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Caracterização da população cigana de Évora

PARTE I – Enquadramento Teórico

Capitulo 3 Os ciganos de Évora

3.1. Caracterização da população cigana de Évora

No que se refere a Évora, até 2014, não se conheciam dados oficiais recolhidos pelas entidades locais sobre a população cigana. Assim, grosso modo, as entidades públicas locais desconheciam o número de ciganos residentes em Évora e as suas características. No sentido de se conhecer melhor a dimensão e o contexto dos ciganos residentes em Évora, no âmbito deste estudo, procedeu-se a uma recolha de informação através da bibliografia já existente.

Assim, num estudo realizado em 1993, de caracterização demográfica, social e cultural das populações ciganas residentes na região, surge referenciado que em Évora (concelhos do distrito) residiam cerca de 796 indivíduos ciganos (ACIME17, 1997 referido por Mendes, Magano e Candeias, 2014, p. 24).

Castro (2004) avança o número de 688 indivíduos de etnia cigana para o distrito de Évora, de acordo com os dados obtidos num inquérito aos municípios. Contudo, nesse mesmo estudo verifica-se a ausência de dados de algumas capitais de distrito, entre os quais Évora, nesse sentido, a autora adverte que este facto poderia condicionar os resultados do estudo (Castro, 2004, p. 57).

Através do Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas (2014) foram identificadas 590 pessoas a residirem no distrito de Évora, distribuídas por 6 núcleos residenciais (Mendes, Magano e Candeias, 2014, pp. 143-145).

Em 2014, a pedido do IHRU e no âmbito da ENICC, foi efetuado um levantamento de dados sobre a comunidade cigana, pela CME em parceria com a empresa gestora de habitação social do município, onde se identificaram 87 agregados familiares de etnia cigana a residirem na cidade de Évora com o total de 298 elementos. Estes agregados familiares encontravam-se dispersos pela cidade de Évora e imediações periféricas e residiam em situações habitacionais diversas. Dos 87 agregados, 49 encontravam-se a residir em habitação social, 14 são proprietários ou arrendatários em mercado livre e 24

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ACIME – Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, designação anterior do Alto Comissariado para as Migrações (ACM).

60 estavam desalojados residindo em acampamentos18. De salientar, no entanto, que os dados para recenseamento dos ciganos foram recolhidos tendo por base os registos efetuados pela Habévora, Entidade Municipal de Gestão Habitacional, Unipessoal Limitada, E.M. (Habévora E.M.) no decurso das suas práticas quotidianas de realojamento em habitação social. Tratando-se de uma empresa que faz a gestão do parque habitacional público, propriedade da CME e a gestão das inscrições para habitação social, corre-se o risco de os números apresentados subestimarem uma parte da população cigana: os que são proprietários de uma habitação ou os que, tendo a possibilidade de arrendamento livre não procuram realojar-se em habitação social. Razão pela qual, eventualmente, o número de ciganos proprietários ou arrendatários em mercado livre seja tão pouco representativo. Ainda assim, os números apresentados indicam a diversidade no que respeita ao tipo de alojamento dos ciganos residentes em Évora, situação que indicia diferenciações entre o modo de vida e situações socioeconómicas diversas entre os indivíduos ciganos de Évora, conforme Magano (2010) havia já constatado também noutros pontos do país.

No que respeita às famílias a residir em habitações própria ou em regime de arrendamento livre não foi possível identificar a sua localização, conforme foi referido, sobre estas famílias pouco se sabe, contudo, é de conhecimento geral e facilmente observável pelos que frequentam habitualmente a cidade de Évora, a existência de algumas famílias ciganas (poucas) a residirem no Centro Histórico.

Sobre a localização dos acampamentos, em 2014, os mesmos encontravam-se distribuídos por espaços públicos na Quinta do Gentil localizada no Bairro da Horta das Figueiras, Rossio de São Braz, perto do Centro Histórico e Bairro da Malagueira (Rua do Rochedo e outras e na periferia do bairro junto às Piscinas Municipais)19.

No que respeita aos dados demográficos sobre os ciganos realojados em habitação social, a empresa gestora de habitação social não autorizou a recolha de dados, pelo que não foi possível apresenta-los no âmbito deste trabalho.

Apesar da escassez de registos demográficos oficiais sobre a população cigana na cidade de Évora, alguns trabalhos de cariz científicos foram desenvolvidos junto desta parte da

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Dados recolhidos junto da CME.

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61 população, destacam-se as autoras Alexandra Castro que efetuaram as suas pesquisas entre 1992-1994 e Sara Sama Acedo entre 2000-2002.

Castro (1995) apresenta os resultados de uma pesquisa sobre as formas de apropriação do espaço e das estratégias identitárias desenvolvidas pelos ciganos realojados no Bairro da Malagueira em Évora. Nesta pesquisa a autora põe em evidência a relação entre as ações de realojamento e a restruturação dos seus modos de vida. Este trabalho voltará a ser abordado no próximo ponto, uma vez que os seus resultados se enquadram na relação entre os habitantes e o realojamento em habitação social.

