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Da Educação ao Educador Políticas e Desafios Educativos

Capítulo I Da Educação aos Agentes Educativos

1.2. Da Educação ao Educador Políticas e Desafios Educativos

« O mais difícil para uma sociedade será sempre a educação... tudo o resto será consequência dela...» José Sales47, professor. Trás-os-Montes

Hoje como ontem, reflectir acerca da Educação será sempre pouco pacífico e até estimulador... as exigências que a sociedade lhe faz, mudam com as exigências com que ela mesma se confronta e compromete. A questão parece passar por aqui.

AO

Se por um lado continua intacto o significado do seu étimo «educ», no que respeita a essas exigências e expectativas, é cada vez mais diferente o significado desse «educ» no que respeita às finalidades e aos contextos. A perspectiva «reprodutiva» de Bourdieu e Passeron, de uma Educação "legitimadora da sociedade e legitimada por ela", vem perdendo sentido. Já não pode ser tão estática nem tão normativa. Desde os anos 80 do sec. XX, vem sendo atravessada, contaminada por exigências culturais e de comunicação das sociedades vivenciais, que definitivamente, tornam emergente uma Educação para transpor o hiato frente a esse movimento de bifurcação, de permanentes travessias. Curiosamente, faz sentido o que Hargreaves (1998: 27) defendeu: «A medida

que o tempo passa, este hiato que existe entre o mundo da escola e o que existe para além dela está a tornar-se cada vez mais óbvio. A natureza anacrónica da escola é cada vez

47 José Sales é o pseudónimo atribuído a um dos professores que participou no estudo qualitativo realizado 48 HOUAISS. 2004. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa "educ- ante positivo do verbo latino educo: criar, nutrir, amamentar, cuidar, educar, instruir (p.1427)

mais evidente». O autor desconstrói assim a possibilidade da pressuposta replicação básica

da escola-sociedade. Ao constatar a prática em que os professores operam, Hargreaves "vê" como a escola se distancia cada vez mais das complexidades das sociedades hodiernas (in Feitosa, 1993) experienciando sucessivos transformismos, de tal forma peculiares e radicais, que acabam por resultar natural e surpreendentemente, em macro estruturas circundantes à escola, mas que lhe são estranhas, senão adversas.

Parece haver algum consenso por parte dos autores de áreas como a psicopedagogia e a sociologia: Há que regressar ao Homem e aos valores humanos de interioridade e bem-estar. Ou seja, e como Giddens (2000) questiona, como pode ser controlado o "Jagrená" (p. 107), "num mundo tão descontrolado, tão diferente daquele que

os pensadores do iluminismo anteviram", e que é ele mesmo a consequência das soluções

anteriormente encontradas.

É justamente neste sentido que a expressão moraniana se integra, ao defender que a modernidade está «condenada à morte» (Morin,49 2002:76), o que traduz não só o

desencanto e uma preocupação prementes, como cria uma necessidade profunda de esperança e apostar no futuro da criação de «uma cidadania terrestre» que só a Educação, poderá formar e tornar concreta. E de novo os educadores estarão na ribalta.

Nesta perspectiva, como nas anteriores, a Educação das gerações actuais e vindouras será sempre a mais pertinente responsabilidade e forma de identidade dos educadores. Estes serão sempre os fios do tecido educativo, e serão antes de mais o exemplo vivo e presente, do que Morin (já citado), considera a educação da humanização do Humano. Para o autor, esta concepção educativa, que significa integrar «a animalidade

(mamífera e reptante) na humanidade e a humanidade na animalidade» (Morin, 2002: 57,

58), remete às três instâncias «complementares e antagonistas: a impulsividade, o coração

e a razão» (p.58), pelo que será impensável concretizá-la, sem esta concepção ser

integrada nestes educadores. Como profissionais e como pessoas.

E nesta concretização será emergente, na ideia do autor, respeitar a equacionalização do poder entre a afectividade e a racionalidade, defendendo que não há primazia de uma sobre a outra, mas que ambas devem ser atentamente levadas a sério, nos contextos da educação. Mesmo na actual noção de mundialidade, a afectividade, e nesta as emoções, adquirem toda a pertinência educativa, para o desenvolvimento individual e colectivo das sociedades.

O autor, aborda o desenvolvimento da civilização ocidental e a ambivalência da ciência neste desenvolvimento, e aponta factos como a bomba de Hiroshima, a poluição, o fundamentalismo político, para concluir que «se a modernidade se define como fé incondicional no progresso, na técnica, na ciência, no

conhecimento como um valor universal, é um direito de todos, que deve ser utilizado em todas as perspectivas do quotidiano, e não apenas como forma de assegurar um emprego. E esta utilização, a operacionalização deste direito, remete ao sentido de infalibilidade, de eficácia e eficiência, através dos quais a educação se propaga.

E assim, outro ponto se acrescenta à educação: o facto de a transversalidade do conhecimento não poder por si só, assegurar essa eficácia transformista e inovadora. Submerso a todo este universo de competências de eficácia, estão as habilidades do conhecimento acerca do seu mundo emocional, as suas próprias emoções, e as fragilidades, que como lembra Morin (2002), atrás citado, devem ser sentidas como

«instâncias complementares dessas potencialidades» que podem e têm de ocorrer,

partindo deste conhecimento emocional pessoal.

Para o melhor e para o pior, os primeiros a serem capazes de pôr em prática esses conhecimentos atrás citados, deveriam ou teriam que ser os agentes da educação: os professores.

Os humanos que produzem a educação - neste caso, os professores - deverão ser capazes de se relacionar emocionalmente com essas capacidades complementares, de que o conhecimento científico e emocional os dotam. O seu equilíbrio emocional, a gestão das suas experiências emocionais torna-se essencial, para gerir o conhecimento, e a sua aplicação cognitiva eficaz, para serem capazes de agir, segundo um sentido de consciência, de livre arbitrium, de autonomia a que os valores aludem, e em cuja ausência, a realidade pode só ser um labirinto de ruído emocional, e deixar de fazer sentido.

Desafios... que desafios?

A questão surge em Paraskeva50 (2000: 220) ao confrontar as emergências

socioculturais com a Crise no Sistema Educativo e defende que:

«A escola surge, no fundo como a grande culpada das crises sociais. Ora a Reforma do Sistema Educativo não pode assentar apenas na desmonopolização do papel do Estado e na subjugação da Educação ao mercado, continuando por se discutir uma questão ancestral, que pela sua

5 PARASKEVA explora os desajustes permanentes da Escola, de forma algo transversal, e verifica que é uma característica atemporal da escola, o facto de nunca estar à altura das expectativas dos tempos e da vida, mas considera que agora mais do que nunca esse desajuste é maior por estarmos a atravessar um período de grandes turbulências, e considera a revolução da informação, um exemplo vivo dessas turbulências.

complexidade se persiste em adiar: qual o conhecimento mais valioso a ser veiculado pela Educação?»

No momento em que as sociedades, com as suas instituições e organizações políticas, sociais e económicas, se ajustam a um novo meandro do desenvolvimento, onde o progresso da modernidade ortodoxa se faz substituir pelo da "reflexividade da

modernidade'" (Giddens51, 2001: 16-20) nos quais a autonomia merece destaque

privilegiado, como está a escola preparada para investir neste processo formativo?

A Educação na sociedade actual tem o compromisso de preparar o homem autónomo, para viver e participar de uma cultura que não é apenas local ou regional, mas que amplie os espaços, e tenha o mundo como a sua localidade e o seu lugar de vida... vida cultural e social e portanto emocional e relacional. Neste sentido a ampliação da consciência humana, na conquista do espaço cultural construtor de opiniões políticas cientificamente construídas e fundamentadas, depende da capacidade da escola e dos educadores, em trabalhar pedagogicamente essa dimensão. Que formação têm estes formadores para colocarem em prática este domínio da educação?

Como se pode perceber, por tudo o atrás exposto, o conhecimento desenvolvimentista - que vai além do instrumental técnico-científico - é a problemática mais evidente das sociedades, cujo paradigma de educação se compromete com a formação de gerações, como seres interventores. Qualquer actividade na sociedade actual, requer qualidades intelectuais, estéticas, conduta moral, concepção ampliada do mundo, domínio instrumental de línguas, capacidades de gerar novos modos de pensar, e para tudo isto, habilidades de comunicação relacional.

Mas estas habilidades relacionais para efectivar a comunicação são de carácter intra e inter relacional, e, dizem, justamente, respeito aos fenómenos de natureza emocional. Relacionar-se consigo próprio e com os outros, em todas as dimensões de vida, é um desafio com que a actual conjuntura social e cultural nos confronta.

Os desafios não podem, nos contextos da actual lógica educativa, ser considerados como destinos de fracasso, mas sim pontes de auto-motivação e reenquadramento para a eficácia, e resgate de valores.

Esta exigência de vida, acontece no quotidiano, com todos os humanos, em todas as situações. Exige habilidade emocional para cimentar a agilidade cognitiva essencial às decisões e atitudes relacionais. Esta premissa diz respeito à educação das gerações

O autor, aborda aqui os mecanismos da modernidade - semelhantes aos da como influências dinâmicas, ao considerar que «a reorganização do tempo e do espaço, os mecanismos de descontextualização e a

emocional de adaptabilidade e superação de dificuldades, por oposição à formação que

C O

labora para «as cegueiras do conhecimento» (Morin, 2002: 23) por redução da abordagem de algumas estruturas dinâmicas do humano, nomeadamente a sua emocionalidade. Estes são também os desafios que a Educação terá que enfrentar.

Mas a questão retoma-se: Como estão os educadores preparados, nesta matéria? E a Educação... ao nível das políticas, dos recursos humanos e dos curricula? A que nível da educação dos alunos se encontra a emocionalidade? Como é que a emoção se encontra posicionada nos tempos lectivos e nos métodos de avaliação? E nos métodos de formação e de avaliação dos professores? E como é tratada esta questão, bem como as emoções dos professores, nos contextos das exigências profissionais, pelo aparelho de poder, ao nível das políticas de educação? E neste confuso contexto como estão preparados, emocional e socialmente, para se relacionarem com os alunos?

Seria inapropriado, senão ridículo, colocar aqui a aposta (só) na formação, seja na formação contínua "como dispositivo de produção e distribuição das qualidades exigidas

aos professores... " (Correia e Matos, 2001: 16), seja na formação inicial do tipo "como deve fazer" e "como deve ser um professor" que em Braga, F. (2001: 65, 121) e em

Correia e Matos (2001) se concluiu já, serem qualquer uma delas, pouco adequadas, no contexto da realidade actual.

É justamente esta inadequação ao nível do desenvolvimento pessoal e social, que os autores focalizam, o que parece estar de sobremaneira a bloquear um aspecto muito desejável na actualidade educativa: que o professor reflicta, que se permita ficar incomodado, intrigado, curioso... e que em cada aluno "difícil" veja uma oportunidade, mas uma oportunidade para aprender e para se superar, porque "1er" um aluno deveria ser uma paixão, como uma emoção em permanente construção para o desenvolvimento do professor.

' MORIN, ao assumir que o maior erro da humanidade, é não ter conseguido definir com evidente clareza, os limites do erro, defende que agora a educação deve privilegiar o estudo da afectividade: «... não há um

estado superior da razão que domina a emoção, mas um circuito intelecto <-> afecto, e de certa maneira a capacidade de emoção é indispensável para o estabelecimento de comportamentos racionais» e mais

adiante, a propósito do Ensinar o Humano, e no que respeita ao Humano do Humano (pp. 56,57), Morin dá primazia à emocionalidade, quando apresenta o «anel razão <-> afecto <-> impulso, defendendo que todas as instâncias se complementam e se antagonizam entre si. Este tipo de abordagem ilustrou ao apelo da educação na matéria da afectividade, como mais valia na construção dos raciocínios.

53 A autora, através de um estudo de natureza qualitativa, apresenta o pensamento e a interacção de dois professores, nos seus primeiros anos de inserção sócio-profissional.

Esta ideia, premente neste estudo, toca não só a questão da "identidade profissional" construída segundo a lógica da "subjectivação" de Dubet (1996), como também e noutro sentido, serve de plataforma argumentativa, a favor da pertinência dos estudos de natureza qualitativa, de abordagem interaccionista, em que o homem como um ser activo no seu meio, é simultaneamente influenciado por ele (Mead, 1962). Ora nesta perspectiva o professor, como sujeito, nunca é "inocente" ou "ausente". A sua intervenção tal como a omissão, ou a presença como a ausência de interacção, têm uma representação, ou uma "leitura", que irá dar contornos ao tipo de construção que é feita em termos do seu contributo, à educação, como um processo social, instalado nos desafios que o campo social e político coloca aos professores. Dito por outras palavras, uma vez sendo professor, a sua intervenção é sempre contabilizada, e terá sempre consequências.