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4 Análise dos resultados

4.2 Funções estratégicas de governo

4.2.3 Declaração de missão

Juntamente com a análise de riscos, a mobilização de recursos e a preocupação com a sustentabilidade da organização, a definição da missão, visão e valores, em tese, deveria ser proposta e acompanhada pelos órgãos superiores de governança das ONGs. Mas, no passo dos dados até aqui analisados, já se antevê que isso não é congruente com a realidade.

A maioria não tinha isso bem definido, mas outros entrevistados já tinham algo pronto ou bem encaminhado:

(...) temos sim; quem trouxe para a gente foi a “fulana”, essa que é do planejamento estratégico; ela fez um canvas com a gente, e aí depois disso a gente conseguiu ver exatamente o que era que a gente gostaria de ser, etc (...). (O2b)

(...) temos, ela tem a do estatuto que foi feita antes de eu entrar, mas a gente já tá vendo falhas né; na verdade foi feito pra fundar, pra tirar o CNPJ, mais ou menos assim, e sem pensar muito o que é associação hoje; a gente está refazendo a missão, refez visão, refez os valores da “org”, que na verdade, ele não mudou muito os valores, só acrescentou mais, e fez os objetivos; pensamos, sentamos, lemos muitos outros objetivos de outras ongs e fizemos a nossa, assim eu acho que tá dentro do que precisa (...) a gente tá fazendo tudo com mais consciência eu acho, estudando, lendo e aprendendo pra poder fazer, aí já tem visão, valor, objetivo e a meta vai chegar (...). (O3a)

Mesmo as que têm não foram feitas pelos órgãos de governança, mas pelos gestores operacionais, com alguma ajuda de amigos:

(...) A gente está organizando isso; claramente não tinha até porque a “org” surgiu para fazer tudo, então era um perfil que “fundador” não queria fechar; foi um projeto social precisando de ajuda, a gente faz campanha para ajudar; então era muito difícil fechar uma missão, é porque a gente entrou em crise existencial, quando a gente foi fazer, meu Deus a gente é tudo ou nada (...) eu e “fulano” fizemos; nem a diretoria participou mais do processo; hoje a “org” está estruturando a visão, missão, objetivo, meta, mas só eu e “fulano”, e aí é quem está na gestão, é quem está na ponta (...). (O3b)

(...) não, a gente já começou, já estava pensando nisso; antes eu tinha feito um esboço, mas depois aqui com as mentorias tudo começou a dar aquela modelagem; ainda vamos terminar (...) como todos eles tem compromisso, trabalham e eu normalmente fico pra resolver essas coisas, aí vou assumindo compromissos e eu faço mesmo e depois mostro (...). (O6a) (...) A gente tem; ela está até exposta ali; uma vez olhando e lendo ela eu disse isso não se encaixa na “org”; aí falei com a direção (...) agora no porto social a gente vê a necessidade de ter isso no nosso estatuto; criamos agora essa aqui, e o porto social já fez algumas mudanças; então ela não está nem valendo ainda (...). (O5a)

A última transcrição acima é decorrente de um entrevistado que está na gestão operacional da ONG. Interessante que outro entrevistado da mesma organização, membro voluntário da governança disse que a missão existia, que era boa e que estava disposta na parede, desconhecendo as alterações que estavam sendo propostas:

(...) temos, sim. O presidente com base na realidade da organização apresentou e o conselho aprovou.

Isso demonstra como as visões de quem está na operação e quem está formalmente representando a organização nas atas e estatutos são absolutamente distintas.

Chamou a atenção uma resposta. Há declaração de missão, visão e valores, mas ninguém sabe disso, a não ser a fundadora e principal dirigente:

(...) Tem, mas acho que só quem sabe sou eu (...). (O10a)

4.2.4 Credibilidade

Já se viu que os órgãos de governança muitas vezes são apenas fictícios, que existem apenas no papel por imposição legal. Mas o IBGC (2016) afirma que a existência de um órgão de governança como um conselho de administração nas organizações deveria transcender a obrigação legal.

Para o guia de melhores práticas, cada voluntário deve ter alinhamento com os valores da organização e ter as seguintes competências: (i) Experiência, com participação em outros conselhos ou sendo executivo sênior; gestão de mudanças e administração de crises; identificação e controle de riscos; e, em gestão de pessoas; (ii) Conhecimentos de finanças, contábeis, jurídicos, das atividades da associação, do terceiro setor e da área de atuação da organização.

