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3. LISTA DE GRÁFICOS

5.2 As reportagens

5.2.1 Contexto

Antes de descrever as categorias mais diretamente relacionadas ao sucesso, comentamos, neste item, os textos por meio dos quais buscamos entender o ambiente em que os fatos narrados se inseriam. Esses textos formaram a categoria Contexto, com informações que indicavam o que estava ocorrendo nas organizações, no País e no mundo, quando de cada matéria, ou seja, que acontecimentos a revista considerava importantes para contextualizar e conferir razoabilidade ao que a reportagem comunicava.

A primeira referência encontrada sobre esse assunto estava na reportagem de 1975 (NO QUE DEU..., 1975) que falava da primeira turma de administradores formada no País, em 1958, pela Fundação Getúlio Vargas. Nela, o que é dito a respeito do ambiente é que esses profissionais, chamados de cobaias e pioneiros, se formaram numa época hostil, quando as empresas sequer sabiam o que era um administrador. Segundo a revista, eles, no entanto, souberam aproveitar o surto de industrialização do governo Juscelino Kubitschek e começaram a implementar no Brasil os princípios da moderna administração de empresas.

Relacionado a isso, nos anos sessenta, Bresser-Pereira (1962) comentou que máquinas da mais alta tecnologia conviviam com os mais antigos sistemas administrativos. A gerência média no Brasil era pequena, não tinha acesso ao topo da gestão e agia de forma improvisada. Havia um hiato entre os níveis mais baixos e os mais altos, que se tornava mais crítico à medida que os negócios cresciam. Faltavam profissionais qualificados. A fim de suprir mão de obra para o nível de supervisão, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), escolas técnicas e de comércio foram criadas. E, para responder a essa demanda no nível da gerência e do topo, segundo Bresser- Pereira (1962) geralmente ocupado por bacharéis em direito, a Escola de Administração de

Empresas da Fundação Getúlio Vargas foi uma das primeiras respostas, como mostra a reportagem. A isso, Serva (1990), Caldas e Alcadipani (2006) acrescentam que tanto a Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), quanto a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) foram criadas com base no modelo das universidades norte- americanas, sobretudo da Universidade de Michigan, em 1952 e 1954, respectivamente.

Esses fatos mostram que as escolas de negócios foram importantes agentes a difundir técnicas, modelos e valores da administração científica, conforme já aponta vasta literatura (CALDAS e WOOD JR, 1999; WOOD JR e PAULA, 2002; CALDAS e ALCADIPANI, 2006; FERREIRA, 2008). Reforçam também que o management é um fenômeno recente no Brasil, o que confirma Ferreira (2008) ao apresentar, como primeiro esforço organizado de disseminação de suas doutrinas e princípios, a criação do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT) na capital paulista, em 1931. Segundo aponta o autor, o instituto se viabilizou com a participação da nascente classe gerencial do País, composta por engenheiros de indústrias brasileiras que buscavam comungar soluções práticas para problemas gerenciais e ineficiência, vendo como resposta a essa demanda a organização racional do trabalho e a racionalização do Estado e de outras instituições (de saúde, educação etc.). Contudo, de acordo com o que descreve Ferreira (2008), a transição das grandes indústrias daquele período para a administração profissional veio a se realizar mais extensivamente apenas nas décadas seguintes, e o relativo descomprometimento dos industriais com o projeto de racionalização gerencial do IDORT acabou fazendo com que o instituto mudasse seu foco de privado a público, e também da administração de primeira e segunda linha para o nível operacional.

Antes disso, no entanto, os primeiros esforços administrativos inspirados em Frederick Taylor já podiam ser vistos no Brasil. Na década de 1910, alguns diretores de empresas brasileiras ligados a profissionais da indústria na Europa e nos Estados Unidos estavam informados a esse respeito, começando a implementar no País as práticas da administração científica. Um dos exemplos citados por Ferreira (2008) é o escritor e empresário Monteiro Lobato, que adotou em sua editora os princípios tayloristas. De qualquer forma, esses esforços se resumiam a ações escassas e individuais, o que reforça a constatação de que o management chegou à realidade brasileira de forma mais ampla e sistemática há não muito tempo e, certamente, após ter se difundido em realidades como a norte-americana ou a inglesa.

