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O trabalho de campo: observação, inquérito por questionário e entrevistas em

PARTE II – Metodologia de Investigação

Capitulo 2 Opções metodológicas

2.2 O trabalho de campo: observação, inquérito por questionário e entrevistas em

Em termos de trabalho empírico recorreu-se a técnicas de observação e inquéritos por questionário e entrevista. Com o recurso a técnicas de observação recolheu-se grande parte dos dados e informação importante para a realização deste trabalho. A observação teve especial destaque como metodologia na recolha de dados na investigação qualitativa, nos primeiros momentos do seu surgimento nos Estados Unidos, posteriormente na área da língua alemã tomaram algum destaque sob a forma de entrevistas abertas e mais recentemente nos países anglo-saxónicos (Flick, 2013, p. 77).

“Observar é selecionar informação pertinente, através dos órgão sensoriais e com recurso à teoria e metodologia científica, a fim de poder descrever, interpretar e agir sobre a realidade em questão.”

(Carmo e Ferreira, 1998, p. 97)

De acordo com Kohli (1978) os intervenientes de um estudo expressam com maior facilidade os seus pontos de vista em situação de entrevista aberta do que através de entrevista estruturada ou num questionário (Kohli, 1978 referido por Flick, 2013, p. 77). Nesse sentido, através das conversas que se proporcionaram no terreno da pesquisa, bem

80 como as que se foram proporcionando com os elementos da URIDI - os técnicos das instituições que acompanham e intervêm junto das famílias ciganas em Évora, foi possível recolher informação complementar que ajudou a enriquecer o conhecimento nos aspetos em que a utilização de outras técnicas, como os questionários e as entrevistas se mostraram insuficientes para reunir a informação desejada. As conversas informais que foram ocorrendo com estes elementos, “informadores privilegiados” forneceram informação relevante que mereceu registo. Ao longo do tempo em que decorreu o trabalho de campo, foram sendo tomadas notas sobre o que ia sendo observado a fim de se poder utilizar mais tarde na construção do texto. Por outro lado, a observação diretamente no terreno permitiu identificar e caracterizar os locais onde se encontram acampados os ciganos, registar as características dos alojamentos, as dinâmicas familiares e entre as famílias, as práticas quotidianas, entre outros aspetos importantes para esta pesquisa. Esta abordagem implica a maior aproximação do investigador ao papel de participante no campo, para conseguir um conhecimento maior sobre ele a partir do seu interior, a observação permite ao investigador a perceção de como as coisas de facto acontecem (Flick, 2013, p. 137).

Ao longo do tempo que decorreu este trabalho foi assumido perante as pessoas ciganas estudadas, bem como perante os elementos que compõem a URIDI, a minha condição de estudante que pretende obter dados para uma pesquisa, contudo, a posição ocupada enquanto técnica “abriu portas” junto da população cigana, bem como dos colegas de outras instituições com os quais já mantinha uma relação anterior. Esta postura assemelhou-se àquela que é assumida pelo investigador na prática de observação participante, em que habitualmente combina o seu papel de investigador perante a população estudada com outros papéis sociais que lhe permitem um bom posto de observação (Carmo e Ferreira, 1998, p. 107).

Outra técnica usada para recolha de dados sociodemográficos da população cigana desalojada de Évora foi através de inquérito por questionário. De acordo com Carmo e Ferreira (1998, p. 12) a aplicação de um inquérito é um processo de recolha de dados sistematizada e permite uma análise quantitativa de um determinado problema. Nesse sentido, considerou-se importante aplicar dois tipos de inquérito à população cigana de Évora residente em acampamento: um inquérito por questionário e inquérito por entrevista, sendo que o questionário é um método privilegiado da perspetiva quantitativa que obtém

81 dados descritivos através de um método estatístico, esta análise é mais objetiva, fiel e exata visto que a observação é mais controlada (Bardin, 1979, p. 115).

Os questionários (ver anexo III) foram aplicados entre o dia 2 e 15 de novembro de 2018. Tem-se em vista a recolha sistematizada de dados sociodemográficos que se apresenta no corpo deste trabalho e pretende-se com este processo fazer o retrato demográfico da população, englobando questões como: idade, naturalidade, estado civil, situação de escolaridade, situação perante o emprego, moradas e receção de correio, situação e proteção na saúde e vacinação, apoios institucionais e informais e prática de culto religioso.