Sara Sama (2010), no seu trabalho “Espacios Vividos, Espacios Creados: Los ‘Ciganos’ de Évora” apresenta uma estimativa de cerca de 200 indivíduos ciganos a residirem em Évora à data da recolha dos dados para a sua pesquisa (Sama, 2010, p. 1).

Neste trabalho a autora aborda a relação dinâmica entre os ciganos e a cidade de Évora, constrói uma perspetiva histórica dos ciganos em Évora a partir dos espaços ocupados e dos espaços criados, as suas trajetórias de vida, atividades, aspetos culturais e a sua evolução face à evolução da cidade. Este trabalho etnográfico foi elaborado a partir da observação do quotidiano dos ciganos residentes em Évora à data da recolha de dados entre 2000 e 2002 e através de relatos dos próprios, que permitiu a autora penetrar na história dos seus antepassados, até onde a memória dos seus entrevistados os levava.

A obra de Sama ilustra a presença dos ciganos em Évora desde o início do século passado, a forma como estes compartilharam as suas vidas com os residentes não ciganos e se veem como parte integrante da história da cidade. O percurso histórico mostra que as vivências dos ciganos já conheceram outros contornos, sempre relacionados com a evolução da cidade e dos tempos. Ao longo do século passado, sobretudo até aos anos 60, na vigência do antigo regime político ditatorial, os ciganos embora sempre envoltos numa condição de miséria e exclusão, afirmavam a sua presença criando estratégias que lhes permitiam sobreviverem um pouco à margem do resto da sociedade, mas fazendo parte dela com uma função que lhe era atribuída ou que conseguiram conquistar. A condição de viajantes e a organização das suas rotas entre zonas dispersa no Alentejo profundo dos anos 40-50 do século passado atenuava o seu isolamento, dando aos seus residentes a possibilidade e acesso a novidades de outros locais para onde nunca ou raramente se descolavam (Sama, 2010).

62 A criação e comércio de gado equino foi desde cedo a atividade que lhes garantiu o seu sustento e das suas famílias, deslocando-se por áreas que transpunham as fronteiras da cidade, criavam rotas comerciais entre os concelhos vizinhos permitindo-lhes chegar a uma clientela mais numerosa. Mantinham relacionamento com grandes senhores da sociedade da época que negociavam com eles, aos quais asseguravam que não lhes faltava gado para trabalhar a terra e outros serviços próprios de uma sociedade agrícola. Mais tarde, durante o processo de mecanização dos campos e a substituição dos aninais pelos meios de transporte motorizados, o negócio do gado foi perdendo a sua expressão mostrando-se já ineficaz como meio de subsistência para os ciganos, nessa altura, grande parte passou a dedicar-se ao comércio de outros produtos, nomeadamente os tecidos, tapetes, sapatos e roupa. Esta alteração não rompeu com o ciclo de viagens e movimentações a que estavam sujeitos por conta do negócio. A dinâmica dos ciganos em Évora cumpria-se nestes moldes, uns tinham já a sua residência fixa na cidade, os mais abastados apropriavam-se de casas para habitação, enquanto uma outra parcela, com menos recursos económicos viviam alojados em barracas no tempo que lá permaneciam, voltando sempre às viagens, condição de recurso a que estavam obrigados. De lembrar que, nos anos que antecederam a viragem do regime político, em Portugal, sobretudo no Alentejo, verificou-se o êxodo das populações dos campos para as cidades e para o estrangeiro, movimento que afetou também a população cigana. Alguns dos que se encontravam em piores condições económicas emigraram e outros foram-se aglomerando em barracas ao redor das grandes cidades. Em Évora por essa altura já se verificava grande concentração de ciganos nas periferias da cidade (Sama, 2010).

O 25 de abril de 1974 e a viragem para um regime democrático trouxe mudanças também para os ciganos da cidade de Évora, as novas políticas sociais, de racionalização do espaço urbano e do processo de enobrecimento urbano da cidade no seu conjunto e principalmente do Centro Histórico vieram alterar os locais ocupados pelos ciganos. Em pouco tempo os ciganos desocuparam o Centro Histórico e outros locais de maior visibilidade e aglomeraram-se em locais na vizinhança dos bairros da Malagueira, Cruz da Picada e General Humberto Delgado (Horta das Figueiras) em acampamentos, sem casas, em alojamento temporário para ciganos “nómadas”. Estes locais albergavam os ciganos de Évora que já haviam residido em casas na cidade e se encontravam agora desalojados, bem

63 como outros que vinham chegando de outras localidades e aí se instalaram e serviam ainda de albergue para os que se encontravam de passagem (Sama, 2010).

3.2. O caso da população cigana de Évora e a relação com a