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A MULTIPLICAÇÃO DOS REGISTROS E DOCUMENTOS A PARTIR DO TERMO DE ENTREGA

A ELABORAÇÃO DOS DOCUMENTOS NA MEDIDA

3.1 A MULTIPLICAÇÃO DOS REGISTROS E DOCUMENTOS A PARTIR DO TERMO DE ENTREGA

Manhã de terça-feira. Uma como outra qualquer. Os funcionários da Dom Bosco vão aos poucos chegando e se cumprimentando. As crianças do CFC correm e conversam pelo pátio. Célia anda pelos corredores transmitindo as diretrizes aos educadores e educandos com seu microfone. Às 8h, muitos funcionários se aglomeram em frente à pequena sala onde fica o relógio de ponto biométrico, e com suas digitais marcam a presença. Um atraso de mais de cinco minutos implica em dor de cabeça no fim do mês: justificativas, assinaturas, dispêndio de um tempo que lhes é precioso.

Figura 8: O corredor das medidas. Detalhe para o portão amarelo que separa a MSE das demais

atividades da Dom Bosco

Aos poucos chegam alguns adolescentes acompanhados de seus responsáveis e sentam-se em frente ao guichê da secretaria. Em geral, permanecem em silêncio e olham fixamente para o chão. Esperam que uma das duas funcionárias

os chame para que deem entrada. Trazem consigo um documento, uma única folha A4, geralmente já amassada. Esse documento é chamado pelos funcionários da equipe de Termo de Entrega.

O documento é curto, mas essencial. Sem ele, dependendo de um conjunto de circunstâncias, o menino não existe no sistema. E se não existe no sistema, nada pode ser feito quanto à sua medida (figura 9).

Poder Judiciário

Departamento de Execuções da Infância e Juventude Termo de Entrega sob Responsabilidade

(salvo se por outro juízo estiver custodiado) Proc. Execução:

Ao Diretor da Fundação CASA

Por determinação do DEIJ, o adolescente [nome do adolescente, número do processo, data de nascimento, filiação e endereço] deverá ser entregue ao seu responsável legal [pai, mãe, tutor, curador ou guardião].

Deverá comparecer em [data] à MSE-MA Dom Bosco CAS-Leste para dar início à LA com seu responsável. Pelo prazo mínimo de seis meses, prorrogável se necessário, com escolarização compulsória, profissionalização (informática e outros); inserção no mercado de trabalho; bem como cumulada com medida protetiva consistente na inclusão da família em grupo de orientação e apoio. O adolescente deverá ficar ciente de que o descumprimento da medida ensejará em internação-sanção por até 90 dias, independente de intimação, caso não se justifique voluntariamente junto ao respectivo NPPE.

O Termo de Entrega sob Responsabilidade é dirigido aos pais ou responsáveis do adolescente, que se comprometem a acompanhar o menino ao núcleo de medidas em meio aberto. Nesta folha de papel, o juiz lista quais serão as medidas socioeducativas cabíveis (LA, PSC ou ambas) e a duração de cada uma delas. Em geral, o juiz estipula seis ou doze meses para a Liberdade Assistida e três ou seis meses de Prestação de Serviço à Comunidade. Em muitos casos, é só isso. Em outros tantos, cumula à medida outras tantas exigências, como escolarização, profissionalização, tratamento psicológico, tratamento antidrogas em CAPS-AD, inserção no mercado de trabalho, participação da família em grupos de apoio e orientação etc.71.

Através do documento, o juiz também alerta o adolescente e seus responsáveis que o não comparecimento ao núcleo para dar início à medida estipulada ou o seu descumprimento poderão implicar em uma internação-sanção de até 90 dias em uma das unidades da Fundação CASA72.