A aplicação de questionários pode não implicar a interação entre os inquiridos e o investigador (por exemplo, nos casos em que o inquérito é respondido via Internet) e os canais de comunicação entre eles podem ser vários, dependendo das características dos inquiridos e da natureza das questões efetuadas (Carmo e Ferreira, 1998, p. 138). Neste caso específico, dado que se trata de um universo pequeno e tendo em conta que os inquiridos são pessoas que não sabem ler e escrever ou com baixa escolaridade, optou-se pela aplicação dos questionários presencialmente para que se pudesse explicar o teor das questões e ter-se a certeza que os inquiridos as compreendiam integralmente. A aplicação dos questionários ocorreu mediante o consentimento dos participantes, formalizado pela assinatura de um documento previamente elaborado e apresentado na secção dos anexos deste trabalho (anexo IV), em que os inquiridos concederam autorização para registo das suas respostas.

Inicialmente na fase de planeamento a intenção era a aplicação de um questionário por grupo/agregado familiar, perfazendo um total de 9 questionários, abrangendo a totalidade do universo estudado. No entanto, tal não foi possível, foram aplicados 5 questionários, tendo ficado por aplicar o questionário a 4 agregados pelos seguintes motivos: 1) Um agregado familiar manifestou o seu desinteresse em participar; 2) Dois agregados, constituídos por um só elemento cada, encontravam-se temporariamente fora de Évora durante o período em que decorreu o trabalho de campo. 3) Um agregado familiar é constituído por um único elemento portador de deficiência que impossibilitou a compreensão e respostas do inquirido.

82 Para além do inquérito foram realizadas entrevistas a pessoas ciganas desalojadas de Évora e a técnicos de instituições que atuam junto desta população. A entrevista é um método privilegiado no que respeita à produção da investigação qualitativa. A abordagem qualitativa é um processo mais intuitivo (relativamente à abordagem quantitativa), mas também mais maleável e adaptável a índices não previstos ou à evolução da hipótese (Bardin, 1979, p.115), por essas razões e tratando-se de um estudo dessa natureza foi uma das opções metodológicas mais importantes, através do qual se conseguiu grande parte dos dados para elaboração deste trabalho.

No que respeita às entrevistas, foram realizadas entre os dias 2 de novembro de 2018 e 2 de janeiro de 2019 e gravadas em áudio, posteriormente foram transcritas integralmente para tratamento dos dados. Em todos os casos foi solicitado consentimento aos participantes para a gravação da respetiva conversa e explicados os fins a que se destinava a participação dos intervenientes. Este procedimento foi formalizado com a assinatura de um documento previamente elaborado e apresentado na secção dos anexos (anexo IV).

As entrevistas têm como objetivo complementar o estudo da realidade observada com um conjunto de ideias relativas ao conhecimento social do objeto. Esta ideia tem as suas raízes numa abordagem estruturalista, cada vez mais utilizada nos estudos qualitativos sobre a construção social dos fenómenos (Flick, 2013, p. 24). Tratando-se do estudo sobre o circunstancialismo de vida de um grupo populacional, importa analisar para além dos factos expostos, observando também através do conhecimento social implícito, presente no quadro das representações sociais23 sobre o objeto. Significa isto que, se pretendem obter dados através do conhecimento e sistema de representações de um conjunto populacional que interage e se relaciona diretamente com o objeto de estudo.

Nesse sentido, foram efetuados dois conjuntos distintos de entrevistas: seis entrevistas a pessoas ciganas, cujo guião é apresentado na secção dos anexos (anexo II) com a finalidade de captar os seus pontos de vista e a sua interpretação da realidade; e dez entrevistas a pessoas não ciganas (anexo I), profissionais de várias entidades públicas que se relacionam diretamente com a população estudada em contexto profissional. Atendendo

23 Define-se representações sociais como um sistema de valores, ideias e prática com uma função dupla:

primeira, estabelecer uma ordem que capacite os indivíduos para se orientarem no seu mundo material e social e o dominarem; segunda, permitir a existência de comunicação entre os membros de uma comunidade, dotando-os de um código para as trocas sociais e para a denominação e classificação inequívocas dos vários aspetos do seu mundo e da sua história individual e grupal (Moscovici, 1973 referido por Flick, 2013, p. 24).

