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Captação de recursos das ONGs e seu impacto na governança

2.1 Terceiro setor

2.1.4 Captação de recursos das ONGs e seu impacto na governança

juntas diretivas (boards).

Izuka; Junqueira (2013) também fizeram uma bibliometria sobre gestão social, e encontraram artigos com as seguintes temáticas: (i) educação, ensino e aprendizagem; (ii) gestão pública e políticas públicas; (iii) consórcios, cooperativas e redes; (iv) participação e negociação; (v) territórios e (vi) assistência social. Ou seja, no Brasil as pesquisas não avançam no tema da governança no terceiro setor.

Como se não bastasse o fato de não haver pesquisas que avancem no tema da governança, há ainda o fato de que a academia tem verificado advertências em trabalhos científicos da administração quanto à necessidade de um olhar particularizado para as organizações do terceiro setor, sob a perspectiva da teoria crítica, posto que a maioria dos trabalhos é funcionalista (SALLES, 2012).

A presente tese pretende refletir criticamente sobre a governança de ONGs, ocupando essa lacuna.

A seção seguinte apresentará a questão do financiamento das ONGs, pretendendo explicar, inclusive, a razão do recorte efetuado no campo de pesquisar organizações que se financiam majoritariamente por meio de recursos privados.

2.1.4 Captação de recursos das ONGs e seu impacto na

governança

Uma maneira de olhar para o desenvolvimento das organizações do terceiro setor com o passar do tempo, especialmente quanto aos desafios de governança, é por meio da análise das formas de financiamento e captação de recursos das organizações.

Historicamente, a sociedade civil brasileira estruturou-se durante o processo de redemocratização do País, a partir da luta por direitos políticos e sociais e contra a ditadura militar, que durou de 1964 a 1985. Neste período, as organizações eram fortemente financiadas pela cooperação internacional, em especial por organizações de desenvolvimento e fundações ligadas a partidos da Europa e fundações independentes da América do Norte. Isso se deu porque o governo militar, grande adversário naquele momento, obviamente não repassava recursos.

A situação, comum a diversas ONGs no período, alterou-se rapidamente nos últimos anos, com a mudança no status do Brasil aos olhos da comunidade internacional. Depois dos avanços sociais e econômicos registrados a partir dos anos 2000, com queda nos índices de pobreza e desigualdade por meio de programas governamentais, o País passou a ser considerado internacionalmente uma “nação de renda média”. Com isso, as agências internacionais de financiamento passaram a redirecionar seus recursos para outros países, abrindo um buraco no financiamento das ONGs brasileiras (OBSERVATÓRIO DA SOCIEDADE CIVIL, 2014)

A situação se agravou ainda mais em 2008, com a crise econômica mundial, que trouxe recessão e desemprego para a maioria dos países europeus. Uma prova dessa mudança do papel internacional do País é o volume de recursos recebidos e repassados pelo Brasil nos últimos anos, a título de cooperação internacional para o desenvolvimento.

O Observatório da Sociedade Civil (2014), projeto desenvolvido pela Abong, com apoio da Fundação Ford, apontou que, segundo a pesquisa “Arquitetura Institucional de Apoio às Organizações da Sociedade Civil no Brasil”, realizada pela Articulação D3 em parceria com o Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas, no período de cinco anos entre 2005 e 2009, o Brasil recebeu US$ 1,48 bilhão,

enquanto doou US$ 1,88 bilhão. A mesma inversão aparece nos dados sobre a cooperação técnica multilateral, outro formato de parceria na arena internacional.

Com esse tipo de captação minguando, e considerando a queda da ditadura e fortalecimento das instituições democráticas, uma solução encontrada pelas organizações foi ampliar as parcerias com o Poder Público, oferecendo serviços de consultoria e formação para profissionais, construindo material didático e desenvolvendo tecnologias sociais.

Com o tempo e a descentralização das políticas públicas, cresceu o número de formas, maneiras e instrumentos de parceria entre as organizações e o poder público, tanto em nível federal quanto em níveis estatual e municipal. O excesso de burocracia (aplicada a organizações privadas) é o que atrapalha nesse tipo de mobilização.

Mas, além de financiamento externo ou público, há financiamento privado corporativo, que cresceu por um período em que muito se falou em responsabilidade social empresarial, cidadania empresarial, etc., mas cuja mobilização de recursos também começou a minguar com a crise. Além disso, com os financiadores privados, há predileção por investimento nos projetos e não nas organizações, o que dificulta o desenvolvimento de boa governança (ROCHA; FEITOSA, 2013).

Seguindo esse caminho de analisar as maneiras de captação de recursos, há de se apontar também as doações privadas individuais, maneira pouco utilizada no Brasil, mas largamente utilizada na América do Norte, Europa e Oceania, como forma de sustentar uma sociedade civil forte e independente.

É preciso destacar também que a legislação brasileira é um grande entrave para doações individuais e empresariais. Enquanto nos Estados Unidos e em muitos países da Europa há opções claras e simples de doações, com dedução no imposto de renda, no Brasil, tudo é muito complicado, difícil ou impossível.

Por isso, em 2010, iniciou-se um movimento que trouxe a necessidade de um Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil, com vistas a diminuir essa burocracia e definir uma tecnologia própria para as parcerias entre as organizações e o Poder Público, visando facilitar essa forma de captação de recursos. Em agosto de 2012, publicou-se um relatório final, contendo o diagnóstico, as propostas para o aperfeiçoamento e os desafios remanescentes, orientando-se pelos eixos: contratualização, sustentabilidade econômica e certificação (MINISTÉRIO DA COMUNICAÇÃO, 2016).

A contratualização referiu-se às questões referentes aos instrumentos pelos quais o poder público formaliza as suas relações de parceria e de contrato com as organizações; no eixo de sustentabilidade, tratou-se dos assuntos relacionados a tributos, tipos societários, ampliação das fontes de recursos, etc.; por fim, a certificação tratou dos títulos, certificações e acreditações concedidas às organizações.

O resultado prático desse esforço foi a promulgação da Lei 13.204/2015, que estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil; e institui o termo de colaboração e o termo de fomento (BRASIL, LEI 13.204/2015).

O artigo quinto dessa lei diz que o regime jurídico dessas parcerias deve ter como fundamentos a gestão pública democrática, a participação social, o fortalecimento da sociedade civil, a transparência na aplicação dos recursos públicos, os princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia, todos corolários de uma boa governança.

A questão é que existem cerca de 300 mil entidades sem fins lucrativos, segundo a pesquisa Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil (Fasfil), realizada

pelo IBGE. Destas, 10 mil receberam recursos por meio de convênios com o governo federal, uma fatia bem pequena. A questão relativa ao tamanho do Estado parece indicar que, no futuro, o financiamento privado deve permanecer sendo o que vai sustentar a maioria das organizações.

Por isso a ideia da presente tese não é investigar organizações com financiamento majoritariamente público, ou dentro do leque dessa nova legislação, preferindo perquirir organizações que se financiam majoritariamente por meio de recursos privados, e que precisam “brigar” ou “disputar” esses recursos, e os mecanismos específicos de sua racionalidade.

A seção seguinte traz uma pequena reflexão acerca do ciclo de vida das organizações, porque a complexidade da governança é diretamente proporcional ao tamanho da organização e a quantidade de recursos humanos e financeiros que ela movimenta.

2.1.5 Crescimento e desenvolvimento das ONGs e o impacto na