Os meninos recebem o Termo de Entrega ao fim de uma audiência no DEIJ. Recebem-no depois do tempo de internação ou de uma audiência de reconhecimento em que o juiz determine diretamente a medida em meio aberto como a mais adequada para o seu caso. Os meninos e seus responsáveis assinam o documento, atestando ciência e concordância em relação às metas estipuladas pelo juiz para sua medida socioeducativa.

71 O juiz pode ser específico a ponto de determinar os cursos que deverão ser feitos pelo

menino. Tive acesso a Termos de Entrega que diziam, por exemplo, que o adolescente deveria fazer cursos de “computação e outros”. O estabelecimento de metas tão específicas como estas já no DEIJ é questionado, por exemplo, pela Articulação (grupo formado por vários núcleos de atendimento a adolescentes em meio aberto). Justamente porque esse tipo de determinação vai contra o princípio da individualização dos casos sugerido pelo SINASE.

72Como veremos adiante, ainda que a legislação não tenha sofrido grandes transformações

nos últimos anos, os técnicos encaram as possibilidades de internações-sanção, de pedidos de intimação ou de agendamento de audiências como fases: o efeito do descumprimento da medida por parte do adolescente terá consequências que dependem do juiz responsável pelo caso, e também das orientações que o conjunto dos juízes do DEIJ estejam recebendo naquele momento específico. Sobre as incertezas da equipe em relação às atitudes dos juízes, conferir capítulo 4.

Por outro caminho, uma cópia desse documento segue ao núcleo responsável pelas medidas em meio aberto. Esta cópia sai do DEIJ, segue à CAS-Leste e fica à espera de que as funcionárias da secretaria da Dom Bosco o retirem. As secretárias da Dom Bosco dedicam um dia da semana para irem à CAS, a segunda-feira. Nesse dia, levam as cópias de todos os relatórios que já foram enviados ao DEIJ e retiram os documentos que ali chegaram. Caso um menino saia da internação ou do DEIJ depois de quarta-feira, e logo em seguida se dirija ao núcleo, é muito provável que, para a Dom Bosco, ele ainda não exista. Essa não existência pode ser resolvida se o menino cumprir sua obrigação de levar ao núcleo sua própria cópia do Termo de Entrega. Isso basta para que o sistema possa ser informado, o técnico possa ser escolhido e o atendimento se inicie.

Depois de pelo menos uma semana chega à Dom Bosco, via CAS, outro documento chamado Ordem de Execução. Este segundo documento também é bastante resumido: alerta o técnico sobre os prazos de envio do primeiro relatório e do Plano Individual de Atendimento e reforça o prazo estipulado para o cumprimento da medida (que já estava presente no Termo de Entrega do adolescente). Muitas vezes, é só em uma terceira remessa de documentos que o técnico tem acesso à pasta do menino, com dados sobre sua vivência institucional e relatórios elaborados pelas equipes técnicas das outras instituições frequentadas desde sua apreensão. Somente a partir daí é que serão conhecidos os detalhes documentais sobre o ato infracional, sobre os aspectos trabalhados durante o período da internação, sobre a participação da família etc.

Antes disso, no entanto, cabe à equipe dar entrada, construir um Plano Individual de Atendimento e um Relatório Inicial. Como vimos logo acima, com a demora de entrega dos documentos existentes sobre o adolescente em outras instituições, esses três primeiros passos deverão ser realizados através do

preenchimento da Ficha de Movimentação de Caso73, das tabelas de entradas e

saídas da secretaria e da leitura e interpretação do Termo de Entrega em um primeiro atendimento com o técnico responsável pelo caso.

É, portanto, a partir da apresentação de um único documento - em uma folha A4 dobrada - que se multiplicam toda uma série de registros sobre o adolescente atendido. Mais do que isso, como veremos abaixo, as determinações especificadas nesse documento de não mais do que dois parágrafos, é que ditarão as possibilidades de manejo daquilo que os técnicos julgam como o atendimento mais adequado para o caso específico.

3.2 A INTERPRETAÇÃO DO TERMO E CONSTRUÇÃO DO ATENDIMENTO