83 a que as entrevistas se dirigem a dois tipos de população alvo, também as variáveis e dimensões de análise são diferentes. Tanto no caso de entrevistas a ciganos e não ciganos optou-se pelo tipo de entrevista semiestruturada, em que se colocaram no guião perguntas mais ou menos abertas. Este método parte do princípio que, o facto de se dar maior liberdade ao entrevistado através de perguntas abertas ajuda a uma maior expressividade, deixando mais clara a sua perspetiva quanto ao tema (Flick, 2013, p. 94).

No caso das entrevistas aos profissionais/pessoas não ciganas, estas tomaram a forma de entrevistas a especialistas, ou seja, em causa estava um tema do conhecimento dos entrevistados, sendo que cada um expôs o seu ponto de vista relativamente ao tema. Neste tipo de entrevista, a figura central relaciona-se com o tema da entrevista e menos com as experiências do entrevistado (Flick, 2013, p. 92). Foi feito um primeiro contacto com os participantes em que os mesmos eram convidados a dar os seus contributos e marcado previamente um dia e hora para a realização da entrevista, que na sua totalidade se realizou em local escolhido pelos entrevistados.

Já no caso das pessoas ciganas, as entrevistas tomaram a forma de entrevistas etnográficas, uma vez que pretendiam recolher de forma sistematizada as experiências das pessoas relativamente ao tema da investigação (Flick, 2013, p. 93). Neste último caso, houve uma menor preocupação na escolha do momento para realização das entrevistas, estas ocorreram no decurso do trabalho de campo sem marcação prévia da data e hora, no momento em que pareceu mais oportuno, pese embora, lhes tenha sido rigorosamente explicado, no momento, o método e finalidades do procedimento.

No que respeita à análise de conteúdo das entrevistas procedeu-se a uma categorização do material bruto recolhido. A categorização não é um processo obrigatório na análise de conteúdo, no entanto, é frequentemente usada para organização no procedimento de análise (Bardin, 1979, p. 117). Se o investigador decide codificar o material bruto recolhido, deve produzir um sistema de categorias. A categorização tem como objetivo fornecer por condensação, uma representação simplificada dos dados brutos (p. 119).

No que respeita às entrevistas a pessoas ciganas, as questões foram previamente organizadas por temas, os temas são afirmações acerca de um assunto, sob a apresentação de frase simples ou composta, sob a influência da qual pode ser afetado um conjunto de formulações singulares (Bardin, 1979, p. 105). Estes temas deram origem às categorias

84 itinerância/fixação ao território, condições no local de acampamento, acessibilidades, rede de apoios, condição de habitabilidade, saúde e maternidade e perceções sobre a discriminação.

Sobre as entrevistas a profissionais dos serviços que contactam diretamente com a população cigana, a entrevista foi planeada em volta do conhecimento dos entrevistados relativamente às pessoas ciganas de Évora procurando encaminhar as respostas para os temas/categorias relacionados com os problemas que enfrentam, as responsabilidades sobre o problema social da exclusão, os apoios de que dispõem e discriminação e preconceito de que sofrem.

Entre os entrevistados não ciganos há técnicos de intervenção social e outros que não o são. Esta diferenciação de critérios foi previamente planeada para que o leque de opiniões fosse mais diversificado e representativo da opinião dos não ciganos. Entre estes profissionais encontra-se um psicólogo, um animador sociocultural, três assistentes socias, uma ajudante de ação direta, um professor, uma enfermeira e duas assistentes técnicas/administrativas. Estes profissionais trabalham em locais como centros de saúde, hospitais e outras instituições sociais que atendem pessoas ciganas nos seus serviços. Por razões de proteção e confidencialidade de dados, os profissionais serão sempre referidos no corpo do trabalho apenas por técnico ou técnico superior e identificados sempre com o género masculino.

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PARTE III - Apresentação e Discussão de