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5 FIGURAÇÕES ESCOLARES DE PERNAMBUCO

5.4 Relação Escola-Comunidade

A elaboração do terceiro indicador recebeu a influência conjunta das concepções de Schein e de Elias. Procuramos compreender como a relação entre os profisssionais da escolas e os membros da comunidade escolar é dinamizada, considerando que ela pode ser incentivada por meio de normas e valores (segundo nível da cultura organizacional) voltados à gestão democrática e expressos, por exemplo, nos projetos pedagógicos mas que, ao mesmo tempo, pode ser dinamizada de maneira particular por cada cultura organizacional, dependendo dos processos sócio-históricos pelos quais os indivíduos e a organização escolar passaram.

Já vimos que um dos princípios de uma gestão democrática da educação é promover a participação contínua dos profissionais e membros da comunidade escolar. Nesse sentido, analisaremos dados que nos ajudarão a entender como a relação entre escola e comunidade é dinamizada pelos profissionais das duas figurações. De início, questionamos se as decisões acordadas nas reuniões do Conselho Escolar eram colocadas em prática.

Tabela 7: Com qual frequência as decisões do Conselho Escolar são colocadas em prática? Fig. Alfa Percent Cumulative Percent Valid FREQUENTEMENTE 62,5 62,5 SEMPRE 37,5 100,0 Total 100,0

Fonte: Questionários da Pesquisa de Campo

Todos os profissionais da Figuração Alfa afirmam que as decisões tomadas nas reuniões do Conselho Escolar são colocadas em prática frequentemente ou sempre. Contribui para essa avaliação unânime não só a predisposição da gestora da figuração em praticar uma gestão democrática como também o conteúdo do projeto pedagógico da figuração (normas e valores).

Apresentaremos a análise desse conteúdo no sexto capítulo, contudo cabe adiantar que nele podem ser encontrados itens que fazem referência à importância do conselho escolar como princípio para o desenvolvimento de uma gestão democrática da educação. Além disso, na entrevista que realizamos com a gestora da figuração, ela nos narrou um pouco dos acontecimentos que anteciparam a chegada dela à figuração.

Quando eu comecei a trabalhar aqui em Recife, eu trabalhei com escola, ensino infantil, jardim 2, na verdade. Em seguida passei a trabalhar com alfabetização lá na Encruzilhada. Aí, eu comecei a ver o comportamento da criança, do indivíduo, de como eles trabalhavam com os códigos. Aí, eu queria mais desafios! Aí foi quando entrei no Estado, no ensino fundamental. Aí, trabalhei com crianças com deficiência mental. Depois peguei ensino fundamental e depois fui pro ensino médio. Então peguei assim, sustentação, musculatura pra chegar à função que cheguei. Aí, essa coisa de sempre estar pensando no outro, de estar junto dos professores, dos funcionários, das pessoas, eu fui aprimorando desde sempre porque já era uma coisa minha, mas depois eu fiz um curso de pós-graduação em gestão lá em Curitiba (Diretora, Entrevista, 20.04.205).

Do processo histórico-social narrado por ela, destacamos não só o fato de ela ter realizado cursos voltados a práticas de gestão democrática como também de se identificar com essa concepção de gestão.

Tabela 8: Com qual frequência as decisões do Conselho Escolar são colocadas em prática? Fig. Beta Percent Cumulative Percent Valid NENHUMA 11,5 11,5 RARAMENTE 7,7 19,2 FREQUENTEMENTE 53,8 73,1 SEMPRE 26,9 100,0 Total 100,0

Fonte: Questionários da Pesquisa de Campo

Embora os dados da Figuração Beta indiquem que a maioria dos entrevistados acredita que frequentemente ou sempre as decisões do Conselho Escolar são colocadas em prática, podemos observar que, diferentemente da figuração anterior, cerca de 20% dos entrevistados da Figuração Beta afirmam que essas decisões nunca ou raramente são colocadas em prática.

Vale lembrar que essa figuração tem poucos profissionais com pós-graduação, sendo esse também o caso da diretora. Em um dos poucos momentos em que a encontramos na figuração, ela nos relatou que não havia feito cursos na área de gestão, inclusive, aqueles oferecidos pela Secretaria de Educação do Estado.

Confusos com a informação, perguntamos se o curso não era obrigatório a todos os diretores eleitos, mas ela nos lembrou que a eleição dela havia ocorrido há 17 anos (Notas de Campo, 12.05.2015). Além desse processo histórico-social que envolve a diretora da Figuração Beta, destacamos que a análise de conteúdo do projeto pedagógico (segundo nível)

nos indica não haver qualquer referência à importância que deve ter o conselho escolar em uma gestão democrática, conforme poderemos conferir no capítulo 6.

