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5 FIGURAÇÕES ESCOLARES DE PERNAMBUCO

5.7 Influência da Estrutura Física

Esse último indicador de análise foi elaborado com base no primeiro nível da cultura organizacional apresentado por Schein, o nível de artefatos (estrutura física, uniformes, comemorações), composto por elementos que são visíveis na organização. Nesse caso, procuramos compreender a influência que os artefatos exercem sobre a organização escolar – influência, muitas vezes, negligenciada pelos atores que compõem e administram as organizações.

A importância que damos à influência da estrutura física sobre a constituição das culturas organizacionais parte da consideração de que a imagem clássica de escola ainda tem por característica a necessidade de manter os indivíduos que a compõem em convívio num mesmo espaço físico.

Contudo, dependendo da forma como esse espaço é constituído em termos de estrutura física, ele pode influenciar as relações socioprofissionais. Ainda assim, há profissionais que

percebem tal influência, mas, por serem partícipes de uma sociedade pautada no consumo e na obsolescência planejada, limitam sua análise ao senso comum, segundo o qual a falta de recursos materiais, novos ou de última geração, prejudica o desempenho dos profissionais da educação.

Nesse sentido, Rui Canário (2005) nos alerta para o fato de que, em se tratando das organizações escolares, os recursos humanos e materiais carecem de uma melhor gestão. Pesquisador do tema em campos educacionais distintos, Canário lembra que, ao visitar e pesquisar escolas francesas, várias foram as vezes nas quais, ao mesmo tempo em que se admirava com a oferta de recursos educativos naquelas organizações escolares, ele ouvia o pedido de desculpas dos gestores devido à subentendida simplicidade com a qual ele acabara de se deparar.

Para o pesquisador, os parâmetros com os quais muitos indivíduos são levados a conviver bem como o recorrente discurso da escassez de recursos no campo educacional levam os profissionais desse campo a não reconhecerem aquilo de que dispõem. Nesse sentido, questionamos aos profissionais das duas figurações se eles consideram o tamanho disponível das salas de aulas e de trabalho (sala dos professores, de leitura, laboratórios etc.).

Tabela 15: Como você considera o tamanho das salas de trabalho e salas de aula? Fig. Alfa Percent Cumulative Percent Valid RAZOÁVEL 9,3 9,3 ADEQUADO 90,7 100,0 Total 100,0

Fonte: Questionários da Pesquisa de Campo

Os dados da tabela acima indicam que todos os entrevistados da Figuração Alfa entendem que o tamanho disponibilizado para as salas de aula e de trabalho são razoáveis (9,3%) ou adequados (90,7%). Agora, iremos analisar a opinião dos profissionais sobre os demais recursos materiais disponibilizados para o trabalho nessa Figuração.

Tabela 16: Como você considera os recursos materiais disponibilizados para o trabalho? Fig. Alfa Percent Cumulative Percent Valid INSUFICIENTE 8,3 8,3 RAZOÁVEL 23,9 32,2 ADEQUADO 67,8 100,0 Total 100,0

Fonte: Questionários da Pesquisa de Campo

Chamamos atenção para o fato de que 91,7% dos entrevistados consideram a disponibilidade, na Figuração Alfa, dos recursos materiais razoável ou adequada. Além disso, apenas 8,3% dos profissionais selecionaram a opção “insuficiente”. Isso indica a satisfação da maioria com os recursos materiais disponibilizados enquanto instrumentos que influenciam o bom desempenho de suas funções.

Tabela 17: Como você considera o tamanho das salas de trabalho e salas de aula? Fig. Beta Percent Cumulative Percent Valid INSUFICIENTE 26,9 26,9 RAZOÁVEL 46,2 73,1 ADEQUADO 26,9 100,0 Total 100,0

Fonte: Questionários da Pesquisa de Campo

No caso da Figuração Beta, a maioria dos profissionais considera que o tamanho disponibilizado para as salas de aula e de trabalho é razoável (46,2%) ou adequado (26,9%). Porém, 26,9% dos entrevistados o consideram insuficiente. Impressão semelhante ocorre na análise da tabela sobre a disponibilidade de outros recursos materiais.

Tabela 18: Como você considera os recursos materiais disponibilizados para o trabalho? Fig. Beta Percent Cumulative Percent Valid INSUFICIENTE 34,6 34,6 RAZOÁVEL 42,3 76,9 ADEQUADO 23,1 100,0 Total 100,0

Fonte: Questionários da Pesquisa de Campo

A tabela acima nos indica que 34,6% dos profissionais entrevistados na Figuração Beta consideram insuficientes os recursos materiais disponibilizados para a realização de suas funções, enquanto 42,3% julgam essa disponibilização razoável e 23,1%, adequada.