Dando continuidade à análise do contexto apresentado pela Exame para suas notícias, uma matéria da revista datada de 1980 fala de organizações com normas rígidas, que privilegiam lucro em detrimento de individualidade, interesses e sentimentos dos que nelas trabalham, e aponta ser este um problema que tende a aumentar em função da crescente burocratização das empresas (POR QUE..., 1980). A partir daí, aumentam as menções a uma situação nada favorável no ambiente empresarial brasileiro, retratando bem a realidade da década perdida. Conforme Fishlow (2011), a primeira metade dos anos oitenta assistiu ao surgimento da crise da dívida e, a segunda, a uma sucessão de tentativas fracassadas de estabilização, marcando esse período, dentre outras coisas, por desemprego em alta e sensação generalizada de frustração.

Nas páginas da publicação, Bartolomé e Evans (1980) falam de dias de incerteza, da recessão que se movia furtivamente por trás de tudo, de reorganizações e reestruturações constantes e do fato de ninguém se sentir completamente seguro. Também são citadas administrações em crise e estagnação nos negócios, precisando as empresas de agentes capazes de promover mudanças profundas (UMA NOVA..., 1988). A capa da edição 288, de 2 de novembro de 1983, traz o desenho de um nó verde e amarelo e enumera os principais problemas que o País enfrentava: Os impasses da economia – Salários: confusão geral; Juros: asfixia crescente; Inflação: pressão intolerável; Dívida: agonia sem fim; IR: fome de leão. Num dos artigos analisados, Periscinoto (1988) comenta sobre o quadro de inflação, incompetência estatal, gastos públicos absurdos e o resultado desse panorama: uma energia que estaria “[...] escoando pelo ralo da desesperança” (PERISCINOTO, 1988, p. 88).

Nesse cenário desolador que foram os anos oitenta, de falta de perspectivas para pessoas e organizações, já começa a aparecer a ideia de que é função do profissional zelar pelo seu futuro no trabalho. “Na opinião do autor, o crescimento profissional depende do próprio executivo. ‘Ele é o dono de sua carreira’, diz Savioli.” (UM MAPA..., 1989, p. 96). Nessa matéria, Nelson Savioli fala do livro que viria a lançar depois, chamado Carreira: manual do proprietário (Editora Qualitymark), defendendo a importância do planejamento de carreira e a relevância de encaminhá-la dentro das possibilidades do momento e das oportunidades que surgem ao longo do tempo. Segundo a reportagem, esse conselho é dado, contudo, num cenário em que os executivos brasileiros ainda não se deram conta das novas regras que passam a regular as relações de trabalho e, portanto, não se preocupam em planejar seu futuro profissional ainda. De qualquer forma, já no fim da década, identificamos indícios da visão do

indivíduo SA, que apresenta o profissional como um produto disponível no mercado e, sua carreira, como um negócio que deve ser administrado. Essa visão será detalhada mais à frente.

Nos anos noventa, segundo a revista, mudanças políticas e econômicas passam a demandar novos tipos de profissionais, nas empresas, por exemplo, gente com boas técnicas, capacidade gerencial, visão internacional, foco no cliente e que fale inglês (O EXECUTIVO..., 1990). Entre essas mudanças, encontramos esforços destinados a modernizar amplamente o País. Fausto (2011) aponta como um deles o radical plano econômico implantado pelo governo Collor, que incluía a privatização de empresas estatais, a redução do número de funcionários públicos e a maior abertura ao comércio exterior. A publicação liga claramente essas novidades aos seus reflexos no mercado de trabalho. “A privatização da economia, a abertura para o mercado externo, a redução dos subsídios exigem, de fato, mais preparação, flexibilidade e criatividade dos executivos brasileiros.” (É PRECISO..., 1990, p. 89). Segundo descreve a matéria, esse executivo é alguém receoso do que o aguarda, formando um campo fértil para que a mídia, incluindo Exame, lhe traga orientações e padrões de comportamento.

Conforme consta nas reportagens, a situação econômica brasileira continuou bastante complicada ainda por alguns anos. De acordo com o que descreve Fishlow (2011), o ambicioso programa de Collor não atingiu seus objetivos, a produção caiu, aumentos de preço passaram por uma pausa e rapidamente voltaram a se acelerar. As matérias mostram que as empresas responderam à recessão com reestruturações em busca de melhores resultados e, com isso, os executivos passaram a ser o alvo da tesoura.

