinou para seis meses ou um ano. Se o menino não cumpre tudo que o juiz determinou, pode ter passado o tempo que o juiz não encerra! Porque vocês assinam o papel! A hora de questionar, de argumentar, era lá na frente do juiz, não aqui. O papel já está assinado, dizendo que você concordou com a medida que o juiz determinou. Seja internação, seja LA, PSC, semi, qualquer medida. Depois, o adolescente chega aqui e é um sufoco para os técnicos fazerem cumprir a medida. É ou não é? Às vezes nem documento quer tirar! E o que acontece? A primeira coisa que tem que fazer é tirar documento. Porque sem ele não dá para encaminhar para escolarização, para profissionalização, para um curso, nada! E a medida passa rápido, gente. O adolescente chega aqui com 16, 17 anos. E em seis meses a gente tem que dar conta do problema! Quando é PSC vai mais rápido ainda. Uma coisa que me deixa brava é mandar o relatório de acompanhamento, no meio da medida, e o menino ainda não tirou os documentos, ainda não correu atrás das coisas. Porque quando for a sugestão de encerramento e o juiz negar, nem adianta reclamar. Aqueles juízes velhos saíram todos, viu? Só tem juiz novo por lá, e

eles não estão encerrando sem a escolarização [a técnica acrescenta que frequência e aproveitamento também estão sendo cobrados]. A escola é uma porcaria? É. A educação no nosso país é uma porcaria, mas ainda é o melhor caminho, viu gente? Sem estudo não consegue mais nada não. Passa um mês e nada, dois meses, nada. Aí acaba o tempo e não encerra.

O caso do adolescente B, descrito no capítulo anterior (cf. 3.3) é um exemplo desse tipo de problema. Ainda que a matrícula escolar tenha sido feita durante os meses estipulados pelo juiz, a evidência de que essa meta só foi alcançada às vésperas do envio do relatório conclusivo demandou do técnico um exercício argumentativo que evidenciasse o trabalho de sensibilização e orientação realizado durante todo o tempo da medida.

Sendo assim, também quando lida com o tempo, é papel da equipe manejar as velocidades dos encaminhamentos, a intensidade das sensibilizações, as possibilidades de demonstrar avanços convincentes. É preciso que os técnicos sejam capazes de controlar diferentes temporalidades, adequando as dificuldades que encontram, as resistências dos adolescentes, os problemas na rede, ao prazo que é determinado de antemão.