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Capítulo 4 Proposta do ciclo de captura e disseminação do conhecimento

4.3. Captura e disseminação do conhecimento

4.3.2. Captura do conhecimento

Selecionado o projeto, deverá ser conduzida a captura do conhecimento. Como já exposto, ela ocorrerá seguindo-se o processo de História de Aprendizagem (KLEINER e ROTH, 1995) representado na Figura 14.

A captura do conhecimento começa com o passo de planejamento (passo 1). Neste momento são selecionados projetos possíveis, analisadas as características do projeto, a

Transferência Distante

Processo de História de Aprendizagem Modelo de Dixon

viabilidade da coleta, quais pessoas podem ser entrevistadas, selecionados materiais de apoio e outros aspectos que dizem respeito à preparação prévia. Esses dados servirão de apoio ao historiador durante a execução do processo.

A seleção do projeto que será alvo da execução do processo é crucial. Um bom projeto deve gerar uma história rica em experiências com alto potencial de geração de aprendizado aos leitores. Algumas diretrizes para a seleção do projeto são:

O projeto deve ser inovador em processos, métodos, culturalmente ou em outras características relevantes (por exemplo: lidar com grupos de usuários problemáticos, com novas arquiteturas, ter alta exposição externa, etc);

Deve existir a possibilidade de que outros projetos sejam executados em condições semelhantes;

Devem ter sido geradas muitas experiências, boas e/ou ruins, com abundância de lições novas;

O projeto deve estar concluído ou em fase final de conclusão. Caso ele já esteja concluído, isso não deve ter ocorrido a muito tempo.

Ainda neste passo, o historiador deve reunir material de apoio para que ele se familiarize com o projeto. Isso irá auxiliá-lo na elaboração de perguntas durante as entrevistas. O historiador pode fazer uma ou duas entrevistas preliminares, com o objetivo de obter uma visão geral do projeto. Estas entrevistas podem ser regularmente incluídas na história. A diferença é que o entrevistado deve estar ciente da falta de conhecimento do entrevistador sobre o projeto. É importante que o historiador tenha uma visão cronológica do projeto e um esboço dos principais eventos.

A iniciativa deve ser patrocinada por alguém da organização. Esse patrocínio se dá em forma de apoio explícito e instrução aos envolvidos para que estes comprometam seu tempo nas entrevistas e validação do material.

Figura 14. Processo de História de Aprendizagem (KLEINER e ROTH, 1995)

A etapa de pesquisa reflexiva (passo 2) é o principal momento de construção da história e onde se realiza a captura do conhecimento do projeto. A técnica utilizada para a coleta das histórias é a entrevista. As pessoas são entrevistadas pelos historiadores, suas entrevistas são gravadas e transcritas.

Os entrevistados devem ser selecionados com base na abrangência que se quer dar à história. Por exemplo, em uma história cujo foco seja o processo de desenvolvimento, focada no conhecimento de técnicas de software, pode-se selecionar membros da equipe de desenvolvimento (analista de sistemas, projetista, programador, gerente), das equipes de apoio (administração de banco de dados, de redes, de segurança) e os gestores que participaram de maneira mais direta do projeto. Para histórias que desejem capturar, por exemplo, o impacto do projeto de software nos processos de negócio, serão incluídos gestores da alta direção, usuários finais e eventuais clientes externos à organização.

Esta etapa é apoiada pela estrutura cronológica do projeto, levantada na etapa anterior. A entrevista é iniciada com uma questão aberta, solicitando que o entrevistado narre a história do projeto de forma livre. Eventualmente o entrevistador deve recorrer aos dados levantados para solicitar algum esclarecimento ou para dar prosseguimento à entrevista, mas sempre incentivando a livre narração.

No passo 3, destilação, o conhecimento capturado nas entrevistas é empacotado de forma a beneficiar os objetivos da disseminação. Os textos são mantidos com a forma exata na qual foram narrados, com três exceções: i) são corrigidos os erros de português da forma falada para a forma escrita, em benefício de uma leitura mais agradável; ii) por vezes pequenos trechos são acrescentados para contextualizar o leitor sobre o assunto que estava sendo falado, sendo estes trechos colocados entre colchetes; e iii) nomes de pessoas, setores,

equipes, projetos e empresas são substituídos por papéis, preservando o anonimato dos envolvidos, e são escritos entre colchetes e em itálico.

