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CARACTERIZAÇÃO DA PRÁTICA INTERATIVA

3 PRÁTICA INTERATIVA: FENÔMENO DA INTERATIVIDADE NA

3.3 CARACTERIZAÇÃO DA PRÁTICA INTERATIVA

O momento atual implica um relevante diálogo entre mídia e usuário que gera novos modelos de negócios, novas relações de produção, circulação e recepção, o que resulta em profundas discussões sobre as últimas configurações da mídia televisual. Há uma necessidade de envolver os telespectadores nas tramas e nos produtos, por meio da integração com outras mídias, em uma tentativa de convite à participação. Para Jost (2007,

p.46), a televisão “põe o mundo na mão do telespectador e, como tal, depende sobretudo do toque”, o que exige, em contrapartida, engajamento.

Na realidade, as tentativas de participação e aproximação do telespectador, aliadas aos irreversíveis desenvolvimentos tecnológicos, foram e estão sendo continuamente intensificadas. Hoje existe um convívio relativamente harmônico entre uma televisão feita para ser apenas assistida e aquela que admite a participação do público. Em outras palavras, pode-se reconhecer, ao mesmo tempo, uma televisão produzida apenas para ser assistida, praticamente concentrada nas mãos dos veículos, e uma televisão que aceita a interferência do telespectador. Talvez aí esteja o maior desafio da televisão atualmente no diálogo com tantos perfis de público: (1) os simples, ou passivos, que aceitam a programação; (2) os responsivos, que reagem a ela; e (3) os efetivos, que ofertam conteúdos.

Sendo assim, falar em interatividade simples, responsiva e efetiva do telespectador é, de certa forma, acompanhar a cronologia da televisão, embora, modernamente, exista um predomínio bastante acentuado de estímulo à integração, seja pelo convite ao envolvimento, seja pela discussão criada, seja pela polêmica garantida, o que mostra o investimento em formatos interativos.

De qualquer forma, essas fases parecem conviver simultaneamente até na época da televisão digital, de acordo com as diferentes ações empreendidas pelas emissoras de televisão em cada uma dessas possibilidades interativas.

A interatividade simples, ou seja, aquela que o telespectador assiste passivamente ao conteúdo oferecido, foi a marca da televisão no seu surgimento. Mesmo que ela, sempre, previsse a participação do público, pois se tratava de uma produção de comunicação, voltada a uma audiência “desconhecida”, aos poucos a televisão foi criando espaço concreto de participação. Foi o caso dos primeiros programas de auditório, transmitidos ao vivo, que, embora marcados pelo improviso, contavam com as reações e dinâmicas da plateia. O quadro Justiça dos Homens, apresentado por Silvio Santos, nos anos 60, exemplifica a situação: nele, plateia e jurados convidados decidiam o resultado de um caso relatado, ficando a participação da plateia restrita à mera reação, sem qualquer interferência.

Também dessa época (anos 70), ainda que com tecnologia mais aprimorada, surgiu o teletexto, no Reino Unido, serviço informativo que passou a oferecer uma gama de conteúdos na forma de textos e de gráficos simples na tela do televisor, como boletins

nacionais, internacionais e desportivos, previsão do tempo, programação dos canais e legendas para deficientes auditivos.

Em 1973, apareceu o controle remoto e, consequentemente, a prática do zapping, a troca de canal sem se mover do lugar, exigiu mais empenho das emissoras na construção de suas grades para manter o telespectador ligado e garantir a audiência. Mesmo antes disso, nos anos 50, houve registros do programa infantil norte-americano Wink Dink and You (1953 e 1957), que ia além do simples ato de trocar de canal: os desenhos feitos em uma folha plástica colada na tela da televisão permitia às crianças criar novos objetos na cena do programa exibido, com a proposta de criar para o personagem soluções de enfrentamento das situações de risco (SRIVASTAVA, 2002, p. 81).

Figura 06 – Programa Wink Dink and You

Fonte: SuperRadNow29

A interatividade responsiva, foi surgindo aos poucos, caracterizadas por iniciativas que buscavam convocar o telespectador para o interior do programa, e essas ações assumiram as mais diferentes possibilidades.

Muitas atrações exibidas no canal de Sílvio Santos aconteciam em decorrência da participação do público na expressão de opiniões sobre determinada situação, quadro ou candidato que o programa viesse a apresentar. Essa participação acarretava a entrega de prêmio, condicionada a sorteios, no palco, por carta ou por telefone, como o programa Porta da Esperança.

