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CAPÍTULO I DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

1.3 Participação pública e cidadania

1.3.2 Níveis de participação

Para Arnstein, a participação pública é a redistribuição do poder que permite aos cidadãos participar na determinação de como a informação é compartilhada, os objetivos e as políticas são definidas, os fundos provenientes dos impostos são alocados, os programas são operacionalizados. Em suma, é o meio pelo qual os cidadãos podem provocar reformas sociais significativas que lhes permitam compartilhar os benefícios da sociedade (Arnstein, 1969).

No entanto, Arnstein alega que a participação sem redistribuição genuína de poder pode ser nefasta, pois, por um lado, pode transformar-se rapidamente num processo vazio e frustrante para os impotentes e, por outro lado, permite aos detentores do poder afirmar que todas as partes foram consideradas, embora apenas algumas dessas partes beneficiem. Arnstein propõe uma tipologia de oito níveis de participação que, para fins ilustrativos, são organizados em escada, onde cada degrau corresponde à amplitude do poder dos cidadãos no processo político (ver Figura 3).

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Figura 3 – Escada da participação dos cidadãos. Fonte: (Arnstein, 1969)

Sucintamente, para Arnstein os degraus do fundo da escada (1) Manipulação e (2) Terapia descrevem níveis de “não participação” que foram artificialmente inventados para substituir a participação genuína. De acordo com a autora, nestes dois níveis o objetivo real dos detentores do poder não é permitir que as pessoas participem no planeamento ou na realização de programas, mas “educar”, “curar”, ou mesmo “usar” os participantes para legitimar as suas opções, representando, assim, a distorção da participação num veículo de relações públicas.

Os degraus 3 e 4 progridem para níveis de “simbolismo”, que permitem aos cidadãos ouvir e ter uma voz: (3) Informar e (4) Consultar. Todavia, apesar de os cidadãos poderem realmente ouvir e ser ouvidos nestes níveis, não têm poder para garantir que as suas opiniões são atendidas pelos detentores do poder. Concretamente, segundo Arnstein, informar os cidadãos dos seus direitos, responsabilidades e opções pode ser o primeiro passo importante para a participação legítima dos cidadãos. No entanto, alega que frequentemente a ênfase é colocada num fluxo unidirecional de informação – dos políticos para os cidadãos – sem prever nenhum canal de feedback e nenhum poder de negociação. Nesse contexto, os cidadãos têm poucas oportunidades de “influenciar” a

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tomada de decisão. Por outro lado, auscultar as opiniões dos cidadãos, assim como informá-los, pode ser um passo em direção à sua participação plena. Todavia, de acordo com Arnstein, se a consulta não for combinada com outros modos de participação, este nível ainda é uma ilusão, uma vez que não oferece nenhuma garantia de que as preocupações e ideias dos cidadãos serão tidas em conta.

Por sua vez, segundo Arnstein, o nível (5) representa simplesmente um simbolismo, porque as regras do jogo permitem aos cidadãos emitir conselhos, mas continuam a guardar para os detentores do poder o direito de decidir.

No topo da escada estão os níveis de poder com graus crescentes de influência na tomada de decisão. De acordo com Arnstein, nestes níveis o poder é na verdade redistribuído por meio de negociação entre os cidadãos e os detentores do poder. Os cidadãos podem entrar numa parceria (6) que lhes permite negociar e participar em soluções de compromisso com os detentores do poder. Nos degraus superiores (7) Delegação de Poder e (8) Controlo dos Cidadãos, os cidadãos obtêm a maioria dos assentos de tomada de decisão ou pleno poder de gestão.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) refere, num dos seus relatórios, que a participação política democrática deve envolver os meios para ser informado, os mecanismos para tomar parte na tomada de decisão e a capacidade de contribuir e influenciar a agenda política. Especificamente, o relatório define os seguintes três níveis de participação (OECD, 2001):

i) Informação – um relacionamento unidirecional em que o governo produz e fornece informações para os cidadãos. Abrange tanto o acesso “passivo” dos cidadãos à informação, como as medidas “ativas” do governo para divulgar informações aos cidadãos. Exemplos incluem o acesso a registos públicos, diários oficiais, sítios Web ou portais governamentais, entre outros.

ii) Consulta – um relacionamento bidirecional em que os cidadãos fornecem feedback ao governo. Neste nível, os governantes estabelecem previamente os assuntos sobre os quais as opiniões dos cidadãos vão ser auscultadas, e facultam informações relevantes

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para a discussão. Exemplos incluem sondagens de opinião pública, comentários sobre os projetos legislativos, entre outros.

iii) Participação ativa – um relacionamento baseado numa parceria com o governo, em que os cidadãos participam ativamente no processo de elaboração de políticas. Neste nível, os governantes reconhecem o papel dos cidadãos para propor opções políticas e moldar o diálogo político, embora a responsabilidade da decisão final ou da formulação de políticas caiba ao governo. Exemplos incluem grupos comunitários envolvidos na tomada de decisão de âmbito local, petições públicas, entre outros.