A literatura sobre o assunto não especifica o método de edição das entrevistas. Algumas possibilidades foram consideradas: i) divisão por gestor, na qual a história seria organizada com cada seção contendo a narração de um entrevistado; ii) divisão por atividade do processo, na qual as seções conteriam eventos separados por disciplinas (modelagem de negócios, requisitos, análise e projeto etc); iii) seqüência de narração, onde os eventos seriam mantidos na ordem em que foram narrados pelo gestor; e iv) ordem cronológica, com a narração dos gestores sendo reorganizadas em uma linha do tempo válida para o projeto. Julgou-se que a ordem cronológica está mais alinhada ao espírito de conto contado conjuntamente, que é motivador da História de Aprendizagem, sendo este o método de edição escolhido.

Desta maneira, com as entrevistas devidamente transcritas, a primeira coisa a ser feita é a identificação dos principais acontecimentos do projeto por meio de uma leitura geral. Os eventos são então ordenados cronologicamente, o que não necessariamente corresponde à ordem narrada dada a natureza espontânea da narração. À cada um dos eventos identificados corresponde uma seção da história. As entrevistas devem ser editadas preenchendo-se cada seção, intercalando, quando for o caso, narrativas de diferentes atores, buscando-se dar fluidez à história e à leitura (Figura 15). A existência de pontos de vista divergentes também deve ser explorada, juntando-os e comentando-os na coluna da esquerda.

A escrita (passo 4) é o momento em que o documento ganha forma. Neste passo incluem-se as páginas introdutórias, os resultados notáveis, a linha do tempo, os parágrafos que antecedem as seções e os comentários da coluna da esquerda. As páginas introdutórias descrevem o documento e instruem os leitores. Os parágrafos que antecedem as seções descrevem o contexto e ressaltam o porquê da divisão da seção. Os comentários buscam dar um apoio ao leitor e direcionar a historia. Eles são feitos: i) buscando elucidar alguns detalhes da história contada; ii) ressaltando contradições; iii) levantando questões relacionadas aos trechos; e iv) ressaltando temas recorrentes.

Silva Neto (2005, p.53) traz a História de Aprendizagem de um programa de melhoria contínua do processo de software. Dada a natureza do programa, que se sustentava em modelos de referência para a sua realização (i.e.: IDEAL e SW-CMM), o autor organizou os comentários da coluna da esquerda tendo como base referências aos modelos, novas idéias identificadas e questões importantes sobre a condução do programa. Diferentemente do

proposto por este autor, neste trabalho os comentários serão escritos levando-se em consideração características inerentes à história: fatos recorrentes, pontos de vista opostos, pontos que se deseja ressaltar e explicações em geral (Figura 15). Isto decorre da observação de que cada projeto de desenvolvimento tem características relevantes únicas, que devem ser ressaltadas e que carregam um potencial de aprendizado. O foco da história está em como o projeto em particular aconteceu, e não no processo seguido.

A [Organização] é uma empresa que tem em sua cultura a percepção de que sua principal matéria-prima é a informação. A informação sobre indicadores de agronegócio e abastecimento, até então, é tratada por diversas áreas que, em função da história de fusão da [Organização], têm problemas de comunicação. Por isso, com o passar do tempo, as áreas passaram gerar informações redundantes, cada uma da maneira que achava correta. O projeto do Sistema de Informações de Agronegócio e abastecimento (SIA) tem como objetivo colocar ordem neste contexto.

Objetivo do sistema: organizar e disponibilizar as informações, cumprindo o objetivo estratégico definido para a organização

SUPERINTENDENTE: A partir [...] do planejamento estratégico da [Organização] e com base nele, alguns objetivos foram definidos, que é exatamente a [Organização] ser referência como provedora de informações e conhecimentos no setor agrícola de abastecimento. Então, para exercer de fato essa função, esse papel, seria necessária uma reformulação interna. Dentro dessa linha, de qualificar a informação, de ter um crédito, uma validação dessa informação e subsidiar de fato as propostas e as políticas é que se enquadra o SIA, motivo pelo qual foi estabelecido como prioritário.