Com base em nossas observações, percebemos que, na Figuração Alfa, não é difícil encontrarmos os professores conversando ou descansando nas áreas comuns. Eles não parecem incomodados ou intimidados com a presença dos alunos, tampouco com outros funcionários, sendo comum perceber momentos de diversão entre eles.

Já na Figuração Beta, os professores parecem refugiados dentro daquele espaço climatizado e de portas fechadas, conhecido como sala dos professores. Como já ressaltamos, assim que terminam suas aulas e a sirene toca, os professores que não têm aulas na sequência se apressam e isolam-se na sala dos professores, evitando qualquer interação com os alunos e outros funcionários.

Obviamente que não negligenciamos a importância do momento de repouso e preparação das atividades de que necessita qualquer professor, contudo alertamos para o fato de que os valores que caracterizam o entendimento sobre quais devem ser as responsabilidades dos professores, aliada ao ambiente pouco acolhedor da Figuração Beta, terminam por limitar o desenvolvimento de estratégias que aprimorem as relações entre escola e comunidade.

Como exemplo de estratégia de gestão que pode ser desenvolvida em prol do aperfeiçoamento dessa relação, destacamos uma que foi implementada na Figuração Alfa. Em uma das visitas ao campo, tiramos algumas fotos de alunos em atividades lúdicas que se encontravam à mostra logo na entrada da figuração e eram expostas em um mural que inclui os valores e filosofia da escola.

Questionada sobre seu significado, a gestora explicou que aquela era a forma de lembrar que a cultura da escola foi acordada no Conselho Escolar e destacou que ela é aplicada nos três primeiros dias de aula, quando é feito um trabalho específico de socialização com os alunos. Segundo ela, isso se dá porque os alunos dos primeiros anos costumam ser os que causam mais problemas na figuração, mas que, a partir do desenvolvimento dessa estratégia, eles passam a acostumar-se com os valores da cultura da escola e não o contrário.

Os alunos não querem se acostumar com o ambiente daqui, com o tempo integral, com o trabalho de jogos. E agora não querem mais ouvir a vontade dos pais. Então, a gente faz esse trabalho para evitar que eles tragam os vícios de outras escolas. Nós adotamos a lógica transdisciplinar para que os alunos tenham autonomia e saibam resolver conflitos. Todas as turmas de 1º ano são recebidas por monitores do 2º ano. Assim, eles são responsáveis não só por eles mesmos, mas também pelos outros (Entrevista, Diretora, 28.05.2015).

Além dessa estratégia, a gestora ilustrou outra definida em reunião do conselho. A adoção de salas temáticas havia sido implementada naquele mesmo ano (quando realizamos a pesquisa) e essa estratégia foi introduzida porque o número de alunos e de turmas havia aumentado, mas não o número de sala. Segundo seu relato, apesar do receio da equipe pedagógica, os alunos se adaptaram muito bem. Ela destacou que a possibilidade de mudança foi discutida em reunião do Conselho Escolar e a responsabilidade sobre os impactos da ação foi dividida com os alunos.

O envolvimento e protagonismo dado à comunidade escolar é um valor comum na Figuração Alfa também no tocante à organização de eventos. Um exemplo disso foi a Festa de São João, cuja organização ficara sob a responsabilidade das turmas de 3º ano. Constatamos que, embora a festa fosse fiscalizada pelos coordenadores, a sua organização ficou a cargo dos alunos, conforme definido em reunião do Conselho Escolar.

Na medida em que registrávamos fotos da decoração, fogueira (de papel) e outros detalhes de uma festa junina, percebemos que, no auditório, estava sendo preparado um ambiente de festa composto por música eletrônica e pouca luz, aos moldes de uma boate ou casa de show noturna. Percebendo a nossa surpresa diante daquele ambiente na escola, a coordenadora explicou que aquilo era uma exigência dos alunos, pois, segundo ela, eles disseram: “Fazemos a festa tradicional, mas também queremos uma moderna” (Notas de Campo, 11.06.2015).