Tudo isso, essas muitas recomendações, já visto que são absolutamente irreais, sobretudo para ocupação de cargos voluntários, serviria para dar credibilidade à organização. E essa recomendação faz sentido. As poucas organizações que têm poucos voluntários nos órgãos de direção, especialmente os fundadores, de fato, emprestam credibilidade.

(...) com certeza, esse é o papel deles; o papel principal parcialmente não, sim todos eles que se envolvem porque ninguém vai se envolver com a instituição que não tem credibilidade, que eles não confiam; aliás é eu já me deparei com muita gente disposta ajudar e a principal barreira para fazer isso era a credibilidade; então você usou um termo importante, de o povo usar o seu nome, porque isso gera credibilidade; então muitas das doações que conseguimos é em função em empréstimo de nome; então é só as

pessoas das redes de relacionamentos de “fulano” que vem aqui veem o trabalho; poxa é “fulano” que está na frente, independente de relatório, independentemente de qualquer coisa. Vou porque é “fulano”, vou porque é “fulano”, então isso é um aspecto muito importante da questão de credibilidade (...). (O1a)

(...) isso de fato acontece. A credibilidade é total por causa das pessoas que emprestam o nome; todos eles posso dizer que todos ajudam nesse sentido; por causa de “fulano” ser do conselho, chega a vir toda uma comunidade para ajudar, em relação a padrinhos, que é o nosso carro chefe daqui (...). (O1b)

(...) eu acredito em alguns casos acontece investimento a partir da influência de alguém; alguém individualmente querendo investir percebe a serenidade da instituição e as necessidades; funciona muito essa questão de influência de alguém, no nome de alguém; mas eu acredito que não adianta ter nomes bons e os recursos serem maus administrados (...). (O5b)

(...) temos “fulano”, que é uma escritora de nome no mercado, que já teve vários livros publicados, inclusive distribuído nas redes municipais “fulano” também é um professor de renome; isso dá sim credibilidade; foi por isso que chamamos eles; (...). (O8a)

(...) empresta sim credibilidade; os associados servem, mesmo longe; eles se sentem inseridos no grupo também (...). (O10a)

Ainda quando não é questão de todos os membros, a presença de alguns mais atuantes já traz essa credibilidade:

(...) eu acho que sim, eu acho que tem que ter toda uma transparência e as pessoas tem que confiar em você; eu acho você a cara da ONG; quando as pessoas confiam em você, elas conseguem trazer recursos; porque as pessoas confiam no que eu estou propondo a elas, assim de certa forma e dou credibilidade. Mas sou eu né? Se eu mandar alguém da diretoria, ninguém vai conhecer, ninguém vai saber (...). (O2b)

(...) tem também, lógico que o diretor é extremamente influente, ele conhece muitas pessoas, já dá uma credibilidade; a gente vai apresentar, todos conhecem o diretor, e realmente abre muitas portas; isso é importante, não só por isso óbvio, ele é uma pessoa encantadora, então o nome de alguém, o fato dele ser uma pessoa bem conhecida ajuda muito (...). (O3a)

(...) acredito que sim, porque eu sempre digo por trás de um CNPJ, sempre tem um CPF; um CNPJ sozinho não faz nada, então a cara, as pernas, as mãos da ONG, ou de qualquer organização do primeiro e segundo setor, são as pessoas que estão ali de frente (...) então assim do mesmo jeito que isso acontece em ONGs, se eu olho pra uma instituição e vejo que só tem pilantra, gente que eu não confio e nem sei quem é, eu não vou chegar junto cara; não vou querer patrocinar uma ação, não vou querer me envolver, colocar o meu nome ali (...). (O7a)

(...) O meu nome tem essa credibilidade, no governo, na prefeitura, em lugares públicos, perguntar quem é “fulano”, todo mundo sabe quem eu sou, eu sou famosa pelo o meu trabalho que eu faço na instituição, e na comunidade, e isso ajuda (...). (O4b)

A pesquisa observou que o tempo e o dinheiro gastos com burocracias que não fazem sentido para as organizações privadas assistenciais pequenas, que se financiam majoritariamente por meio de recursos privados, geram muita indignação. Não se trata de um sistema de governança coerente com a racionalidade das ONGs.