• Nenhum resultado encontrado

5 FIGURAÇÕES ESCOLARES DE PERNAMBUCO

5.1 Características e Gestão das Figurações: duas escolas e dois mundos distintos em

5.1.1 Figuração Alfa

Investigadores que realizam pesquisa de campo costumam conhecer as dificuldades encontradas no percurso para a produção de dados. Dentre outros desafios, destaca-se a dificuldade em tornar-se familiarizado com novos lugares, informações e informantes, mas, principalmente, em conseguir ser aceito pela comunidade. Na Figuração Alfa, por exemplo, houve forte resistência no início da observação, mas ela foi sendo gradativamente superada.

Em nosso primeiro contato com a gestora da figuração, percebemos o incômodo decorrente da presença de um investigador externo em seu ambiente de trabalho, tanto que ela preferiu agendar uma reunião conosco para o dia seguinte. No horário marcado, a gestora nos levou à coordenadora administrativa para que, após respondermos uma série de perguntas, conseguíssemos ser aceitos na figuração.

Depois de alguns dias da primeira visita, a Figuração Alfa passou a apresentar-se de maneira tão acolhedora, que nos suscitou a vontade de voltar a frequentá-la. Essa impressão ficou mais nítida quando, em uma das visitas, identificamos um grupo de ex-alunos que insistiram para entrar na figuração e reencontrarem colegas e ex-professores. Questionada se eram recorrentes episódios como aquele, a coordenadora respondeu afirmativamente, deixando transparecer um misto de orgulho, mas também de cansaço, já que tal prática era um trabalho a mais para ela (Notas de Campo, 05.03.2015).

Voltando a discorrer sobre o primeiro dia de visita, destacamos um dos trechos de fala da diretora. Apresentados os objetivos, a metodologia e o tema de nosso estudo, a gestora não só concordou com a realização da pesquisa como revelou que também tinha interesse em conhecer os seus resultados, chegando a afirmar: “Eu também quero saber onde estou errando” (Notas de Campo, 05.03.2015).

Nas visitas seguintes, mesmo que acompanhados da coordenadora, notávamos o estranhamento dos membros da figuração em relação à nossa presença. Como fomos levados a conhecer todas as salas de aula e laboratórios, tivemos acesso ao cotidiano escolar de maneira plena. Foi possível observar, por exemplo, que em todas as salas os alunos se encontravam muito agitados e havia muito barulho. Todavia, essa agitação não parecia preocupar os professores, nem mesmo a coordenadora que os visitava.

Parecia-nos mais um tipo de desordem organizada, na qual os alunos (jovens) liberavam as energias em atividades pedagógicas que envolviam criatividade, comunicação e

liberdade ergonômica, do que algum tipo de desorganização pedagógica. Percebemos que muito dessa prática se dá pelo formato das salas. As cadeiras, mesmo que individuais, são dispostas umas ao lado das outras, formando um semicírculo diante do quadro e do professor. Tal exemplo se enquadra naquilo que Canário (2005) apresenta sobre a inovação e gestão (simbólica) dos recursos educativos. Podemos observar que os recursos materiais representados pelas cadeiras foram dispostos de forma que os alunos pudessem observar não apenas o professor e o quadro como também os demais colegas e espaços da sala.

Nesse sentido, os recursos humanos também estão sendo geridos de forma simbólica, uma vez que a energia e agitação estão sendo utilizadas em prol de atividades de organização de grupos, criatividade e debate, exemplo de uma excitação organizada19. Esse e outros exemplos permeiam o dia a dia e a diferença de gestão dos recursos educativos entre as figurações do campo pernambucano, como poderemos conferir em seguida.

5.1.2 Figuração Beta

A nossa experiência junto à Figuração Beta foi caracterizada pela dificuldade em encontrar algum padrão de regularidade nas suas atividades e de seus integrantes, como a dificuldade em conseguir agendar horários de visitas, entrevistas e preenchimento de questionários. Esse cotidiano escolar fragmentado nos remeteu às considerações de Paro (2006) que dizem respeito a como essa fragmentação e desorganização dentro do espaço educacional prejudicam todas as atividades.

Desde que conseguimos a autorização para pesquisa de campo junto à Secretaria de Educação, passamos a tentar contato com as figurações por meio de telefone, porém, no caso da Figuração Beta, o telefone apenas chamava ou dava sinal de ocupado. Insistimos por uma tarde inteira, sendo atendidos apenas às 17h. A funcionária que falou conosco sugeriu que ligássemos até às 8h da manhã do dia seguinte, pois seria provável não encontrar a diretora depois desse horário, já que era comum ela ter reuniões na GRE [(Gerência Regional de Educação), Notas de Campo, 06.03.2015].

19

Elias e Dunning (1985) classificam a busca por essa forma de excitação como alternativa que permita aos indivíduos o alcance de suas necessidades de forma prazerosa frente a sociedades cada vez mais regulamentadas por normas, regras e valores, sem que, por isso, se promova violência e desordem.