29 Disponível em: http://superradnow.wordpress.com/2011/04/27/retro-day-winky-dink-and-you/ Acessada

Outra opção que exemplifica o mesmo movimento foi o programa Tevefone, baseado no modelo dos programas de rádio, em que a audiência telefonava para pedir determinada música. O programa era comandado por três famosos disc jockeys cariocas da época: Luiz de Carvalho, Jonas Garret e Mário Luiz Barbato, e contava ainda com a participação de músicos de sucesso. A atração ficou no ar entre 01 de maio de 1965 a 30 de dezembro de 1967 (MEMÓRIA GLOBO, 2015).

Nos anos 80, ganhou força o envolvimento do telespectador a partir de cupons que davam direito a sorteios ou cartas escritas à emissora, aos programas e aos apresentadores. As cartas, lidas publicamente quando selecionadas, de maneira geral funcionavam como sugestão de pautas ou davam conta de responder as dúvidas dos telespectadores. Essa estratégia passou pela maioria dos programas da Televisão Globo, em especial o Globo Rural, que, desde a sua primeira edição, empregava o recurso, hoje complementado por e- mails. Os telespectadores são, em geral, pessoas que vivem no campo, interessadas em tirar dúvidas sobre pragas, cultivos, receitas e, até, em propor assuntos a serem aprofundados.

Em 1986, o programa Xou da Xuxa era a atração que mais cartas recebia na emissora Globo, a maior parte delas para um sorteio de brinquedos que a apresentadora Xuxa fazia durante o programa.

Outro mecanismo criado foi a inserção do telespectador na escolha do final do programa, como Você Decide, exibido pela Televisão Globo, entre 1992 e 2000, um dos pioneiros nesse segmento, em que o telespectador poderia escolher, entre duas cenas diferentes, o final da trama. Em 1997, foi testado o formato com três possibilidades de finais, o que não obteve êxito, e exigiu da emissora a volta ao modelo tradicional. De casa, através de ligações telefônicas, pelo sistema 0800, o público fazia a sua opção e assistia, no último bloco, ao desfecho vencedor, proporcionado com a sua votação. Durante o programa, assim que a polêmica era exposta pelo apresentador, exibia-se um placar eletrônico com a computação dos votos. Dessa forma, com o emprego de outros meios de comunicação, a participação do público dissociave-se, “então, do ambiente físico, estendendo-se no espaço e proporcionando uma ação a distância” (PRIMO, 2007, p. 19).

Também nesse programa, foram introduzidos telões para serem exibidos nas praças de grandes cidades do país. Nos dois primeiros anos, Virgínia Novick e Cristina Prochaska eram as repórteres encarregadas de entrar ao vivo e de ouvir, desses espaços, algumas opiniões, depois exibidas pela emissora, o que ocorreu até 1996. No ano seguinte ao último episódio, o programa foi reprisado em Vale a pena ver de novo (no meio da tarde), mas

não obteve o mesmo sucesso, haja vista que os telespectadores criaram um website para manifestar a rejeição ao horário de exibição.

Outra proposta da Globo foi o programa Linha Direta, exibido de 1999 a 2007 e voltado à apresentação de crimes que aconteceram pelo Brasil e cujos autores estariam foragidos da Justiça. De caráter jornalístico e policial, o programa pautava-se em casos reais, tendo sempre o cuidado de captar o máximo de informações, inclusive depoimentos de envolvidos, para chegar a uma simulação dos fatos por atores profissionais, quase sempre desconhecidos. O telespectador era convidado a participar, de forma anônima, a partir de uma central telefônica 24 horas ou por e-mail. Desde sua estreia, o Linha Direta, através das denúncias, colaborou para a prisão de 431 foragidos da justiça.

Em 2008, a mesma estratégia de oferecer duas opções de escolha para o telespectador foi usada, pela Televisão Globo, no quadro Conto ou não conto, do Fantástico. Para Cannito (2010) esse recurso de interferência direta gerava no telespectador o efeito de verdadeira contribuição e a impressão de que ele estava no comando do jogo. Aliás, esse sempre foi o empenho da televisão, que depois se concretizou de forma mais objetiva no ambiente digital.

Outra iniciativa na televisão brasileira ocorreu em consequência da ação dos videogames. A proposta televisiva era comandar os destinos de um personagem, via telefone: por teclas específicas ou por comando de voz, o aparelho assumia a função de um joystick, e o desempenho do jogador/telespectador era acompanhado em rede nacional. Os exemplos mais conhecidos são os programas TV Pow (SBT 1984/1986); Hugo Game (CNT/Gazeta SP – 1995/1998) e Garganta e Torcicolo (MTV Brasil 1997/1998).