Aliando os dados a nossas observações de campo, percebemos que um dos recursos materiais mais realçados em organizações escolares que funcionam em regime de tempo integral é a forma de utilização do refeitório. Nesse sentido, agendamos com as coordenações

das duas figurações para que pudéssemos estar presentes no momento do intervalo, quando o almoço fosse servido.

Ao encontrarmos a coordenadora da Figuração Alfa, ela nos informou que aquele seria um dia bom para fazer pesquisa na hora do almoço, já que essa refeição coincidiria com o fato de os alunos das turmas (de 3º ano) praticarem um tipo prenda (artefato de comemoração). A prenda consistia em os alunos poderem se fantasiar de super-heróis e “pagar mico” na frente das outras turmas.

Observando esse episódio, percebemos a motivação e o envolvimento dos estudantes, já que eles podiam sair um pouco da rotina de aulas e aquele dia era uma sexta-feira, comumente associada ao encerramento das atividades semanais obrigatórias e início de um fim de semana comemorativo.

Enquanto aguardávamos o início da hora do almoço, vimos que as refeições eram servidas pela mesma empresa terceirizada que entregava os produtos na Figuração Beta, mas que, diferentemente daquela figuração, na Figuração Alfa as refeições eram entregues pela parte de trás da escola. Essa observação nos remeteu à prática equivocada da Figuração Beta, pois a chegada dos alimentos e o manuseio dos recipientes aconteciam por dentro dos corredores da escola, ou seja, por entre as salas de aula.

Essa forma de gestão da entrega das refeições na Figuração Beta nos fez atentar para o fato de que, em se tratando da energia acumulada de crianças e adolescentes e da proximidade à hora do almoço, a visibilidade dada à chegada da comida terminava causando uma agitação descontrolada na figuração. A ansiedade dos alunos próxima à hora do almoço, e porque não dos professores, aumenta quando se via e sentia-se o cheiro das refeições, levando à desconcentração nas salas de aula.

Diferentemente da Figuração Beta, faltavam apenas cinco minutos para o intervalo do almoço e não víamos qualquer sinal de agitação na Figuração Alfa por conta disso. Na verdade, o fato de os alunos do 3º ano estarem fantasiados colaborou para que tanto eles como os outros desviassem em parte a atenção para aquela refeição.

Não há como negar que, com o toque para o almoço, a Figuração Alfa ficou bem mais agitada. Muitos alunos se dirigiram para a fila, correndo e apressados. Porém, o rodízio feito entre eles para definir a ordem de entrada no refeitório parecia ter mais sentido. Os que correram, assim o fizeram apenas porque faziam parte das turmas eleitas como prioritárias naquele dia, pois havia sido definida uma escala de turmas que teria prioridade de entrada a cada dia da semana e, possivelmente, dos demais meses.

Diferentemente da outra figuração, os alunos da Figuração Alfa não correm para a fila se não fizerem parte das turmas prioritárias do dia, mas para as várias outras partes e atividades da escola que aconteciam de maneira concomitante ao almoço e ocupavam o tempo daqueles que deviam esperar. Exemplo disso era o pátio ocupado com jogos de tabuleiro, os alunos fantasiados e as músicas que tocavam por escolha dos próprios jovens – prática também organizada em um sistema de rodízio de turmas que se caracteriza como outro exemplo de excitação organizada (ELIAS e DUNNING, 1985).

A autonomia desenvolvida entre os alunos por meio da gestão simbólica de recursos humanos e materiais é tanta, que alguns deles deixam para almoçar no fim do intervalo, sem o temor de ficarem sem comida. Porém, como bem alertou a coordenadora, “cabe a eles desenvolverem a autonomia e gestão do tempo” (Notas de Campo, 17.04.2015).

Aliado a isso, outro exemplo de gestão simbólica da estrutura física é a forma como algumas das paredes do refeitório foram trocadas e hoje são de vidro. Assim, os alunos podem, mesmo do lado de fora, ter algum controle sobre o fluxo de entrada, saída e manutenção de colegas dentro do espaço, cabendo a eles definir o melhor momento para se dirigirem ao local e almoçarem.

Mais interessante foi o fato de, naquele dia de observação da hora do almoço, a diretora da Figuração alfa não se encontrar presente e, ainda assim, não se sentir a ausência dela na Figuração Alfa, mesmo sendo esse um momento tão desafiador para a gestão escolar.