Essa informação, além de nos deixar surpresos com a naturalização da constante ausência da diretora, tornou-se prática corriqueira e era justificativa dada para aqueles que procuravam por ela. Diante de tanta espera e falta de informações mais precisas, resolvemos visitar a escola pessoalmente, sem agendamento.

Com a visita, comprovamos o que já havíamos suposto: o cotidiano de atividades da Figuração Beta era demasiado fragmentado e pouco acolhedor. Para darmos uma ideia disso, destacamos que, durante toda a nossa pesquisa, nunca nos foi ofertado um copo com água sequer, o que nos permite supor que esse ambiente pouco acolhedor também se estende a todos que convivem com ele.

Além de nunca termos recebido um copo com água, também nunca conseguimos um local no qual pudéssemos sentar e fazer nossas anotações no caderno de campo. Todas as entrevistas ocorreram de improviso nos corredores. No dia em que entrevistamos o vigilante, por exemplo, sentamos em um banco quebrado ao lado dele. Desse local, pudemos observar que todos os visitantes (pais, geralmente) que se aproximavam do portão ouviam um grito que partia do vigilante: “quer falar com quem?” (Notas de Campo, 24.04.2015).

Diante dessa realidade, consideramos que um lugar mais adequado para realizar as anotações e organizar nosso material de pesquisa poderia ser a sala de leitura ou biblioteca, porém várias foram as vezes nas quais encontramos esse espaço fechado. O discurso que passou a predominar na Figuração Beta foi o de que, em nome da segurança, fazia-se necessário trancar todas as salas e a própria escola.

Outro discurso que se apresentou predominante, mesmo que também contraditório, foi o de que a escola é boa porque a diretora é rígida. Com base nas informações coletadas, percebemos que a propagação desse discurso, em muito, se dá pelo tempo de trabalho da diretora naquela figuração – cerca de 20 anos. Dessa maneira, apesar de ausente, ela continua a desfrutar de uma boa avaliação por parte da equipe.

Como já trabalha ali há muito tempo, a diretora certamente conseguiu forjar uma cultura organizacional em que impera o controle e a rigidez. Dessa maneira, ela passou a contar com a aprovação da comunidade escolar que a elegeu como diretora e possibilitou-lhe identificar as principais características da escola em prol da centralização da sua gestão, e não no sentido de corrigi-las ou potencializá-las.

Na primeira visita à figuração, a diretora fez questão de apresentar todos os espaços internos. Enquanto caminhávamos, pudemos perceber que ela conseguia se impor por meio de olhares e palavras ameaçadoras dirigidas aos alunos que eram surpreendidos “matando” aula pelos corredores. Diante desse clima de medo e repressão, as grades de ferro que se

encontram desde a entrada da figuração (são três em sequência) fazem mais sentido, assim como as que se encontram em espaços que deveriam ter o aceso facilitado, a exemplo da sala de leitura e biblioteca.

Muito mais do que uma diretora, que poderia ser vista pelo seu caráter profissional e pedagógico, a da Figuração Beta se coloca como uma delegada ou general que impõe o medo e o autoritarismo, e não o respeito e a autoridade que o seu cargo demanda. Essa interpretação pode ser comprovada pela frequente ida de alunos à sala das coordenações, seja porque tinham sido retirados das salas pelos professores, seja porque se queixavam de dores e mal- estar.

Antes de chegarem à sala das coordenações, era comum que os alunos se demorassem no portão de entrada da figuração a olharem para a rua no afã de poderem sair daquele espaço pouco acolhedor. Aos que demoravam pouco mais naquele anseio por liberdade eram destinados gritos que partiam de vários lugares da figuração e de vários funcionários. Esses gritos basicamente repetiam: “Vamos para sala, meninos!” (Notas de Campo, 27.04.2015).

Em comparação com a Figuração Alfa, nunca vimos alunos contemplando o mundo do lado de fora dos portões escolares. De maneira contrária, por várias vezes, notamos os coordenadores limitando a entrada de ex-alunos que queriam matar a saudade e voltar a conviver com aquele ambiente.

Essas diferenças indicam a existência de particularidades que serão destacadas a partir dos seguintes indicadores: 1) Perfil Socioprofissional dos Atores; 2) Relações Socioprofissionais; 3) Relação entre Escola-Comunidade; 4) Percepção de Participação na Gestão; 5) Percepção de Autonomia Profissional e; 6) Influência da Estrutura Física.

A construção desses indicadores levou em conta não apenas os argumentos de Elias sobre a importância de se iluminar o caminho histórico-processual que envolve os indivíduos e as organizações como também os de Schein, para quem as características das culturas organizacionais são expressas em termos de artefatos, valores e normas, e assunções básicas. Uma vez apresentados os dados produzidos a partir desses indicadores, iremos analisá-los à luz das concepções de Paro e Canário sobre gestão democrática e gestão (simbólica) dos recursos educativos, tal qual indicamos no capítulo anterior.