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Características psicológicas do bem-sucedido

3. LISTA DE GRÁFICOS

5.2 As reportagens

5.2.2 Características psicológicas do bem-sucedido

Mantendo em mente a visão que associa o rigor da pesquisa à visibilidade e explicitação da dinâmica de interpretação dos dados (SPINK e LIMA, 2000), convém dizer que os repertórios encontrados nas matérias em cada categoria – a começar por esta – foram contados. Nosso pressuposto foi o de que o aparecimento sistemático e a repetição de alguns deles mostram que a revista salienta alguns aspectos, enquanto outros são esmaecidos. Os números mostram- se, assim, instrumentos para demonstrar essa força, evidenciando onde reside a ênfase dada pela Exame, quando trata do sucesso.

Com a primeira categoria referente às Características psicológicas do bem sucedido, buscamos descrever como é o perfil de quem tem sucesso: que aptidões, qualidades, defeitos, vícios ou que tipo de personalidade apresenta, segundo a revista. De acordo com o que pode ser visto no Apêndice K, trinta e cinco reportagens fizeram menção a esse aspecto, dentre as quais, apenas cinco apontaram características negativas. Nelas, o bem-sucedido é mostrado como alguém frustrado, desajustado, mal resolvido, desequilibrado e com problemas psicológicos (TRABALHAR.., 1971; POR QUE..., 1980; BARTOLOMÉ e EVANS, 1980; PERISCINOTO, 1988). Trata-se de um indivíduo afetado por tensões que trazem impactos para o seu equilíbrio psicológico, que pode sofrer de medo do sucesso, paga um preço alto, com críticas e inveja dos demais e acaba sendo punido, por uma cultura que culpa os vencedores.

Em todas as outras trinta matérias, a pessoa de sucesso é retratada com características positivas. A fim de descobrir quais delas configuravam regularidades, contamos quantas vezes cada uma apareceu, como mostra o quadro 1.

Quadro 1 – Características psicológicas do bem-sucedido conforme Exame

Características psicológicas do bem-sucedido Nº de citações

Empreendedor 8

Ambicioso 7

Tem características negativas (tem problemas psicológicos, é frustrado, desajustado, mal resolvido, desequilibrado)

1 cada, no total 5 É dedicado e tem habilidades humanas 5 cada, no total 10

É ousado e é ativo 4 cada, no total 8

É versátil, otimista, persistente e realizador 3 cada, no total 12 Não se acomoda, é intuitivo, prático, ético, tem habilidades de

comunicação, é agressivo, criativo, é um líder, é auto-suficiente

2 cada, no total 18 Tem personalidade forte, é ponderado, planeja, é um self made

man, tem visão do todo, foca o cliente, é hábil para imple-

mentar mudanças, relaciona-se estavelmente com alguém (é casado), é móvel, sabe fazer marketing pessoal, tem carisma, é bem-humorado, visionário, competitivo, equilibra bem família e trabalho, trabalha em equipe

1 cada, no total 16

TOTAL 84

Fonte – Elaborado pela autora da tese.

Com isso, percebemos que um aspecto foi o mais frequentemente evocado. Trata-se do que descreve o indivíduo de sucesso como um empreendedor. Essa referência aparece oito vezes, incluindo aquela em que o texto mostra o bem-sucedido como um intrapreneur, o que nada mais é do que um empreendedor interno, ou alguém que empreende dentro da própria organização (É DE PEQUENO, 1990). Isso vem ao encontro do novo contrato de trabalho descrito pela Exame e discutido anteriormente, que passou a definir regras inéditas e novos comportamentos para o indivíduo, e também parece coerente com o que a literatura analisada apontou: o sucesso empreendedor é a via real de sucesso (EHRENBERG, 2010). Bem- sucedido, para a revista, é aquele que se faz por conta própria, conforme sua performance, definindo-se como uma figura do começo, que se produz por si só e vence não por herança ou filiação; alguém que age inteiramente com base em si mesmo e em nome de si mesmo.