A Figura 4 ilustra os três níveis de participação propostos pela OCDE, bem como o impacto no nível de envolvimento e influência dos cidadãos no processo político.

Figura 4 – Níveis de participação: Informação, consulta e participação ativa. Fonte (OECD, 2001)

Sucintamente, no nível “Informação” os cidadãos acedem passivamente à informação que lhes é disponibilizada de forma unidirecional, normalmente via sítios Web e documentos digitais. Na dimensão “Consulta”, o governo, ou as agências governamentais, define as questões e gere o processo e os cidadãos são estimulados a envolver-se e a contribuir com os seus pontos de vista sobre assuntos da governação. No nível “Participação Ativa” os cidadãos veem o seu poder fortalecido ao participar de forma ativa e independente nos processos de tomada de decisão da governação. Assim, as dimensões “Consulta” e “Participação Ativa” proporcionam uma comunicação bidirecional, enquanto na dimensão “Informação” a comunicação é feita de forma unidirecional.

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Mais recentemente, a Associação Internacional para a Participação Pública (International Association for Public Participation – IAP2) divulgou um espectro onde define cinco níveis de participação pública, designadamente (IAP2, 2007):

i) Informar – disponibilizar informação equilibrada e objetiva, de modo a auxiliar os cidadãos na compreensão do tema, de alternativas, oportunidades e/ou soluções.

ii) Consultar – auscultar a comunidade para obter o feedback dos cidadãos sobre a análise e a identificação de alternativas e/ou decisões.

iii) Envolver – trabalhar com o público durante todo o processo, de modo a garantir que as preocupações e aspirações dos cidadãos são consistentemente entendidas e consideradas.

iv) Colaborar – estabelecer parcerias com os cidadãos em cada aspeto da decisão, incluindo o desenvolvimento de alternativas e a identificação de soluções.

v) Empoderar (Empower) – colocar a decisão final nas mãos do público.

No espectro da IAP2 refere-se ainda que no primeiro nível, “Informar”, os governantes anunciam aos cidadãos que os vão manter informados. No segundo nível, “Consultar”, declaram que, além de os informar, vão ouvir as suas preocupações e aspirações, e que vão fornecer feedback sobre a forma como as contribuições dos cidadãos influenciaram a decisão. No terceiro nível, “Envolver”, os governantes anunciam ainda que vão trabalhar com os cidadãos para garantir que as suas preocupações e aspirações são refletidas diretamente nas alternativas desenvolvidas e que vão fornecer feedback sobre a forma como as contribuições dos cidadãos influenciaram a decisão. No quarto nível, “Colaborar”, os governantes declaram aos cidadãos que vão procurar os seus conselhos e inovações para a formulação de soluções e que vão, dentro do possível, integrar esses conselhos e recomendações nas decisões. Finalmente, no quinto nível, “Empoderar”, os governantes anunciam que vão implementar o que os cidadãos decidirem.

É, no entanto, importante notar que a participação deve ter por base o interesse, o conhecimento e a capacidade efetiva dos cidadãos para a consideração das questões políticas. Segundo Henrik Bang, capacitar os cidadãos para cogovernar (empower) tornou-se uma estratégia-chave de governança, porque “a menos que eles estejam preparados para assumir a responsabilidade e participar ativamente na resolução dos

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seus próprios problemas quotidianos, o sistema fica com poucas hipóteses de ser capaz de satisfazer as suas necessidades e interesses” (Bang, 2003). De acordo com (Lourenço et al., 2008), citando Giovanni Sartori, cada aumento do poder atribuído ao povo deve ser acompanhado de um incremento da competência cognitiva política do povo. Caso contrário, a atribuição de uma maior capacidade de participação e de influência ao povo poderá revelar-se mais prejudicial à democracia do que, propriamente, benéfica (Sartori, 2000). Uma vez que também se partilha desta opinião, considera-se que um requisito essencial de qualquer iniciativa de participação pública (eletrónica ou face-a-face) passa pela disponibilização prévia, aos vários atores, de um conjunto de informação relacionada com os temas em discussão, e, preferencialmente, abrangendo diferentes perspetivas.