GESTOR: Na década de 90 nós desenvolvemos um sistema de preços junto com a área de informática, que nós chamamos de agropreços hoje. Foram surgindo novas ferramentas no mercado, a

[Organização] migrou do grande porte para cliente e servidor e sempre vínhamos falando da necessidade de se ter um projeto onde pudéssemos esquematizar todas as informações do agronegócio, não só preços.

Figura 15. Fragmento de uma história de aprendizagem

Neste passo são também escritos os parágrafos introdutórios das seções. Tantos nestes parágrafos, quanto nos títulos das seções, deve-se buscar um tom instigante, que desperte a curiosidade do leitor para a história que se segue. Informações adicionais que não constam das narrações podem também ser incluídas.

Na validação (passo 5) todos os que participaram das entrevistas têm a oportunidade de ler o documento e revisar, em especial, os trechos que lhes dizem respeito. Eles têm toda liberdade de corrigir ou acrescentar passagens. Após as correções feitas, o documento está pronto para ser distribuído aos leitores, na etapa de disseminação.

4.3.3. Disseminação do conhecimento

Para a disseminação do conhecimento, o processo de História de Aprendizagem prevê que isso seja feito através da realização de um workshop (ROTH, 1996). Ele é o momento e o espaço conversacional onde é dada ao grupo receptor a oportunidade de discutir o conteúdo e as implicações da história.

O workshop busca tornar visível o processo de raciocínio dos membros quando da leitura do documento. As percepções, interpretações e atribuições feitas são trazidas à tona e discutidas. Além da aprendizagem individual que ocorreu durante a leitura da história, no workshop surge um novo nível de aprendizagem, advinda da interação entre os participantes, que eventualmente pode se estender para além dos assuntos tratados na história. Essa interação é desejada e deve ser estimulada pela própria programação do workshop.

A literatura traz apenas as linhas gerais que devem guiar o workshop, mas alguns detalhes precisam ser observados para que a disseminação ocorra a contento. O convite aos participantes deve ser feito de forma que os instigue a ler o documento e participar ativamente do workshop. Além disto, o workshop deve ser bem planejado para que o grupo não fique apático ou, em outro extremo, o mediador não perca o controle da discussão.

Para o convite aos participantes, o principal risco é que estes não realizem uma leitura interessada e conectada com a história, resultando em um workshop improdutivo. Surgiu, então, a necessidade de estimular essa interação na leitura. Para isso foi criado um convite para que fosse entregue aos participantes, juntamente com o documento que contém a história. Neste convite eles são informados das motivações do evento, data, hora e local, além de algumas instruções sobre como o documento dever ser lido. Com o intuito de conectá-los à história, as instruções pedem (Figura 16):

que os participantes prestem atenção às suas reações, observando onde eles realizam julgamentos, culpam pessoas por erros, concordam ou discordam de atitudes, ou experimentam outras emoções;

marquem e façam anotações nesses trechos;

avaliem os comentários da coluna da esquerda, acrescentando seus próprios comentários;

reflitam em que medida as situações são similares ou diferentes da sua realidade; não conversem sobre a história antes do workshop.

Figura 16. Convite para o workshop de disseminação

A programação do workshop exerce um papel crucial no que diz respeito à preparação de um ambiente propício à realização da criação do conhecimento conjunto. Ele é conduzido por um mediador, que tem o papel de orientar a discussão, fazendo com que os participantes entendam os objetivos e interajam entre si de forma produtiva. Com a intenção de propiciar um workshop produtivo e preparar eventuais contingências, foi construída uma programação básica, que pode ser vista na Figura 17.

O passo 1 – Check in – tem o objetivo de introduzir os participantes na reunião, sincronizando a visão de todos sobre os objetivos da mesma e mostrando onde aquela iniciativa se encaixa dentro dos planos organizacionais.

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Workshop de disseminação

Tópico Descrição Observação

Introdução 5’

1 Check-in - Apresentar os objetivos

- Objetivos da organização - Apresentar o programa do workshop

Fase um – O que aconteceu e por quê? 60’

2 Investigar a conexão do grupo com a história

- Perguntar:

“Quem realmente leu a história?”

“Quem anotou e observou as suas reações enquanto lia?”

