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à Competência Emocional

3.2. Capacidades da Inteligência Emocional

Assim serão expostas as capacidades, complementadas, e respeitando de alguma forma, a sua organização cronológica como o autor as defende.

As primeiras três: Auto Consciência, Gestão de Emoções ou Auto Regulação e Auto Motivação, são competências pessoais e «determinam a forma como nos gerimos a

nós próprios» (1999: 34).

As duas últimas: Empatia e Gestão de Emoções em Grupos, configurada no último trabalho do autor como Competências Sociais, estão no domínio das competências sociais e «determinam a forma como lidamos com as relações» (1999: 35).

AUTOCONSCIÊNCIA

É a primeira capacidade, e segundo Goleman, determinante para as restantes destrezas. Auto-Consciência (Goleman, 1995, 1999) significa conhecer as próprias emoções: significa o reconhecimento de um sentimento/emoção, sendo tanto melhor o nível do Q.E. quanto mais próxima for a auto-consciência, do experienciar da emoção. Identificar as alterações neurofisiológicas exactas, definir as emoções, fazer uma apreciação e dar-lhes nome, é, segundo o autor, o primado do Q.E. e fundamenta a maioria das outras capacidades emocionais.

Para abordar esta capacidade, é necessário situar o processo da emoção no corpo e no cérebro, e o sentir do sentimento acerca dessa emoção que está a ser exibida.

O corpo não é passivo relativamente às percepções externas. Como anteriormente foi já abordado as emoções de fundo, mantêm o sujeito informado acerca do estado das

suas vísceras, músculos, fluxos endócrinos e sanguíneos. Apesar de não haver consciência acerca destes estados, o facto é que estes estados mantêm a homeostasia interna: quando o corpo emite para o cérebro um estado de harmonia e de adaptabilidade, instala-se no cérebro o sentimento de bem-estar. Tal como a teoria da Activação de Arnold-Lindsley (1951-1960) considerou, a emoção resulta da avaliação cognitiva (em intensidade e em crescendo) das manifestações periféricas. De facto a percepção de um estímulo emocionalmente competente (EEC), dependendo da valoração atribuída, provoca alterações no corpo, em padrões de respostas, que ao serem percebidas, desencadeiam o exibir de emoções, sendo reconhecidas como específicas de um dado estímulo.

Do ponto de vista neurobiológico e somatossensorial, «os circuitos neurais

representam o organismo constantemente, à medida que é perturbado pelos estímulos do ambiente físico e sócio-cultural, à medida que actua sobre esse meio» (Damásio, 1995:

234), e estas imagens neurais e químicas cerebrais de resposta, provocam alterações profundas na função homeostática e homeorética, levada a cabo pelos diversos sistemas, músculos, tecidos, e vísceras. Como consequência, podem ocorrer por exemplo, alterações na disponibilidade da energia e na taxa metabólica, na prontidão de resposta imunitária... com subsequente alteração no perfil bioquímico, aumentando a sua acidez, ou na musculatura esquelética, desencadeando contracções com maior ou menor intensidade, ou mesmo ao nível do equilíbrio hormonal, em que o medo ou a surpresa podem desencadear libertação de catecolaminas, como elementos de resposta a uma necessidade emergente de maior fluxo sanguíneo. São justamente estes ciclos complexos e interactivos mente-corpo e corpo-mente, que uma vez na sua representação mental, emitem sinais para a consciência, que o sujeito percebe como sentimentos de bem-estar ou de mal-estar.

Mas em circunstâncias de respostas psicossomáticas mais intensas, estas alterações podem tornar-se mais exuberantes, e acabar por assumir uma sinalética clara ao nível dos órgãos, dos membros, ou ao nível do padrão funcional dos sistemas e vísceras. Como é evidente, o sujeito não tem consciência do seu nível de catecolaminas, nem do nível de glicemia, ou do nível de relaxamento muscular... mas sente o sentimento a que chama aflição, e consegue situá-lo ao nível cardíaco ou "no peito" para expressar a taquicardia e a taquipneia; bem como consegue expressar a fome, e consegue localizar o local do corpo em tensão.

