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CAPÍTULO III – MEDIAÇÃO DIGITAL E CAMPANHAS ELEITORAIS

3.3 A mediação digital e as campanhas eleitorais

4.2.2 Características da investigação-ação

Na literatura, encontram-se imensos textos onde são destacadas algumas das principais características da investigação-ação. Assim, em (Hult & Lennung, 1980; McKernan, 1991; Kemmis & McTaggart, 1992; O’Leary, 2004), sugere-se que a investigação-ação:  É apropriada para a resolução de problemas de natureza prática em tempo real. Isto

é, concentra-se nos problemas que são a preocupação do imediato. É Também adequada para a implementação de iniciativas inovadoras;

 Promove a melhoria, através da mudança. A propriedade de mudança é uma prioridade. O objetivo é a produção de conhecimento para produzir mudança e a

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adoção da mudança para produzir conhecimento. Frequentemente, produz mudanças inesperadas e conduz a processos inovadores;

 Usa um processo em espiral de autorreflexão cíclico contínuo: planeamento, ação (implementação dos planos), observação (sistemática) e reflexão. Depois, voltar a planear, implementar, observar e refletir;

 Procura compreender situações sociais complexas;

 Procura a compreensão dos processos de mudança dentro dos sistemas sociais;  É formativa, de tal modo que a definição do problema, dos objetivos e da

metodologia pode alterar-se durante o processo de investigação-ação;  Inclui a avaliação e reflexão;

 É metodologicamente eclética;

 A investigação-ação é um processo de aprendizagem sistemática;

 É colaborativa. Isto é, oferece oportunidades para o trabalho em colaboração;  É participativa;

 É emancipatória;

 É realizada dentro de um quadro acordado de ética;  Pode levar a resultados abertos/não conclusivos.

O projeto de investigação e desenvolvimento descrito nesta tese também apresenta algumas das características acima indicadas, das quais se destaca o facto de ser um projeto inovador, de índole eminentemente prática e social, em que a gestão da mudança tem um papel preponderante, e onde a procura contínua de melhoria é uma prioridade. Portanto, as características anteriormente apresentadas fazem da investigação-ação uma metodologia apropriada para este projeto de investigação e desenvolvimento.

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Por outro lado, como se poderá verificar na secção seguinte, o processo cíclico contínuo de planeamento, ação, observação sistemática e reflexão revela-se extremamente adequado para um projeto que visa estimular os cidadãos a envolverem-se e a participar ativamente nos debates eleitorais, através de uma solução tecnológica de mediação digital. Sucintamente, é necessário idealizar (planear) a solução tecnológica, implementá-la (agir), experimentar (observar) a solução implementada, analisar os resultados e refletir, de modo a identificar pontos fortes e problemas. Depois, é necessário voltar a idealizar soluções para os problemas encontrados, e repete-se o ciclo.

4.3 Procedimento

Numa fase preparatória, procedeu-se à formulação do problema e à identificação dos objetivos em estudo (apresentados no capítulo de introdução). Depois, realizou-se uma revisão da literatura, essencialmente com o intuito de identificar os principais intervenientes em campanhas eleitorais e de encontrar propostas de modelos e abordagens de mediação digital para a participação pública direta em períodos eleitorais.

O planeamento é o passo responsável pela definição detalhada do modo de organização de um projeto. Assim, durante a fase inicial do primeiro ciclo de investigação-ação, elaborou-se o seguinte plano:

 Criar um modelo conceptual de mediação digital para a participação pública direta em períodos eleitorais;

 Criar um modelo funcional para uma solução tecnológica que tivesse subjacente o modelo conceptual proposto. Isto é, definir os requisitos funcionais da ferramenta a implementar;

 Efetuar um levantamento de possíveis metodologias de desenvolvimento de software e das tecnologias a usar para a implementação da solução tecnológica. Para o desenvolvimento da plataforma digital de participação para períodos eleitorais, decidiu-se adotar uma metodologia que considerasse o manifesto ágil (Agile Manifesto, 2001), isto é, que privilegiasse o desenvolvimento rápido e contínuo de software, gerido em períodos curtos, que aceitasse alterações de requisitos, mesmo