“Quem poderia fazer um resumo da história?” (observar se o grupo corrige e intervém no resumo)

O objetivo deste passo é investigar a conexão do grupo com a história e preparar um eventual plano “B” caso o grupo não tenha lido ou demonstre desinteresse 3 O que aconteceu - “O que se destacou no texto para vocês? O que você

sentiu?” (surpresa, julgamento, culpando pessoas por erros, etc)

- “Por que você reagiu assim?”

- Emendar as respostas com réplica do grupo: - “O que vocês acham? Concordam?” - “Alguém mais destacou esse trecho?” - “O que vocês sentiram?”

– reler o texto em conjunto - verificar quais as palavras exatas geraram a reação

- Anotar no quadro o trecho, sentimentos e comentários 4 Conclusão - Ler o quadro

- Perguntar se alguém deseja acrescentar algo ou especificar melhor alguma anotação

Fazer o fechamento da fase

Fase dois – e então, o que vem agora? 30’

5 Implicações

futuras - Quais as implicações das experiências da história para as iniciativas atuais? - Em que medida partes da história são similares ao que você faz agora e o que há para aprender?

- Qual a sua responsabilidade na criação da condição descrita?

- Podemos ajudar a Organização a enxergar algo?

O objetivo é ligar os comentários feitos às pessoas presentes. Anotar comentários no quadro, com eventuais responsabilidades assumidas 6 Conclusão - Ler o quadro

- Perguntar se alguém deseja acrescentar algo ou especificar melhor alguma anotação

Fazer o fechamento da fase

Figura 17. Programa do workshop

O passo 2 procura tratar do seguinte problema: como saber se os participantes realmente leram o documento? Para isto os participantes são estimulados a resumir oralmente a história lida. Esse momento tem um duplo objetivo: o mediador tem a visão de quem leu e quem não leu a história, e o resumo refresca a memória de todos sobre a história lida. Caso o mediador perceba que um número muito pequeno de participantes realizou a leitura a contento, ele deverá decidir se continua ou cancela o workshop, marcando-o para outra data.

O passo 3 executa a fase 1 propriamente dita, com os participantes descrevendo os seus comentários sobre a história. Neste momento cabe ao mediador estimular as interações entre os participantes, permitindo que o grupo comente as reações descritas. O mediados anota em um quadro o trecho e a reação descrita.

No passo 4, conclusão, as reações descritas são revistas por todos e eventuais correções são feitas.

O passo 5 inicia a fase 2 do workshop. Nele os participantes comentam as implicações futuras daquilo que foi discutido, verificam a similaridade da história com a realidade experimentada por cada um, assumem a responsabilidade pelas mudanças e levantam as questões sobre como a organização poderá ser ajudada. Tudo é devidamente anotado em um quadro e visualizado por todos.

Na conclusão, passo 6, o quadro com os comentários é lido, eventuais correções são feitas e o workshop é encerrado.

4.4. Considerações sobre o capítulo

Este capítulo detalhou a proposta do ciclo de captura e disseminação de conhecimento criado na execução de projetos de desenvolvimento de software. Para isso foram definidos três pressupostos que guiaram a construção da proposta: foco no conhecimento tácito, disseminação por meio de processos sociais e custo adequado para pequenas e médias empresas.

Três questões iniciais foram resolvidas: a definição de um modelo de gestão de conhecimento, a escolha de uma abordagem para a execução do ciclo e a otimização do documento de História de Aprendizagem para armazenamento e recuperação.

O processo baseia-se no modelo de gestão do conhecimento de Dixon (2000). A disseminação segue o tipo “Transferência Distante”, também proposto pela autora, por ser focada na transferência de conhecimento tácito entre equipes executando tarefas similares, não rotineiras, em contextos diferentes.

Para a execução do modelo foi selecionado o processo de História de Aprendizagem como formato adequado para a execução do ciclo de captura e disseminação, e também como forma de registro das histórias. A disseminação ocorre no workshop específico, na qual os participantes discutem as suas impressões sobre a história e suas implicações no futuro da organização.

O capítulo mostrou, ainda, a proposta de organização das histórias pelo método de marcação (tagging) baseado na ontologia de processo de software proposta por Falbo (1998).

Estabelecida a proposta de execução do ciclo, o próximo capítulo cuidará de realizar a sua aplicação prática. O capítulo irá mostrar a captura do conhecimento e a escrita de uma História de Aprendizagem. Serão descritos dois estudos de caso mostrando a realização do workshop de disseminação.