A Auto Consciência diz respeito ao reconhecimento não só destas alterações, como também a sua localização e intensidade. Percepcionar o seu corpo, duma forma mais ou menos interna, pode fazer a diferença entre saber dar o nome à emoção desencadeadora e do sentimento que emergiu, quando a emoção se tornou consciente... ou não; e o sujeito

danos ou ajustamentos biológicos e psico-afectivos que enfrentou.

Do ponto de vista prático, a Auto Consciência envolve corpo-mente e emoção- razão em interacção viva, pelo que este sub-construto, remete para uma acção perceptiva no domínio da consciência, do sujeito sobre si próprio, e tal como Damásio (1995: 234) elucida «o protagonista deste episódio é feito de um só bloco: na verdade é uma

construção mental muito real, que designarei por self, e que se baseia nas actividades em curso em todo o seu organismo, ou seja, no corpo propriamente dito e no cérebro» (p.

234). A maioria dos teóricos da emoção, ao apontar para o nível somatofisiológico, não excluiu a componente cognitiva e valorativa ao estímulo e ao comportamento de resposta fisiológico a essa valoração, pelo que esta necessidade de sentir os sentimentos acerca dos ajustamentos do corpo a um fenómeno, fez sempre sentido.

Voltando a Damásio (1995, 2000, 2003) e procurando uma clareza explicativa do processo, esta destreza significa, ter acesso consciente «ó percepção das representações

disposicionais do estado do corpo», como fenómeno de auto-conceito 5 profundo, que

ocorre em várias áreas do cérebro... o que «faz do self (como) um estado biológico

constantemente reconstruído» (1995: 233, 234), pelo que o sujeito pode a todo o

momento, ter a consciência do seu corpo. Mas uma consciência perscrutativa, e apreendedora do estado de si, a partir de sentimentos, sentidos emocionalmente (de raiz emocional, com base na valoração emocional) e que portanto traduzem, além do estado corpóreo, também os seus sentimentos acerca desse estado corpóreo e das respectivas alterações, que por envolverem o sujeito na sua globalidade corpo-mente e contexto, traduz o seu estado de espírito. Indo ao encontro desta ideia, Goleman, definiu-a como a percepção de si, e do que se está a sentir, traduzido a nível neurológico por um «estado

neural que mantém activa a auto-reflexão» (1995: 67) o que significa «ter consciência tanto do nosso estado de espírito, como dos nossos pensamentos a respeito desse estado de espírito».

Ao nível neurológico, este estado de tomada de consciência vai desencadeando uma subtil mudança da actividade mental, correlativa à acção frenadora neocortical; facilita o controlo sobre essa inundação de sentimentos tempestivos e significa, segundo

105 Esta noção de auto-conceito está intrinsecamente ligada à concepção de self defendido por alguns teóricos (James, 1980; Covley, 1902-1922; Mead, 1934; Sullivan, 1953; in Neto, 1998) como um espaço de si (próprio). O auto-conceito pode ser definido (Rosenberg, 1979), como um conjunto de pensamentos e sentimentos, que se referem ao self enquanto objecto.

Goleman (1995), a diferença entre ser-se apanhado pela emoção ou perder-se as estribeiras, e tomar-se a consciência (a auto-atenção) de que se está a ser arrastado por ela.

O autor assume ter preferido o termo "auto-consciência" a "meto cognição" por lhe parecer definir «sentido de atenção continuada sobre os nossos estados íntimos», mas

«uma vigilância que não reage nem julga, por existir sobranceira ao estado de inundação emocional» (1995: 66). Esta atenção consciente diz respeito, à função do cérebro (que) é

manter-se informado (Damásio, 1995). Esta atenção consciente informa, reconhece um estado de espírito negativo, e a seguir, constrói uma defesa neuroquímica para se livrar dele. Este fenómeno é essencialmente importante para os humanos em geral, como função adaptativa, e para os professores em particular.