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numa fase tardia do ciclo de desenvolvimento (que abraçasse e potenciasse a mudança), e que promovesse a colaboração (Cockburn, 2006; Larman, 2004b). Para a implementação da primeira versão da plataforma, decidiu-se adotar a tecnologia FLEX (Gassner, 2008), para desenvolver uma Rich Internet Application (RIA);  Implementar uma solução tecnológica que servisse como prova de conceito do

modelo conceptual;

 Decidir o tipo de dados a recolher e os processos e métodos a utilizar para efetuar a recolha de dados. Planeou-se recolher dados qualitativos, provenientes da utilização dos métodos de recolha “diário de investigação” e “observação não participada” dos eventos de participação eletrónica, e dados quantitativos, oriundos das consultas à base de dados usada pela plataforma e da informação estatística gerada pela ferramenta Google Analytics (Google Analytics, 2012). O uso de um diário de investigação, ou notas de campo, como é por vezes designado, pode ser muito útil. Este método está a tornar-se muito popular entre os investigadores que recorrem à investigação-ação (Koshy, 2005). Foi usado para registar os eventos e acontecimentos importantes durante as observações ou situações especiais, como por exemplo o feedback dado por utilizadores da plataforma. O processo reflexivo envolvido na escrita do diário contribuiu para clarificar os sentimentos, os pensamentos e a evolução das ideias do investigador. A observação sistemática permitiu captar os principais aspetos do tema em estudo;

 Realizar experiências de utilização com a solução tecnológica implementada, de modo a efetuar a recolha de dados;

 Analisar e refletir sobre os resultados do projeto. Nesta fase, é importante discutir os resultados alcançados com outras pessoas relacionadas, de algum modo, com o tema em investigação.

Depois de elaborar a versão inicial do plano para o primeiro ciclo da investigação, passou-se à fase de ação, ou seja:

 Criou-se a versão preliminar do modelo conceptual de mediação digital para a participação pública direta em períodos eleitorais;

 Procedeu-se à modelação dos requisitos funcionais da solução tecnológica a desenvolver;

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 Implementou-se a primeira versão da plataforma de participação, uma RIA, de acordo com os requisitos funcionais.

É importante salientar que estes três passos não foram completamente independentes e sequenciais. Isto é, seguiu-se um processo iterativo, em que houve alguma sobreposição e, por vezes, foi necessário alterar o modelo conceptual e, mais frequentemente, o modelo funcional, em função da implementação da plataforma.

A fase de experimentação do primeiro ciclo de investigação-ação correspondeu à utilização, em cenário eleitoral real, da primeira versão da plataforma digital de participação e ocorreu durante a campanha eleitoral das Eleições Autárquicas e Legislativas de Portugal em 2009. Foram recolhidos dados qualitativos e quantitativos, através dos processos e métodos de recolha especificados na fase de planeamento.

Após a análise dos resultados e a observação da utilização da plataforma, refletiu-se e identificaram-se alguns obstáculos, isto é, aspetos que careciam de melhoria futura. Os problemas serviram de base para novas reflexões tendentes a contornar os obstáculos. As soluções adotadas refletiram-se essencialmente no desenvolvimento de pequenas alterações ou melhorias de uma versão e, em alguns casos, no desenvolvimento de novas versões da plataforma, sempre com o objetivo de tornar a plataforma mais estimulante para os atores participarem no debate eleitoral. Assim, na fase de reflexão do primeiro ciclo de investigação-ação, identificaram-se os seguintes obstáculos:

Problema 1 – A adoção da tecnologia FLEX levantou algumas dificuldades no acesso e na interação com a plataforma.

Problema 2 – Número excessivo de perguntas e de sugestões para os candidatos responderem e comentarem, respetivamente.

Problema 3 – Entrada de perguntas e sugestões duplicadas.

Após alguma reflexão, propuseram-se as seguintes soluções para os problemas identificados no primeiro ciclo de investigação-ação:

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Solução para o problema 1 – criar uma nova aplicação de raiz com uma interface mais próxima dos sítios Web convencionais.

Solução para o problema 2 – Criar um TOP de perguntas e sugestões da comunidade para os candidatos responderem e comentarem. O TOP representaria as perguntas e as sugestões mais votadas pelos cidadãos.

