Exigência de financiadores

Os entrevistados foram indagados acerca da eventual exigência que doadores ou financiadores poderiam fazer da prestação de contas. Ou seja, além da questão da prestação de contas pública, ou aos associados e beneficiários ou ao Estado, a ideia era investigar se há mecanismos exigidos ou pautados por esses stakeholders específicos.

(...) Então, essa quadra, por exemplo, foi um recurso que foi doado específico; então construiu a quadra e a gente teve que bater foto, tudo bem direitinho; então a gente agora conseguiu um recurso de lá de fora, dos Estados Unidos, e tem a obrigação de uma prestação de contas específica (...) veja essa doação, a gente está para conseguir doação para a quadra e eles pediram os documentos auditados; só que aí vem a tal da credibilidade; aí eu expliquei que a gente não tinha auditoria, que a gente está no processo para conseguir ainda, mas talvez só entregue ano que vem; e eles liberaram (...). (O1b)

(...) esse tipo de doador existe sim, que exige prestação de contas específica; ele quer saber como o dinheiro dele foi aplicado; existe o doador que realmente já conhece você, é aquela história que Fabinho fala muito bem, que a voz do cheque é que é a coisa mais legal quando você consegue conhecer a voz do cheque; não adianta você receber um cheque e não saber quem é a voz daquele cheque, quem é que tá por trás, e você age de forma ética e as pessoas veem o trabalho evoluindo; no nosso caso existe um cadastro de trezentos e sessenta e quatro famílias cadastradas com nome, endereço e telefone e quando essa mãe recebe uma vez por mês o kit ela vai lá, retira o kit e ela assina com a carteira que é o seu número de cadastro e aí está assinatura dela lá pra ajudar nessa prestação de contas específica para aquele doador (...). (O2a)

(...) nós recebemos carne de bode de um banco de alimentos, e anualmente o banco exige que a gente entregue a documentação exigida por eles; entre essas documentações estão as certidões do conselho municipal de assistente social; nós temos, mas como não entregamos em 2016 uma nova cópia, a gente não recebeu a carne de bode, e isso eu vim descobrir agora, porque eu questionei que eles estão dando para algumas ONGs, mas menos para nós; burocracias sem sentido e exigências sem razão; mas alguns financiadores fazem questão de pedir (...). (O5b)

(...) a gente teve uma recente, sobre um projeto específico; a verba veio repassada de uma associação alemã (...) e depois veio uma equipe, junto com alguém da Alemanha, que eu não sei quem era; vieram com a auditoria fazer a pesquisa, mas foi muito em relação aos resultados; por exemplo, foi visitar as famílias que a gente tinha plantado pra ver se foi realmente feito (...). (O4a)

(...) O banco de alimentos, por exemplo, eles exigem uma prestação de contas, a gente leva para ele um relatório, e participamos de treinamento que eles oferecem (...). (O10a)

Desses achados, se nota que há mecanismos não necessariamente recomendados pelo IBGC (2016), mas que são relevantes e específicos para cada organização:

(...) eles exigem a foto, a foto de que tô doando; a “org” lá cuida do empoderamento feminino então você nunca vai ver uma foto de uma cesta básica, mas tem alguns doadores que precisam ir lá fazer a foto e dizem “olha mas essas fotos não vai pra nossa página, não vai ser divulgado, mas eu preciso mandar pra o relatório”; aí manda o relatório de tantas pessoas (...) então assim, os que fazem essas exigências são doadores mais organizados (...). (O2b)

E ainda que não sejam mecanismos formalmente cobrados ou exigidos, a prestação de contas direta aos doadores parece ser tão coerente que é realizada espontaneamente:

(...) os padrinhos que a gente tem até hoje, eles não cobram, mas eles tem curiosidade e a gente também faz questão; eu não se eles não cobram é porque a gente já manda; se não mandasse talvez eles cobrassem fotos etc. (...). (O3a)

(...) com a gente nunca aconteceu; pelo contrário, eu corro atrás dos padrinhos, me manda o e-mail de vocês, para mandar um acompanhamento com alguns dos meninos, fotos (...). (O3b)

(...) a necessidade de mostrar é muito mais nossa do que de quem está de fora querendo ver; a verdade é essa; eu tenho de fazer, porque eu quero me preservar; então os padrinhos que dão doação mensal, eles não querem a prestação de contas; eu estou a um mês no pé de um, para mandar a prestação de contas para ele (...). (O2b)

(...) Já recebi, aí eles pedem um recibo; independente deles me pedirem isso eu já mando, para mostrar para eles; eu mando fotos, eu posto nas redes sociais, eu agradeço publicamente, eu mando recibo de doações que a gente recebeu e que vai ser usado para fins de tal coisa; e se de repente for grana, eu mando um boleto, proposta de doação e ele paga e eu mando recibo (...). (O8a)

Quando o recurso vem por meio de edital público ou concorrência de projetos, as exigências de prestação de contas são mais específicas, detalhadas. Em alguns casos, a burocracia pode até inviabilizar a participação de algumas ONGs que não têm estrutura administrativa suficiente para se obrigar com tantas exigências:

(...) agora tudo o que é projeto via edital, aí a cobrança é pesada, inclusive de você pensar que talvez não vale nem a pena fazer; quando a gente entra na regra, na lei, é um problema; eu digo sempre assim para os meninos, a lei brasileira ela vem para fechar a ONG, não vem para facilitar de jeito nenhum; para você começar a estudar e legalizar a vontade que dá, meu Deus do céu, vou parar com isso, não facilita em nada (...). (O3b) (...) as organizações governamentais que apoiam as ONGs na distribuição de recursos e doações materiais em geral, elas deveriam ter menos exigências

de documentos; Uma ONG que está nascendo agora, que tem pouco tempo de vida não vai conseguir isso no início do seu projeto; ela só vai conseguir com sete anos e aí elas não podem receber os recursos mínimos que estão disponíveis para ONGs (...). (O5b)

Talvez seja por isso mesmo que existam mais organizações que se financiam majoritariamente de recursos privados, como foi o recorte desta pesquisa.