A este propósito, para responder à questão da eficácia deste sentido de atenção e de defesa, ou seja se a auto-percepção do exibir de uma emoção, pode ampliar ou inibir a intensidade da experiência emocional, Sílvia (2002) sustenta que um alto nível de auto- percepção amplifica a tristeza, e que também pode inibir afectos positivos, mas considera que não influencia a intensidade da emoção mas sim a «intensidade subjectiva» da emoção, ou seja não altera a componente somatofisiológica mas sim a subjectivo- experiencial. Este facto, pode servir para se acreditar que a Auto Consciência vai ensinando o sujeito a lidar com as emoções, na sua vertente subjectiva.

Posteriormente, Goleman (1999) vem desenvolver o conceito de Auto Consciência, mas continua a assumir que «significa conhecer os nossos estados internos, preferências,

recursos e intuições» (p.34) e agora apresenta-a, inserindo a Auto Consciência emocional,

a Auto-avaliação precisa e a Auto-confiança. A primeira, significa ser capaz de reconhecer as próprias emoções e os seus efeitos; a segunda de conhecer as próprias forças e limitações e a terceira significa ter confiança nas capacidades e no valor próprio.

A Auto Consciência Emocional, que segundo Goleman (1999: 62, 63), é a destreza para perceber «como as nossas emoções afectam o nosso desempenho e a capacidade de

usar os nossos valores como guia, nas tomadas de decisão», e aponta que o processo «começa com a sintonia com a corrente de sentimentos e o reconhecimento de como essas emoções modelam as nossas percepções, pensamentos e actos», fenómeno que «nos devolve a percepção que os nossos sentimentos afectam aqueles com quem lidamos», o

que é relevante nas relações em geral e nas relações do tecido educativo em particular. Esta percepção, pode ajudar-nos a fugir a emoções descontroladas, e como o mesmo autor assume: «...representa um guia para aperfeiçoar o desempenho profissional (...), gerindo

os sentimentos contraditórios, mantendo a motivação, sintonizando-nos com precisão com os sentimentos dos que estão à nossa volta, e desenvolvendo boas aptidões de

Esta inoperância reflecte um aspecto da iliteracia emocional no professor. Se este não consegue 1er o seu próprio referencial de consciência relativamente aos saberes adquiridos através de fenómenos emocionais já experienciados e inscritos nos estados

viscerais que constituem os seus «marcadores somáticos» (Damásio, 1995), então pode

acontecer - que simplesmente não consiga dar o primeiro passo para a Competência « Emocional: este professor não consegue determinar exacta e profundamente a intensidade

e o valor das suas emoções, e como consequência, também terá dificuldade em percepcionar como estes estados afectam aqueles que o cercam.

Numa posição mais extremada, pode até devolver uma imagem de alexitimia ou de

«surdez emocional» (Goleman, 1999: 64), o que seria pouco educativo e muito menos

formativo, para os que pretendem, senão tomá-lo como exemplo, pelo menos observá-lo, no seu continuum comportamental, para daí extrair percepções de competência, a partir das quais, a relação educativa se gere e se nutre. Os alunos não aprendem só racionalmente os conteúdos que os professores ensinam, eles aprendem também através das percepções de credibilidade, que a pessoa do professor lhe oferece, e isto faz-se a partir das energias emocionais e da sintonia relacional, como se os sujeitos na relação desenvolvessem propriedades cinestésicas de ajustamento para apreenderem os saberes a adquirir. Como Goleman deixa claro:

«a noção de que existe "pensamento puro", racionalidade desprovida de sentimentos, é uma ficção, uma ilusão baseada na desatenção aos humores subtis que nos perseguem ao longo do dia. Temos sensações acerca de tudo o que fazemos, pensamos, imaginamos, recordamos. O pensamento e o sentimento estão inextrincavelmente entrelaçados» (1999: 60).

Esquecer estes pressupostos, é danoso senão perigoso. Percepcionar as ocorrências psicossomáticas do que representam as emoções, e dos sentimentos acerca do sentir dessas emoções, é um meio para usar as intuições que emergem dos sentimentos viscerais, dos quais a ontogenèse nos apropriou. Voltar as costas a um tal volume de sabedoria, torna- nos desorientados e desapropriados dos nossos referenciais de sabedoria. Este déficite nos professores, teria custos elevados, relacionais e operacionais, em termos de vida intra e inter relacional, da gestão da sua homeostasia interna e externa, e portanto, ao nível do seu

sentimento subjectivo de bem-estar. Gerir os comportamentos e as atitudes seria difícil, e até penoso.

Além de inviabilizar a capacidade de gerir no momento ou à posteriori o comportamento, este déficite também inviabiliza a percepção do que revela aos outros, acerca destas experiências. Dificilmente poderá servir de exemplo, para através de si poderem ser aprendidos comportamentos de assertividade, de motivação ou de gestão emocional, e não se cumpre a aprendizagem vicariante que Bandura defendeu, e que hoje em dia a maioria dos autores postula para um ensino de sucesso.

Esta destreza da Auto Consciência emocional, é completada e aprofundada com a

Auto-avaliação exacta que segundo Goleman (1999: 55-69) diz respeito a «conhecer os seus próprios recursos, capacidades e limites interiores», e do ponto de vista prático,

surge em pessoas que estão «conscientes das suas forças e fraquezas; que são reflexivas,

aprendendo com a experiência», fenómeno que vai ocorrendo como já se disse a partir da

perscrutação dos seus fenómenos internos; «são pessoas que estão abertas a opiniões

francas, novas perspectivas e aprendizagem contínua e auto-desenvolvimento; que são capazes de revelar sentido de humor e perspectiva acerca de si próprios». Ou seja,

também é uma capacidade de auto-observação, mas mais voltada para os factos de realização profissional e relacionais em geral, a partir dos seus saberes de referência e dos seus limites, como organismos em auto-organização, para se desenvolverem em adaptabilidade e eficácia.

Goleman, enuncia oito pontos de cegueira, que podem impedir esta destreza emocional: a ambição cega; a definição de objectivos irrealistas; a entrega compulsiva ao trabalho; a pressão sobre os outros e a cegueira acerca dos custos emocionais que lhes provoca; a sede de poder; a necessidade insaciável de reconhecimento e a preocupação com as aparências, num referencial exotélico de avaliação e uma necessidade de manter uma imagem de perfeição.

A última capacidade da Auto Consciência é assumida por Goleman (1999: 76-80) como sendo a Auto-confiança, e diz respeito ao «sentido intenso do valor e das

capacidades próprias» e revela-se em pessoas «com auto-determinação e que têm presença» em pessoas que numa atribuição de natureza autotélica, se revelam

determinadamente «capazes de manifestar perspectivas impopulares e de passar maus

bocados por aquilo que está certo», são confrontativas e voluntariosas e «são resolutas, capazes de tomar decisões sólidas, apesar das incertezas e das pressões». Goleman

têm auto-confiança, tais como: «o medo paralisante de parecerem ineptos» (1999: 79), a falta de energia para defenderem as suas ideias quando confrontados, desistindo facilmente das suas convicções; «a indecisão crónica, em especial sob pressão: recuar

perante o menor risco e não exprimir ideias valiosas». Ora, como se sabe, no campo

educativo, é necessária coragem e capacidade de improviso para contornar as * problemáticas, assumir as ideias e buscar soluções alternativas, o que depende da auto-

confiança, que segundo o autor, se aprende também a partir dos momentos de escuta da auto-consciência e da aprendizagem dos seus limites, nos confrontos emocionais que vivemos connosco e com os outros. Além disto, também é aceite o facto de só a partir deste confronto com as suas próprias emoções, e de se identificar claramente com elas, é que se torna capaz do próximo passo: gerir a energia emocional que invade a pessoa, e usá-la conscientemente intencionalizada.