A interatividade efetiva, surgida a partir dos anos 90, caracterizou-se pela interferência mais direta da internet e das mídias sociais, o que garantiu mais espaço para a participação do telespectador na tela. A utilização de cartas e fax deu lugar ao serviço de correio eletrônico (e-mail), aliada à popularização do serviço de SMS e mensagens instantâneas, modificando substancialmente os modos de produzir e consumir televisão. As emissoras investiram na veiculação de reality e talent shows - No Limite, Big Brother Brasil, Casa dos Artistas, A Fazenda, O Aprendiz, Ídolos, The Voice Brasil, SuperStar -, o que criou um outro tipo de relação com o público, que, de sua casa, escolhia quem deveria vencer o programa ou sair da competição. É claro que muitas dessas ações, como as ligações telefônicas ou mensagens SMS, exigem um valor para participar, o que acaba

sendo outro modelo de negócio que as emissoras estimulam para garantir a sustentabilidade e rentabilizar custos para própria produção.

Esse tipo de interatividade tem sido, dia a dia, estimulado pelas emissoras, pelo seu caráter de interpelação: cada vez mais novelas, jornais, seriados, entrevistas, eventos esportivos e culturais têm convocado os telespectadores/usuários, sobretudo através das mídias sociais digitais, a se envolver na trama. Nessas novas iniciativas, configuram-se dois grandes movimentos simultâneos: de um lado, a oferta de conteúdos, feita pela própria emissora, programa, personagem e/ou ator social, em homepages, blogs e redes sociais digitais (Facebook, Orkut, Twitter, Instagram, Snapchat); de outro, a abertura de espaços, dentro dos programas, para que o público colabore, alimente e/ou interfira na própria programação televisual.

Dessa maneira, o fenômeno da interferência do telespectador/usuário vem proporcionando alterações na rotina da grade de programação, em especial em programas de exibição diária, que solicitam opiniões, cobram inserção e convocam o público através de outras plataformas de mídias. O resultado é alcançar e fidelizar o público internauta e produzir conteúdos diferenciados, o que faz com que o telespectador assuma novas configurações

Com a ajuda da internet, o sonho mais grandioso da televisão está se realizando: um estranho tipo de interatividade. A televisão começou como uma rua de mão única, que ia dos produtores até os consumidores, mas hoje essa rua está se tornando de mão dupla. Um homem com uma máquina está condenado ao isolamento, mas um homem com duas máquinas pode pertencer a uma comunidade (SELLA apud JENKINS, 2008, p. 327).

Para Shirky (2011, p.26), a mídia não tem outra escolha, se não permitir que o consumidor atue, em algumas situações, produzindo e/ou compartilhando. De acordo com o autor,

Diariamente, se acumulam provas de que, se você oferecer às pessoas a oportunidade de produzir e compartilhar, elas às vezes lhe darão um belo retorno, mesmo que nunca tenham se comportado antes dessa maneira e mesmo que não sejam tão boas nisso quanto os profissionais. Isso não quer dizer que deixarão de ver televisão negligenciadamente. Significa apenas que o consumo não será mais a única maneira como usamos a mídia.

Mesmo que as essas possibilidades de interatividade – simples, responsiva e efetiva – reflitam, de certa forma, a evolução da participação do telespectador, elas coexistem

simultaneamente na televisão atual. Os programas veiculados ora exemplificam o comando da emissora e o consequente domínio sobre o que é ofertado, ora evidenciam uma atitude da emissora, que aceita e/ou reflete a participação, ora traduzem-se como verdadeiras conexões, que dependem do compartilhamento com o público.

De maneira alguma, é possível associar uma emissora a um tipo específico de interatividade, assim como não se pode afirmar que cada tipo de interatividade evidencie uma determinada época. Em outras palavras, por mais didática que tenha sido a proposição elaborada para este trabalho, é importante ressaltar que a característica principal parece ser o convívio harmonioso e simultâneo dessas possibilidades de interatividade em todas as emissoras, com maior ou menor predominância de cada uma.

Não obstante, a relevância para esta tese é a noção de que essas diferentes possibilidades configuram práticas interativas, capitaneadas pelas emissoras de televisão, e, dessa forma, resultantes de avanços tecnológicos, que invadem a programação e interferem nos programas, sobretudo porque projetam um tipo de telespectador mais afeito às ofertas disponibilizadas e mais aberto à expressão de sua sensibilidade.

4 TEXTO INTERATIVO: CONCEITUAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA