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Capítulo I Da Educação aos Agentes Educativos

1.4. Ensinar a Aprender Relação com Emoção

«Eu sou o parteiro... e o parteiro não é o gerador. É aquele por quem as coisas vêm, não aquele de quem as coisas vêm. Sócrates Apreender uma mensagem, absorver e reter uma informação, é uma actividade cognitiva, através da memorização. Mas é a intensidade afectiva, sentida ou não no acto momentâneo em que ocorre - pela impregnação no sujeito do estímulo atencional, percepcionado como competente (ou não) - que determina a estabilidade e duração comportamental desse conhecimento. Aprendemos tanto melhor e mais profundamente, quanto mais emocionalmente estimulante for percebido o objecto de aprendizagem. O poder do fenómeno designado por Damásio65 por "estimulo emocionalmente competente"

(EEC) na aprendizagem, deixa claro o quanto a emoção é essencial na aprendizagem, e como a vivência desse EEC, pode deixar inscrito em nós um "reportório de acção

específica" (p.70), que para sempre podemos repetir, como resposta já experienciada de

uma solução eficaz, que não necessita à posteriori, de nova organização química e neural. Esta é a mais valia das experiências de vida.

Emoções, sentimentos, afectos... são fenómenos inerentes à humanidade, com características comuns, mas distintos entre si (Goleman, 1995. 1999; Damásio, 1995, 2000, 2003), e com significado neuro morfológico diferenciado, mas de importância vital no comportamento relacional, decisório, cognitivo... e portanto na aprendizagem. O acto de aprender, a vida em geral e os conteúdos académicos em particular, estão carregados de significados emocionais.

Apresentar a abordagem e o envolvimento emocional do professor no tecido relacional educativo, constituindo-se ele próprio como uma ferramenta, é uma mais valia para o desenvolvimento dos sujeitos envolvidos na acção educativa. Só para mencionar como a ideia não é nova, no sentido de "moderna", recupera-se a ideia expressa por Liev Vigotsky em 1926, (200366) quando defendeu as reacções emocionais como fundamento

do processo educativo, tendo ao tempo já considerado que «o professor tem de provocar a

DAMÁSIO, defende que perante experiências repetidas com um EEC, se desencadeiam um conjunto de respostas comportamentais, e ficam memorizadas no corpo, para voltarem a ser repetidas nos momentos em que o mesmo EEC é percepcionado. Damásio defende que o resultado imediato destas respostas é uma alteração temporária no estado do corpo e no estado das estruturas cerebrais que mapeiam o corpo e suportam o pensamento, para colocarem o organismo em circunstâncias que o levarão à sobrevivência e ao bem-estar.

VIGOTSKY, aludindo à educação social, considera que "com essa nova concepção, a importância do

professor é incomensuravelmente maior. Ainda que seu papel aparentemente diminua quanto à sua actividade externa, pois passa a ensinar menos, a sua actividade interna aumenta." E mais adiante, (p.79), a

propósito da Actividade do Processo Educativo e seus Participantes acentua: "Por isso o professor

desempenha um papel activo no processo de educação: modelar, cortar, dividir e entalhar os elementos do meio para que estes realizem o objecto buscado. "

significa estabelecer novas reacções» (2003: 76), considerou também que o professor,

enquanto educador deveria ser detentor desse capital estimulativo... e ao ser estimulador deveria também ser o gestor dessa energia, de forma a integrá-la nos conteúdos, para que estes tivessem o significado cognitivo da emoção experienciada, razão porque, segundo Vigotsky, o aluno se lembraria deles.

Este ponto tem aqui interesse pela forma como Vigotsky perspectivou o professor no processo. O autor assumia que «o professor era impotente quanto à sua influência

directa sobre o aluno, mas omnipotente na sua influência indirecta, através do meio»

(2003:76), pelo que este, teria de ser estimulante e gestor emocional e educativo nos contextos de educação. Este fenómeno começaria por si, ao substancializar uma educação através da exemplificação do domínio dos próprios sentimentos, o que em seu entender - por influência da obra de James-Lang (1884;67 cf. Vigotsky, 2003: 123) - era a tarefa

pedagógica essencial.

No entanto, esta é em si mesmo uma das maiores dificuldades que se colocam ao professor. Ou seja, mais do que em qualquer outra área, as maiores dificuldades dos professores residem nas deficiências - à luz das actuais necessidades de desenvolvimento inter relacional - inerentes às deficiências próprias dos seus processos de formação académica, ainda muito concentrados nos modelos e filosofia de formação emergentes das ciências clássicas, descuidando-se das competências e habilidades que deve ter o futuro professor, em particular, no domínio de estratégias que permitam comportar-se como docentes emocionalmente eficientes, gestores emocionais autónomos e estratégicos, que como se viu parecem ser essenciais.

Mas nem todos estes conteúdos, pelos motivos já considerados, são fáceis de pôr em prática. Mesmo a nível das matérias essenciais a transmitir, as problemáticas se tornam evidentes. A este propósito, Martins, V. (2004) defende que

«os docentes enfrentam dificuldades de ensinar a aprender, isto é, desconhecem muitas vezes como os alunos podem aprender, e quais os processos que devem realizar para que os seus alunos adquiram,

67 VIGOTSKY, In NOTAS, p.123: Vigotsky foi influenciado pela obra de Williams James "What is na Emotion (1884) e de Carl George Lang (1834-1900), que independentemente terão ghegado às mesmas conclusões acerca dos processos de emoção. Estes trabalhos terão influenciado Vigotsky, que terá desenvolvido ele mesmo uma monografia acerca de emoções que, a morte não terá deixado finalizar. (Nota 2,3).

desenvolvam e processem as informações ensinadas e apreendidas em sala de aula»,

o que pode ser também equacionado para as questões ligadas à emocionalidade. Mas neste ponto com uma forte problemática: este assunto não fazia parte dos curricula de formação.

Mas qual é o risco? Um dos motivos desta falta de atenção à Emoção, e portanto à Inteligência Emocional, na escola - porque está omissa na formação dos professores - é a revelação do desconhecimento do ser humano e dos novos estudos - desde os anos 90 até ao presente - acerca da evolução da inteligência e por conseguinte a dessensibilização duma evidência da humanidade, essencial a si mesma e ao seu desenvolvimento.

Este fenómeno poderá servir de base à questão: Qual seria a mais valia de serem instituídas as metodologias de ensinar com emoção? Ou mais exactamente: que evidências há para suportar a tese da aplicabilidade das atitudes e tonalidades emocionais nas relações interpessoais? Serviria como resposta que pelo menos, tornaria o acto de aprender e ensinar mais humanizante... mas não é suficiente. Na verdade parece haver um consenso crescente entre os autores, que as emoções devem impregnar de forma submersa e profunda, os hábitos de vida relacional da escola, através de comportamentos e da própria cultura relacional, de tal forma, que caracterizem afectivamente, a identidade da comunidade educativa, e nela, todos os parceiros do processo ensino-aprendizagem.

A este propósito, e fazendo ponto de referência para a relação entre a memória, - essencial nesse processo - e a afectividade, Karli68 (1995) defende de forma evidente «a

conotação ou significação afectiva que vem associar-se aos parâmetros objectivos de um estímulo ou de uma situação, faz parte integrante da informação susceptível de ser memorizada» (p.142), deixando claro que a tonalidade afectiva carrega de simbolismo a

matéria ou o contexto e será também nessa condição que o sujeito, uma vez em contexto de aprendizagem, lhe atribuirá valor para ser memorizado. O mesmo autor acentua que «o conjunto de aspectos cognitivos de uma situação, concentra-se

frequentemente numa experiência afectiva (...) que constitui o essencial da leitura que o cérebro faz dessa situação...» (p.142), nomeadamente quando é necessário usar essas

Karli, incide a sua atenção nos estados afectivos como elementos predisponentes para todos os comportamentos em geral, e portanto também para a aprendizagem. Quando se refere, por exemplo à memória visual, aponta a amígdala (que como se verá mais adiante, desempenha uma função fulcral, no desenrolar da emoção) como complexo essencial no reconhecimento do significado afectivo dos objectos e das situações, como capaz de gerar um determinado «estado afectivo», assumindo que este «estado afectivo

assim induzido, põe em jogo uma verdadeira filtragem afectiva das informações visuais, uma escolha das informações sobre as quais, a atenção vai incidir deforma selectiva e que vão ser objecto de um tratamento privilegiado», o que em suma, determina o nível e quantidade de elementos a serem apreendidos.

Ora isto diz respeito à relação educativa, quer na sua dimensão formativa pessoal quer de aprendizagem, tendo em conta a sua importância directa no sucesso do desenvolvimento intra e interpessoal das pessoas do professor e aluno, bem como dos que com eles interagem. No global, outrora como actualmente, todos estes autores parecem confluir na opinião de que são as competências genéricas de vida (Gazda ,

1984), o grau de maturidade afectiva (Mauco, 1977) e as competências básicas

interpessoais (Formosinho, 1987) - que curiosamente e como à frente se verá,

coincidem conceptualmente com as capacidades da Inteligência Emocional - são consideradas essenciais, quer nas relações em geral, quer na relação educativa em particular. Assim, de uma forma ou de outra os autores para expressarem a competência, enfatizam as competências didáctico-pedagógicas, mas por sobre e decorrendo em fluxo de competências de natureza emocional e afectiva. Ou seja, um professor competente seria um professor emocionalmente literato, porque estaria equipado com essas destrezas intra e interpessoais facilitadoras das relações e, portanto, poderia utilizá-las para intencionalizar o processo educativo e assim interferir na aprendizagem e no desenvolvimento.