Rua! A atual recessão tem sido particularmente cruel para os executivos brasileiros. O desemprego, antes quase exclusividade da turma do macacão, abraçou-se ao pessoal de terno e gravata e parece não ter a intenção de largá-lo tão cedo. [...] A sangria no topo da pirâmide ainda não estancou (A TURMA..., 1992, p. 58).

O panorama apresentado em 1993 era de crise: em janeiro, a inflação já beirava os 29% e, em dezembro, chegava a mais de 36%, conforme Fausto (2011). Além disso, a competição se acirrava e a globalização começava a afetar a política nacional (FISHLOW, 2011). A liberalização havia sido iniciada e lentamente começava a se fazer sentir; esforços iniciais de privatização foram conduzidos, tarifas protetoras reduzidas e investimento estrangeiro obtido. Entretanto, os profissionais ainda pareciam estar longe do perfil que as organizações demandavam, ou se aproximavam dele num ritmo mais lento do que as mudanças exigiam.

Segundo pesquisa apresentada pela revista, o caminho para reduzir essa distância estava em introduzi-los a métodos modernos de gestão, reforçando a valorização do management (HÁ UM ABISMO..., 1993).

Conforme descreve Fishlow (2011), no fim de 1993, o então ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, anunciou um processo de estabilização econômica que se estenderia pelos próximos meses, incluindo medidas que garantiram razoável superávit primário e fim à moratória que vigia desde 1987. Em 1994, o Real tornou- se a nova moeda do País, como parte de um pacote econômico bem-sucedido que não congelou preços, nem pegou a população de surpresa; desindexou a economia gradativamente e provocou sensível queda da inflação, nos anos seguintes (FAUSTO, 2011). A atividade econômica se expandiu e, já em outubro de 1994, o índice inflacionário havia caído a menos de 3% ao mês (FISHLOW, 2001). O título da capa da Exame de 5 de julho de 1995, comemorando um ano do plano, ilustra bem um pouco desse êxito: O Brasil deixou de ser uma piada econômica.

No entanto, se o sucesso do Plano Real em estabilizar a economia e combater a inflação poderia trazer perspectivas mais tranquilas para a vida do executivo e das empresas, não foi esse o retrato que a revista pintou sobre o restante dos anos noventa. As referências a essa década, nas reportagens, incluíam tempos estressantes em que tudo depende da capacidade inesgotável de trabalhar mais e melhor que os outros (MENDES, 1995); época em que quem tem um emprego está mais é se esforçando para mantê-lo (BERNARDI, 1996); tempos em que a segurança dos empregos evaporou, e a carreira depende exclusivamente da sua capacidade em desenvolver os atributos que o tornam empregável (MENDES, 1995); tempos de enxugamento generalizado em que se manter no emprego já é complicado (GOMES, 1997); tempos em que nada é garantia de nada (BERNARDI, 1997 b). A noção de competitividade, mundo cada vez mais competitivo, competição acirrada também é recorrente, e o ambiente é descrito como um ambiente de pressão, que leva alguns a stress e depressão (BERNARDI, 1997 b). O processo de globalização é citado como uma das causas desse panorama (DEU PRA TI, 1998) em que predominam organizações horizontais, hierarquias achatadas, poucas camadas de direção, estruturas organizacionais magras e empresas enxutas (GARCIA, 1998 a; MOLLER, 1996; CASTANHEIRA, 1996; FONTOURA, 1996 a, respectivamente).

Considerando esse cenário, torna-se mais fácil entender o êxito da concepção de empregabilidade que, para Carrieri e Sarsur (2004), não passa de uma estratégia da alta administração das empresas para transferir a responsabilidade do emprego da organização para o trabalhador, ao pressupor a inexistência de empregos formais estáveis. No que a revista denominou era da empregabilidade, o emprego é artigo escasso e a cultura do trabalho que se promove é resignada diante da falta dele, como apontaram Costa, Barros e Carvalho (2011).

As empresas não demitem mais apenas para enfrentar tempos difíceis. A palavra de ordem, agora, é ter estruturas enxutas, mesmo quando os negócios estão aquecidos. “Os executivos precisam construir a sua própria base de segurança portátil, a sua própria estrutura de auto-sustentação”, diz Minarelli. “Se tiverem algo de útil para oferecerem a alguém, terão trabalho e remuneração. Se existir emprego, melhor. Se não existir, paciência. O que qualquer pessoa precisa é trabalhar e ganhar (FONTOURA, 1996 a, p. 72).

