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4 CULTURA ORGANIZACIONAL

4.3 Destaque para a Gestão Simbólica dos Recursos Educativos

A relevância que passamos a dar à gestão simbólica dos recursos educativos tem como influência os trabalhos de Rui Canário. Representante de uma nova abordagem nas ciências da educação, esse pensador atenta para o fato de que a escola era vista exclusivamente como um prolongamento da administração central, como apenas um dentre os vários estabelecimentos de ensino e administrada a partir de uma lógica industrial, também pautada em premissas de racionalização e verticalização, segundo as quais a matriz impõe uma padronização de atividades às suas filiais. Para Canário, essa matriz representaria a administração estatal e seu papel não se deveria reduzir a funções burocráticas.

Conforme esse autor, o papel desempenhado pela administração estatal da educação não pode se limitar à simples distribuição de verbas e ao ordenamento para a aquisição de equipamentos ou à realização de obras para adaptar espaços nas organizações escolares. Essa prática, voltada à transferência de recursos e comum nos campos educacionais pesquisados, não é capaz de gerar projetos e, consequentemente, processos de mudança que transformem a realidade escolar.

Na verdade, o papel dos órgãos de administração e seus agentes deve ser o de potencializar dinâmicas de mudança nas escolas – onde essa capacidade já existe –, mas, principalmente, criar condições para o desenvolvimento de projetos e mudanças sócio-organizacionais nas escolas onde essa possibilidade ainda não existe. A esse respeito, Canário afirma que

a construção de uma sociologia da escola implica reconhecer a especificidade do estabelecimento de ensino, enquanto realidade organizacional que, em sendo produzida pelos comportamentos e interações dos seus membros, não pode ser definida de forma redutora, nem como um território delimitado por fronteiras físicas, nem como um agregado biológico (idem, 2005, p.52).

Como já destacamos no capítulo anterior, nesse contexto, identificava-se o anseio dos gestores por burocratização e sua consequente facilidade de controle e não se levavam em conta, por exemplo, as singularidades de cada escola. Segundo o autor, no ambiente escolar

há uma tendência em subestimarem-se os recursos materiais com base em um discurso de que eles quase sempre são insuficientes ou inadequados, na medida em que não são geridos da melhor maneira.

Os profissionais da educação, nomeadamente os professores, orientam-se, na sua ação, por um conjunto de ideias articuladas que formam um sistema ideológico que, funcionando como uma grelha de leitura da realidade lhes permite estabelecer equilíbrio e coerência entre os recursos cognitivos e os seus comportamentos. Desta visão ideológica são componentes importantes o determinismo e o naturalismo (idem, 2005, p. 47).

Canário percebe que a visão determinista representa uma tendência hegemônica de explicar os fenômenos educativos a partir de fatores anteriores e exteriores às situações em que estes se produzem, quase sempre culpando elementos ligados a questões macroeconômicas e políticas. Exemplo dessa visão seriam os discursos sobre os motivos do insucesso escolar a partir da sempre presente escassez de recursos. Com base nessa visão determinista, “os professores tendem a autolimitar a sua margem de manobra e capacidade de intervenção, na medida em que a sua ação seria determinada pela estrutura do ‘sistema’ no qual estão inseridos” (idem, ibidem).

Por outro lado, a visão pautada no naturalismo se basearia no fato de se entender e conformar com a realidade educativa sem conectá-la a questões históricas e a seus contextos sociais, políticos e econômicos. Assim, “a visão naturalista do espaço escolar conduz a aceitar como neutras formas de organização espacial que condicionam e induzem formas determinadas de ação e relação pedagógicas” (idem, p. 48).

Canário atenta para o estudo da produção de mudanças no interior do sistema escolar. Ele considera o estabelecimento de ensino como uma globalidade sistêmica que se articula não só às dimensões locais da organização e pessoal como também ao sistema que o estrutura. Da maneira como essas dimensões se articulam e dinamizam resulta o “quadro de processos instituintes de produção de inovações” (idem, p. 55).

No trabalho Mediatecas Escolares: gênese e desenvolvimento de uma inovação (1994), Canário desenvolve sua análise sobre como uma inovação educativa podia ter características de utilização e funcionamento diferentes, dependendo da escola e dos profissionais que a gerissem.

O êxito de uma inovação como a mediateca supõe, da parte das escolas, a capacidade de inventar novas formas de organizar e gerir os recursos de que dispõem. Nomeadamente, procedendo a alterações organizativas ao nível da gestão, do espaço e das pessoas, necessárias à realização plena de um projeto de mudança da escola que está subjacente ao projeto da mediateca (1994, p. 103).

Canário apresenta o estudo referente à utilização e à representatividade do recurso mediateca na escola como forma de ilustrar como esse mesmo recurso pode ser gerido de maneiras distintas. Afirma que, assim como acontece com a maioria das situações inovadoras vividas nas organizações escolares, o desenvolvimento de recursos como a mediateca constitui um processo aberto a um número indefinido de práticas, etapas e significados diferentes, e isso se dá “com o reforço da criatividade das escolas, da sua capacidade para conduzir a inovação, com base na autoanálise, no planejamento e na avaliação do seu próprio processo inovador” (idem, p. 106).

Nesse sentido, adotamos a premissa de que uma sociologia da organização escolar deve concebê-la enquanto espaço potencial para a interação entre indivíduos forjados em diferentes contextos sociais e culturais que, por sua vez, transformam a escola em uma “organização social, inserida num contexto local, com uma identidade e cultura própria, um espaço de autonomia a construir e descobrir” (CANÁRIO, 1999, p. 166).