Solução para o problema 3 – Criar uma página onde aparecessem todos os utilizadores que manifestassem o seu apoio, através do voto, a uma pergunta ou sugestão, de modo a atribuir uma notoriedade idêntica à do utilizador que submeteu, por escrito, a pergunta ou sugestão.

Reconhecendo a crescente importância das redes sociais em linha para os cidadãos, decidiu-se ainda incluir na plataforma funcionalidades características das redes sociais, tais como perfil público do utilizador e seguir utilizador.

Assim, tomou-se a decisão de iniciar um segundo ciclo de investigação-ação. Resumidamente, reformulou-se o plano e implementou-se a versão dois da plataforma. A fase de experimentação do segundo ciclo de investigação-ação correspondeu à utilização, em cenário eleitoral real, da segunda versão da plataforma digital de participação e ocorreu durante a campanha eleitoral da Eleição do Bastonário da Ordem dos Médicos de Portugal em 2010. Foram novamente recolhidos dados qualitativos e quantitativos, através dos processos e métodos de recolha especificados na fase de planeamento.

Após a análise dos resultados e a observação da utilização da plataforma, refletiu-se e identificaram-se alguns aspetos que requeriam melhoria. Assim, na fase de reflexão do segundo ciclo de investigação-ação identificaram-se os seguintes obstáculos:

Problema 4 – Os candidatos não encaravam positivamente a colocação da sua foto no topo das grelhas que continham as perguntas e sugestões submetidas pelos membros da comunidade. Note-se que nessas grelhas ficava identificado se um determinado candidato tinha, ou não, respondido ou comentado cada pergunta ou sugestão. Os

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candidatos não consideraram suficiente a criação de TOPs de perguntas e de sugestões para eles responderem e comentarem.

Após alguma reflexão, propôs-se a seguinte solução para o problema encontrado no segundo ciclo de investigação-ação:

Solução para o problema 4 – Retirar a parte direita das grelhas das perguntas e sugestões, onde surgiam as fotografias dos candidatos, e a indicação se tinham respondido, ou não.

Como resultado da informação recolhida em conferências na área da participação e da governação eletrónica, do feedback fornecido pelo portal SAPO, e após alguma reflexão, decidiu-se incluir na plataforma duas novas áreas de participação. Uma destinada à criação de inquéritos à comunidade e outra dedicada ao agendamento e à realização de debates em direto.

Assim, tomou-se a decisão de iniciar um terceiro ciclo de investigação-ação. Sucintamente, reformulou-se o plano e implementou-se a versão três da plataforma. A fase de experimentação do terceiro ciclo de investigação-ação correspondeu à utilização, em cenário eleitoral real, da versão três da plataforma digital de participação e ocorreu durante a campanha eleitoral das Eleições Presidenciais de Portugal em 2011. Foram, de novo, recolhidos dados qualitativos e quantitativos, através dos processos e métodos de recolha especificados na fase de planeamento.

Após a análise dos resultados e a observação da utilização da plataforma, refletiu-se e identificaram-se alguns aspetos que precisavam de melhoria. Assim, na fase de reflexão do terceiro ciclo de investigação-ação identificaram-se os seguintes obstáculos:

Problema 5 – A plataforma apenas permitia realizar um evento de participação nas áreas de angariação de perguntas e de sugestões.

Problema 6 – Sentiu-se a necessidade de colocar constantemente novos desafios aos internautas.

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Após alguma reflexão, propuseram-se as seguintes soluções para os problemas identificados no terceiro ciclo de investigação-ação:

Solução para o problema 5 – Adicionar à plataforma funcionalidades características dos sistemas de gestão de conteúdos (CMS). Além de permitir a criação de vários eventos de participação em simultâneo, o editor deveria ter a oportunidade de, no backoffice da plataforma, redigir um pequeno texto para cada evento, onde, entre outras coisas, poderia indicar o tema subjacente à participação.

Solução para o problema 6 – Lançar constantemente na plataforma novos eventos de participação. A análise de resultados sugeriu que os internautas aparentavam ter alguma preferência por eventos de curta duração. Os utilizadores da Internet gostam de novidade! Admitiu-se que os novos desafios deviam ter uma duração reduzida. Assim, a solução para este problema passaria essencialmente por uma intervenção editorial mais dinâmica.