Com as organizações emagrecendo dia após dia, como mostra a reportagem de Castanheira (1996), resta ao profissional deixar de ser um empregado para se tornar um produto, uma empresa, um empreendimento, como demonstra o título de uma matéria de maio de 1993: O executivo é o próprio negócio (Exame, v. 25, n. 10, p. 74-76). É a noção do Você SA, expressa pela revista já em 1996 com as expressões Você & Co ou emprEUsa (CASTANHEIRA, 1996).

O indivíduo SA, produto e representação da cultura do management, reflete o espírito da época (WOOD JR e PAULA, 2002). Encontrou tamanha ressonância no público leitor que, como informaram os autores, reportagens de capa com esse tema esgotaram as edições em banca e deram origem, em 1998, a um dos mais bem-sucedidos subprodutos de Exame: a revista Você SA. Foram, inclusive, o significado e a relevância desse lançamento editorial que nos ajudaram a determinar o corte temporal que definiu o período de análise desta pesquisa. Seu êxito comprova como a publicação é emblemática de um momento em que o principal mandamento passa a ser a capacidade constante de gerar trabalho e remuneração, não mais emprego e salário. Isso exige do profissional novas habilidades e competências e uma postura diferente diante do mercado de trabalho. Ele agora é uma mercadoria que precisa se vender. Flexibilidade passa a ser o nome do jogo (CASTANHEIRA, 1996). Para Freitas (2000), torna-se também o sonho dourado das organizações e o pesadelo dos executivos.

Essas mudanças são apresentadas pela publicação de forma positiva, ressaltando as vantagens que trariam consigo: “[...] ainda bem que deixei de ser viciado em holerite, diz Cataldi. Agora,

minhas perspectivas profissionais são imensamente maiores” (FONTOURA, 1996 a, p. 76) ou “[...] a perda de emprego não é tão ruim quanto fazem crer as manchetes” (SAMUELSON, 1996, p. 61). Apesar disso, como lembram Carrieri e Sarsur (2004), adaptar-se a esses novos tempos envolve custos para os trabalhadores. Estes, no entanto, são silenciados pela revista, assim como o faz a Veja, conforme Prado (2003), ao ignorar limites do modelo de vitória e sucesso que discutimos neste trabalho e não oferecer nenhum contraponto para mostrar os desequilíbrios daí resultantes.

Nesse cenário, o executivo encontrou no ato de empreender uma saída. “Desenvolver o espírito empreendedor tornou-se uma exigência dos anos noventa” (FONTOURA, 1996 a, p.72). A partir daí, a postura empreendedora não diz respeito mais apenas aos negócios, mas à própria vida: ela se estendeu e passou a incluir a pessoa tomando as rédeas de seu próprio destino. Esse novo modelo, segundo Fontenelle (2007), traz consigo uma grande ambiguidade: se, por um lado, carrega a esperança de maior autonomia, por outro, inclui também a anomalia da descartabilidade. É o que Aubert (1993, p. 96) chamou de “[...] Gestão Kleenex”, sistema que transforma as pessoas, como os lenços Kleenex usados, em elementos descartáveis a partir do momento em que já foram utilizados, envelheceram ou deixaram de agradar. Esse consumo humano está ilustrado na matéria de Exame Você é descartável? (SAMUELSON, 1996, p. 61). Não há, portanto, como separar esse modelo da angústia, da dúvida e da constante gestão do risco, expresso em ameaças como o desemprego, incertezas nacionais e mundiais, perdas financeiras e rompimento de modelos, conforme descreve Bernhoeft (1998) num artigo sobre a importância do fracasso.

Por tudo isso, percebemos que as reportagens a serem analisadas se inserem num contexto não muito favorável. Há poucas referências nas matérias sobre os anos setenta, marcados pelas incertezas trazidas pela crise do petróleo e pelo extraordinário crescimento econômico, na época do milagre (FAUSTO, 2011). No entanto, os anos oitenta, segundo mostra a publicação, foram sinônimo de recessão e desesperança, crise e sucessivos planos econômicos fracassados. Os noventa, por sua vez, a despeito dos bons resultados na economia, foram marcados por um ambiente de competitividade, globalização, rompimento de modelos e muitas incertezas.

Tendo em visa o cenário em que se inseriam os acontecimentos narrados nas reportagens, conforme descrito pela Exame, podemos agora passar à análise das categorias que buscaram sinais mais diretos sobre o sentido do sucesso adotado pela publicação.