No nosso entender, tal iniciativa indica que os alunos da Figuração Alfa se sentem no direito de exigir ou ao menos solicitar uma festa aos moldes que lhes agrade porque se veem como protagonistas do processo, pois eles são os principais organizadores do evento. Os valores e normas passados às turmas e representantes indicam divisão de responsabilidades e colocam os alunos como protagonistas da comunidade escolar, fazendo-os se preocuparem em realizar o evento da melhor maneira possível. Dessa maneira, os professores e coordenadores não ficam sobrecarregados com mais uma atribuição em suas atividades e a figuração passa a ter uma festa com o caráter de socialização e confraternização que ela deve ter.

Como não percebemos qualquer tipo de movimentação para as festas juninas na Figuração Beta, perguntamos a alguns professores e alunos se havia algo marcado para comemorar o período junino. Todos responderam que não haveria festa ou não souberam responder. A única indicação de um clima de festas juninas foi encontrada próxima à entrada da sala de leitura sob a forma de um mural com fotos nas quais alguns alunos estavam vestidos com roupas típicas da época. Todavia, para a nossa surpresa, as fotos se referiam a alunos e turmas que já haviam passado pela figuração.

Constatamos que, na Figuração Beta, não foram desenvolvidos valores que enxergassem na realização de uma festa junina uma oportunidade de também incrementar as relações entre escola e comunidade a partir da tradicional festa que se aproximava. A alegação de uma coordenadora foi a de que o calendário de atividades estava muito apertado por conta das reposições de aula decorrentes do período de greve, o que pareceu mais uma forma de culpar os professores por atrasarem o calendário acadêmico do que uma justificativa plausível.

Recursos materiais não faltavam a essa figuração para que ela realizasse a festa, já que conta, dentre outros elementos, com uma boa quadra esportiva e um grande pátio na frente da escola. Observando-os, chegamos até mesmo a visualizar a forma como os alunos poderiam decorar aqueles espaços e fazer a tradicional festa junina, com quadrilha, quiosques, quitutes etc. e, principalmente, aprimorar a integração da comunidade escolar.

Na verdade, nunca encontramos um professor sequer circulando pela quadra ou pátio da Figuração Beta durante toda a nossa pesquisa de campo, que se estendeu por seis meses. Eles estavam sempre em sala de aula ou na sala dos professores, ansiosos pelo toque de largada. Com a obrigação da reposição de aulas em decorrência da greve, essa ânsia em sair da escola e voltar para casa tornou-se ainda maior. Essa observação reforça a visão de que o ambiente não se caracterizava pelo acolhimento, conforme constatamos com o segundo indicador (RSP).

Nesse ciclo de fragmentação do cotidiano, datas relevantes que remontam à cultura local e poderiam ser usadas como elementos simbólicos de integração, dentre outras possibilidades pedagógicas, são desperdiçadas. Perguntamo-nos, inclusive, se a Figuração Beta aceitaria a combinação entre festa tradicional e moderna proposta pelos alunos, a exemplo do que ocorrera na Figuração Alfa.

Aliás, um acontecimento evidencia o distanciamento entre escola e comunidade na Figuração Beta. A mídia local havia veiculado um vídeo que mostrava a briga entre adolescentes do lado de fora da figuração. Ao nos aproximarmos da Figuração Beta, sem agendamento prévio, observamos a presença de alguns pais de alunos entrando e saindo da escola. A razão dessa movimentação foi a preocupação desses pais em buscar informações sobre seus filhos.

Ao entrarmos e encontrarmos com a diretora que há tempo não víamos naquela figuração, perguntamos se ela estava ciente do ocorrido e que medida havia sido tomada. Rapidamente, a diretora destacou que estava tranquila e orgulhosa por não ter aluno envolvido com a briga. A mesma reação foi apresentada por uma das coordenadoras que afirmou: “Ah, mas isso não foi aqui, não! Foi lá no (nome de outra escola)” (Notas de Campo, 17.03.2015).

Essa forma de distinguir uma figuração da outra nos parece um valor problemático expresso na cultura organizacional, porque ambas são públicas e administradas pelo Estado, e isso também nos remete a outra experiência no campo. Notamos que os profissionais de cada figuração fazem referência às outras unidades escolares como algo distinto e distante das suas realidades ou obrigações, mesmo quando todas elas se encontram em uma mesma rede.

Observamos também que, diante de um intenso sistema de avaliação de desempenho e da cobrança da sociedade e da comunidade escolar sobre suas atividades, os profissionais da educação não se veem como parte de um sistema educacional como um todo. Pelo contrário, procuram distinguir-se das demais unidades escolares da rede por meio de adjetivos positivos ou negativos que lhes sejam pertinentes usar na comparação entre elas.