Como já destacamos no início deste tópico, Rui Canário construiu suas pesquisas conhecendo diferentes campos educacionais e escolas. Ao visitar escolas francesas, por exemplo, Canário confessa ter ficado admirado com a qualidade dos recursos educativos presentes nelas. Todavia, para a surpresa dele, sempre que deixava as escolas, ouvia dos diretores pedidos de desculpas por terem apresentado escolas tão simples e comuns.

Dessas experiências, Canário constata que os padrões de vida e modelos educacionais com os quais muitos indivíduos convivem fazem os profissionais não se satisfazerem com os recursos educativos dos quais dispõem. A partir dessa experiência, lembramo-nos de uma de nossas visitas à Figuração Beta.

Já havíamos percebido que nela havia uma quadra poliesportiva de bom tamanho, com equipamentos que permitiam a prática de esportes, bancos de concreto que serviam de arquibancada e uma grade de proteção. Porém, outras visitas nos fizeram perceber quanto a quadra, com todo esse potencial, era pouco utilizada pelos alunos e educadores. Ao questionarmos a diretora da Figuração Beta o que ela achava dessa constatação, ela justificou que o pouco uso dos alunos se dava por conta do sol forte e do calor. Segundo ela, ainda não

se havia conseguido aprovar um projeto de cobertura para a quadra, orçado em cerca de cem mil reais.

Admirados com os valores, questionamos se não seria possível plantar árvores de grande porte no entorno da quadra e, assim, além de promover sombras, também se conseguir desenvolver projeto interdisciplinar com alunos e professores que tratasse do tema de preservação da natureza e outros. Para nossa surpresa, a diretora disse que já haviam existido árvores de grande porte ao redor da quadra, mas que se preferiu removê-las, uma vez que elas geravam muito lixo com suas folhas e galhos (Notas de Campo, 12.05.2015).

Esse fato constitui um bom exemplo de como a gestão de recursos educativos é um diferencial para a gestão escolar, principalmente em escolas da rede pública que não podem contar com recursos generosos. Além de desconsiderar a utilização de recursos próprios para tal necessidade, a diretora descartou a dos que já existiram na própria figuração que dirige. Ela não percebeu que o plantio de árvores ao redor da quadra potencializaria o uso desse recurso não apenas como local para a prática de esportes, mas também como área de convivência social. Ademais, percebe-se que a diretora também deixa de envolver alunos, professores e membros da comunidade escolar na administração dos recursos materiais da figuração.

Esse caso nos remete diretamente à experiência distinta que se tem na outra figuração pesquisada em Pernambuco, já que na Figuração Alfa não existe quadra. Isso mesmo, não existe um equipamento específico que funcione como quadra de esportes na figuração. Nela, o pátio central do colégio é adaptado para a realização de atividades ligadas à Educação Física, assim como para outras atividades, como ensaios de dança, por exemplo.

Questionado sobre essa característica da figuração, a coordenadora afirmou: “A gente não precisa ter tudo, basta se articular com o todo” (Entrevista, 20.03.2015). Em outras palavras, a gestão simbólica dos recursos educativos da Figuração Alfa potencializa aquilo que tem, sem esperar por recursos mais novos ou por uma proteção de quadra que custaria cem mil reais aos cofres públicos, por exemplo.

Na Figuração Alfa, os dias de aulas que necessitam da utilização da quadra (adaptada) já estão agendados, o que não só evita surpresas e imprevistos como também potencializa a prática de esportes e outros eventos. Já na Figuração Beta, muitas das aulas de Educação Física, que deveriam ser realizadas na quadra, são substituídas por outras atividades, já que o sol causticante, que superaquece a cidade do Recife durante boa parte do ano, limita as possíveis atividades a serem realizadas ou transforma-as em algo ainda mais cansativo e desorganizador do já fragmentado cotidiano daquela figuração.

A partir dessas observações e constatações podemos constatar que em se tratando das duas figurações escolares que investigamos em Pernambuco, cada uma delas apresenta uma cultura organizacional específica. Apenas a Figuração Alfa apresentou características que indicam a predisposição em desenvolver uma gestão democrática da educação, pois a Figuração Beta apresentou características de uma gestão escolar centralizadora e autoritária.

Nesse sentido, reforçamos a nossa premissa de que a implementação de políticas públicas, ao mesmo tempo em que precisa apresentar ações comuns a todas as organizações e indivíduos do campo educacional, também deve garantir que as características e particularidades de cada cultura organizacional escolar sejam contempladas.