Após mais alguma reflexão, decidiu-se deixar a adoção do formato de grelha com paginador para visualizar as perguntas e as sugestões submetidas pelos cidadãos, e passar a usar o scroll e a opção “ver mais” para expandir a página, ao estilo das redes sociais Twitter e Facebook. Esta alteração levou à abolição da barra de temas que surgia no topo das páginas com grelhas de perguntas e sugestões das versões anteriores. Também se decidiu criar zonas de destaques de eventos e da contribuição dos cidadãos nas áreas da plataforma destinadas à recolha de perguntas e de sugestões. Decidiu-se ainda preparar a plataforma para a internacionalização.

Assim, tomou-se a decisão de iniciar um quarto ciclo de investigação-ação. Concisamente, reformulou-se o plano e implementou-se a versão quatro da plataforma. A fase de experimentação do quarto ciclo de investigação-ação correspondeu à utilização, em cenário eleitoral real, da versão quatro da plataforma digital de participação e ocorreu durante a campanha eleitoral das Eleições Legislativas de Portugal em 2011. Foram, de novo, recolhidos dados qualitativos e quantitativos, através dos processos e métodos de recolha especificados na fase de planeamento.

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Após a análise dos resultados e a observação da utilização da plataforma, refletiu-se e decidiu-se não efetuar mais um novo ciclo de investigação-ação, essencialmente por razões relacionadas com a restrição de tempo. Todavia, identificaram-se ainda alguns aspetos que requeriam melhoria, que são apresentados na conclusão desta tese como trabalho futuro. Espera-se que este projeto de investigação e desenvolvimento possa continuar a evoluir.

Convém referir que os resultados de cada um dos ciclos de investigação-ação foram sendo divulgados em conferências internacionais nas áreas dos sistemas de informação e da participação, da democracia e da governação eletrónica. No entanto, a apresentação global de todo o trabalho realizado neste projeto de investigação e desenvolvimento é apresentada no capítulo 8 desta tese.

Como se pode verificar, neste trabalho adotou-se um modelo cíclico de investigação- ação, baseado no modelo proposto por (Zuber-Skerritt, 1996b), composto por quatro fases: planear, agir, observar e refletir. Passar a um novo ciclo de investigação-ação, isto é, voltar a planear, agir, observar e refletir, e assim sucessivamente. No entanto, é importante destacar que as quatro fases não foram completamente independentes e sequenciais. Seguiu-se um processo iterativo, em que as fases se sobrepuseram algumas vezes, em função da aprendizagem proporcionada através da experiência e da reflexão contínua.

4.4 Resumo do capítulo

Neste capítulo, começou-se por apresentar a metodologia investigação-ação, recorrendo essencialmente a algumas definições, a modelos e à especificação de características encontradas na literatura. Com base nessas definições e características, fundamentou-se a escolha da investigação-ação como metodologia adequada para a realização do projeto descrito nesta tese.

Na outra parte deste capítulo, explanou-se o procedimento utilizado na realização da investigação. Descreveram-se as quatro fases levadas a cabo em cada um dos quatro ciclos de iteração do modelo de investigação-ação usado, nomeadamente o

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planeamento, a ação, a observação (das experiências realizadas), e a reflexão. Abordaram-se sucintamente os métodos utilizados para realizar a recolha de dados.

CAPÍTULO V – MODELO DE MEDIAÇÃO DIGITAL PARA A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA DIRETA EM PERÍODOS ELEITORAIS

141 5.1 Introdução

Neste capítulo, começa-se por identificar os principais intervenientes em campanhas eleitorais, para depois se apresentar uma proposta conceptual de modelo de mediação digital para a participação pública direta em períodos eleitorais. Apresenta-se a arquitetura funcional e os principais requisitos funcionais de uma aplicação Web, designada iLeger, que tem por base o modelo proposto.

Pretende-se contribuir para fomentar a participação da comunidade, em especial dos cidadãos, no debate eleitoral e para melhorar a comunicação entre os principais intervenientes de uma campanha eleitoral.