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A ELABORAÇÃO DOS DOCUMENTOS NA MEDIDA

3.2 A INTERPRETAÇÃO DO TERMO E CONSTRUÇÃO DO ATENDIMENTO A entrega do Termo pelo adolescente às secretárias e, posteriormente, ao

3.2.3 Redesenhando o PIA

Até o meio do ano de 2012, embora houvesse certo incômodo entre os técnicos quando discutiam o preenchimento do Contrato de Compromisso, principalmente pelas dificuldades que encontravam em registrar – naquele modelo de tabela – as possibilidades que um atendimento envolvia, esse documento não era central nas preocupações relacionadas com a interface entre o núcleo e o Poder Judiciário. O incômodo dos técnicos, nem sempre presente, muito pontual, parecia dizer mais respeito à dinâmica interna de seus trabalhos, às possibilidades de otimização essa tarefa, ou às tentativas de encontrar um padrão dentro da própria equipe, para que não houvesse dúvidas no momento do preenchimento.

Com a onda de mudanças trazidas com o SINASE, o foco das preocupações da equipe mudou. Ao longo de 2012, os técnicos passaram a receber notificações do DEIJ solicitando o envio do PIA juntamente com o Relatório Inicial. A interpretação dos técnicos em relação aos ofícios que chegavam variou ao longo dos primeiros meses de 2012. Em um primeiro momento, interpretaram que desde que o Relatório Inicial estivesse bem fundamentado e os objetivos para a medida estivessem nele descritos, isso bastaria. Não julgaram ser necessário modificar o modelo do relatório e continuaram por algum tempo mantendo a sua postura. Entretanto, isso não foi o suficiente.

No último mês de meu trabalho de campo, grande parte do processo de circulação dos papéis entre o núcleo, a CAS e o DEIJ estava em transformação. Para

que o PIA enviado pudesse ser “apreciado pelo Judiciário”, foi necessário introduzir mudanças em seu modelo (com base em orientações dos funcionários da CAS-Leste), em especial no Contrato de Compromisso. Os técnicos desenvolveram uma nova tabela, com maiores espaços e divisões para que pudessem registrar de maneira mais detalhada as suas propostas (ver figura 11). Neste novo modelo, cada uma das áreas (documentação pessoal, educação, profissionalização, trabalho, família e saúde) foi subdividida nos tópicos metas, ação, prazo e resultado. Ainda assim, os técnicos aguardaram diretrizes mais claras sobre o envio do PIA juntamente com o Relatório Inicial, que manteve seu modelo original por mais um tempo.

Semanas depois, o DEIJ passou a devolver vários Relatórios Iniciais, solicitando o envio dos PIAs junto com esse primeiro documento – “como preconiza o SINASE”. Os técnicos tiveram um mês muito atarefado, reescrevendo documentos, coletando novamente as assinaturas de vários adolescentes e seus responsáveis, reorganizando sua escrita. Passaram a anexar ao primeiro Relatório uma cópia do PIA, já com o novo modelo de Contrato de Compromisso. Explicaram-me que este novo modelo de tabela era muito ancorado nas orientações do próprio SINASE, e permitia, principalmente, a importante distinção entre as metas e as ações. Este, de fato, tinha sido um dos tópicos principais em um curso de formação de que participei meses antes com uma técnica e a coordenadora das medidas.

As mudanças propostas pelo SINASE desembocaram, depois de seis meses do término de meu trabalho de campo, em um novo modelo de Relatório Inicial construído pela equipe. A Dom Bosco não recebeu nenhum modelo da SMADS, como havia sido prometido nos cursos que participaram, e, portanto, construíram um modelo próprio que foi aceito e, de acordo com uma das técnicas, “muito elogiado” pelo DEIJ. Os técnicos não mais deveriam enviar os PIAs anexados ao Relatório Inicial, mas transformar a estrutura desse próprio relatório de modo que as atividades propostas para que cada um dos objetivos das medidas descritos no SINASE pudessem ser inseridos. A referência ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo passou a ser mais contundente e direta. O novo modelo de relatório faz referência ao artigo 1º do SINASE e se constrói com o preenchimento das atividades desenvolvidas para o atendimento de cada um dos objetivos das medidas socioeducativas descritos por ele.

Para a responsabilização, os técnicos passaram a descrever as propostas de atendimento individual e de participação dos responsáveis nos grupos oferecidos pelo núcleo. Para a integração social do adolescente e garantia de seus direitos, descrevem os encaminhamentos propostos para as áreas da escolarização, da documentação, da educação, da profissionalização e da inserção no mercado de trabalho, além das visitas domiciliares. Finalmente, como ações para atender ao objetivo da desaprovação da conduta infracional, os técnicos sugerem o

acompanhamento do cumprimento da medida estipulada. Esse novo modelo manteve

o tópico de descrição da situação familiar dos adolescentes e o Parecer/Avalição do Orientador/Técnico.

O modelo descrito acima e compartilhado entre a equipe, visava estabelecer um padrão mínimo na escrita do Relatório. Padrão que permitisse que esses documentos fossem aceitos pelo Judiciário. Com a demanda de envio do PIA – direta ou indiretamente – ao DEIJ, novos atores fariam parte da construção formal do atendimento. Atores que não frequentam o núcleo, que não acompanham o adolescente cotidianamente. Essas transformações estão em andamento, e as

mudanças no Relatório são alguns de seus sintomas. Neste contexto, o esforço dos técnicos na elaboração de um modelo de Relatório e de preenchimento do mesmo é importante para que, sempre que possível, eles ainda detenham certo poder sobre a construção do atendimento. Escrever um Relatório ou um PIA que não implique em transformações por atores externos ao núcleo significa manter o atendimento um pouco menos rígido. E essa maleabilidade, como veremos, é fundamental no cotidiano dos atendimentos.

3.2.4 Metas e ações: rigidez e maleabilidade na construção do