Para Ehrenberg (2010), o modelo a ser seguido nesse contexto inclui o elevar-se socialmente, o empreender e o ambicionar. E foi exatamente isso o que os dados mostraram: a segunda característica mais frequente da pessoa de sucesso, mencionada sete vezes, foi a ambição: “[...] pessoas competitivas e ambiciosas acabam sendo mais bem sucedidas” (BERNARDI, 1997 b, p. 83). As reportagens descreveram esse indivíduo como alguém que sabe aonde quer chegar, quer vencer, busca ascensão, está sempre disposto a subir mais, enfim, é ambicioso – e isso é mostrado como algo extremamente positivo, uma verdadeira atitude a ser emulada: “[...] na minha cabeça só tenho dezoito anos e um por cento do que eu quero. Minha ambição

é infinita” (A TEORIA..., 1992, p. 42), disse numa das matérias o empresário que construiu, a partir do nada, um dos maiores frigoríficos do Nordeste. Essa ambição parece encontrar ressonância no perfil do público da revista, conforme mostra um anúncio da publicação onde se lê: “Hoje, leitor de Exame. Amanhã, assunto de Exame” (Exame, Edição 447, v. 22, n. 4, fev. 1990). A ambição concretiza a ideia do indivíduo-trajetória e foi, segundo Ehrenberg (2010), construída sobre os escombros de referências tradicionais, também descritos por Freitas (2006). Na falta delas, já não existem critérios a priori, e a resposta que encontramos foi sermos nós mesmos por nós mesmos: a pessoa ambiciona tornar-se si mesma e ser a melhor. A revista, como mostra o anúncio que faz dela mesma, dá a entender que se trata de um sonho ao alcance de qualquer um.

Com cinco aparições, apareceram duas outras características do bem-sucedido. A primeira se refere à sua dedicação ao trabalho, e foi identificada em expressões como é esforçado, dá duro, tem disposição para o trabalho, capacidade para o trabalho, é empenhado (POR QUE..., 1980; OS MERCADORES..., 1995; CALDEIRA, 1995). Todo esse investimento de tempo e energia se reflete na sua vida pessoal, assunto que será comentado com mais detalhes posteriormente. Já a segunda qualidade mencionada cinco vezes está ligada à posse de aptidões associadas a relações humanas, como ter habilidade política, saber lidar com gente, ter capacidade de negociar, alto quociente emocional, ser reconhecido por saber se relacionar com pessoas (HÁ UM ABISMO, 1993; CASTANHEIRA, 1996). O contexto de organizações mais achatadas e o ambiente que exige uma gestão mais aberta e participativa, descritos pela própria revista, talvez expliquem por que esses são aspectos que devem ser encontrados em pessoas bem-sucedidas.

Foram feitas quatro menções a outras duas características da pessoa de sucesso. A primeira se associa à sua ousadia (ela assume riscos, é corajosa para ousar, não teme arriscar, arrisca) (SEU NOME..., 1990; ASSEF, 1994; CALDEIRA, 1995). A segunda, ao fato de esse indivíduo ser alguém ativo: é dinâmico, tem iniciativa e energia (POR QUE..., 1980; CALDEIRA, 1995).

Outras qualidades apareceram três vezes: a primeira foi a versatilidade (o bem-sucedido é adaptado, capaz de se adaptar, versátil) (A TURMA..., 1992; ASSEF, 1994). Afinal, quem busca o sucesso racionaliza seus métodos em busca de eficiência, não aceitando deixar sua sorte nas mãos do destino. Incorpora, assim, uma tendência a se ajustar a toda situação,

reforçando a ideia do homem camaleão de Caldas e Tonelli (2000) e da carreira proteana de Fontenelle (2005). As outras três foram o otimismo (ele é alguém confiante e otimista) (SEU NOME..., 1990; BERNHOEFT, 1998), a persistência (não aceita nãos, lida bem com o fracasso, é persistente) (FONTOURA, 1996 b; BERNHOEFT, 1998) e a capacidade de realização (é um realizador, um tocador de projetos, alguém produtivo) (QUEM ESTÁ..., 1990; CALDEIRA, 1995).

Por duas vezes os textos mencionaram a atualização da pessoa de sucesso (trata-se de alguém que não se acomoda, se atualiza) (SEU NOME..., 1990; CASTANHEIRA, 1996), sua intuição (é alguém intuitivo) (SEU NOME..., 1990; QUANDO O ACASO..., 1994), sua praticidade (é prático) (COMO VIVE..., 1971; SEU NOME, 1990), sua ética (é ético e respeita limites morais) (GUIMARÃES, 1989, BERNARDI, 1997 c), suas habilidades comunicacionais (sabe falar e ouvir, tem retórica) (UMA NOVA..., 1988; GARCIA, 1998 b), sua agressividade (é agressivo) (NO QUE DEU..., 1975), sua criatividade (é criativo, tem criatividade) (É PRECISO..., 1990), sua liderança (é um líder, consegue motivar os outros) (É PRECISO..., 1990) e sua autossuficiência (é autossuficiente, é centralizador) (NO QUE DEU..., 1975). Essa última característica se choca com outra, evocada uma única vez, que descreve o bem-sucedido como alguém que trabalha em equipe.

Outros aspectos da pessoa de sucesso que a revista apontou, ainda que apenas uma vez, foram: tem personalidade forte, é ponderado (avalia bem os impactos de suas decisões), planeja como chegar lá, é um self made man, é hábil para implementar mudanças, é móvel graças à tecnologia, faz um bom marketing pessoal, tem carisma, equilibra bem família e trabalho, tem visão do todo, foca o cliente, relaciona-se estavelmente com alguém (é casado), é visionário e competitivo (POR QUE..., 1980; QUEM ESTÁ..., 1991; HÁ UM ABISMO.., 1993; ASSEF, 1994; MENDES, 1995). Sobre esse último ponto, algumas passagens são especialmente emblemáticas desse espírito de combate generalizado, fruto de uma cultura de competitividade em que quem não luta desaparece.

O golfe é muito bom como esporte. Mantém a forma física e alivia a tensão. Mas, para mim, o que vale é competir. Se não tenho chance de ganhar, o esporte não me interessa. Não pretendo ser um simples amador, que joga por jogar. Isso é bom para quem está aposentado e tudo o que pretende é perder um pouco de barriga (UMA TACADA, 1971).

Faça aliados entre os subordinados de seus pares. Seus pares são rivais em potencial. O apoio dos subordinados deles vai ajudá-lo se o seu par, mesmo inconscientemente, tentar jogá-lo para trás (COEHN, 1998 b, p. 94).

Além dessas características, nas reportagens analisadas também encontramos uma menção ao seguinte aspecto: o bem-sucedido é uma pessoa bem humorada. Questionando-nos sobre ele, retomamos Freire Filho (2010) para dizer que a felicidade se tornou, desde o fim do século XX, a mola propulsora de todas as ações humanas, a obrigação e o direito primordial de cada um de nós. Numa das matérias analisadas, a revista recorre a especialistas para saber se as empresas preferem contratar os sorridentes. Conforme já poderíamos imaginar, a resposta é positiva. Como explica O´Neil (1993, p.11), “[...] uma parte essencial da mística do sucesso nos negócios tem sido a apresentação de um rosto empresarial feliz”. No artigo, dos seis profissionais consultados, cinco defenderam a importância do bom humor para o sucesso, e um ressaltou que ele é essencial, mas apenas para áreas específicas, como marketing ou vendas.

‘Profissionais bem sucedidos são, em geral, bem humorados”. [...] “Tenho a convicção de que apenas as pessoas felizes e bem humoradas fazem bem o seu trabalho, o que é fundamental para o sucesso.” [...] “Estou seguro de que as pessoas bem humoradas têm mais chance de sucesso” (DEU PRA TI, 1998).

Não há, assim, espaço para o sofrimento ou os sofredores: para ter sucesso, o indivíduo tem o dever de ser feliz (FREIRE FILHO, 2010).

Em suma, o retrato das características psicológicas do bem-sucedido, conforme os repertórios que aparecem na revista, descreve alguém que é, sobretudo, empreendedor e ambicioso. Em menor grau, tem características negativas (frustrado, mal resolvido, desajustado). É também dedicado ao trabalho, hábil em lidar com pessoas, ousado, ativo, versátil, otimista, persistente e realizador. Além disso, esse indivíduo é também intuitivo, prático, ético, agressivo, criativo, autossuficiente, se comunica bem e está constantemente se atualizando. Esses traços encontram correspondência com as virtudes dos vencedores euforizadas pela revista Veja, conforme descrito por Prado (2003): liderança, inteligência, preparo, competência, coragem, desempenho, dinamismo, flexibilidade, realismo, frieza, ousadia e capacidade de blefar.