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3 PRÁTICA INTERATIVA: FENÔMENO DA INTERATIVIDADE NA

3.1 CONFIGURAÇÃO GERAL

Estudar televisão hoje é uma tarefa complexa, uma vez que exige o entendimento de uma mídia de linguagem híbrida e em expansão, “é muito mais que um aparelho, muito mais que um sistema de transmissão. É também muito mais que os programas que esse aparelho exibe. A televisão é o encontro dos programas com seu público” (CANNITO, p. 40, 2010), é uma mídia que se ajusta ao modo de vida da sociedade.

A mídia televisual, ao incorporar diferentes linguagens oriundas de outras plataformas, assume uma relevância em países como o Brasil que concentra, na televisão, as funções de informação, educação e entretenimento para a maior parte da população. Segundo dados divulgados no Boletim de Informação para Publicitários - BIP (GLOBO, 2011), dos 58,5 milhões de domicílios do Brasil, 55,4 milhões têm ao menos um aparelho televisor.

O índice de posse de televisores atualmente é de 97,1%, referente a, pelo menos, um aparelho de televisão em cada lar brasileiro (CENSO, 2014). A TV é a mídia de maior alcance de público e tornou-se uma hibridização de mobília e eletrodoméstico nos lares brasileiros, funcionando também como agenda coletiva. Talvez por isso, a “televisão é a principal fonte de lazer e entretenimento do brasileiro. É barata, permanente, segura e extremamente rica em conteúdo” (FREITAS, 2007, p. 15).

Situados em quase todos os ambientes da casa, os televisores ocupam lugares privilegiados na sala, no quarto e também na cozinha, fazem companhia aos solitários, dão som aos lares, são as queridas das donas de casa e, geralmente, estão presentes nas horas de refeições. Inúmeros horários televisivos de maior audiência são capazes de alterar, de tal modo, a rotina das pessoas, que os telespectadores se organizam para não perderem seus programas favoritos. Nas cidades de pequeno porte, sem muitos atrativos, ela chega a organizar a vida das pessoas no período noturno, definindo o jantar e os eventos sociais para antes ou depois da telenovela. Em razão disso, Jost (2007, p.26) compreende que a característica essencial da mídia televisual não é a produção de obras, mas “a articulação cotidiana da efemeridade de um fluxo na regularidade do tempo social”.

Com isso, a televisão oportuniza a criação de vínculos, a integração de sujeitos, a possibilidade de participação em atividade coletiva e gera uma imensidade de assuntos para o debate. “Ela é a única atividade que faz a ligação igualitária entre os ricos e os pobres, os jovens e os mais velhos, os moradores rurais e os urbanos, os cultivados e os nem tanto” (WOLTON, 2003, p.72).

Dentro desse panorama, a televisão vem estabelecendo uma relação de intimidade com o telespectador, criada e instalada através de olhares e falas subjetivas na tela, configurando-se como um traço próprio da linguagem televisual. De acordo com Sarlo (1997, p. 79), “a televisão reconhece seu público, entre outras coisas, porque necessita desse reconhecimento para que seu público seja, efetivamente, seu”. De forma semelhante, Jost (2007) aborda essa relação particular de intimidade com o telespectador, afirmando que a televisão “visa primeiramente estabelecer uma ligação próxima da conversação, o que supõe uma troca franca, olhos nos olhos” (2007, p.47).

Sendo assim, ela sugere aos telespectadores modos e comportamentos de vida, tanto de forma direta como indireta, lança hábitos, modas e estilos, propõe jargões, cria produtos e faz remakes. Ela permite a milhares de sujeitos conhecerem as mais diversas

realidades e proporciona experiências distintas, sempre atuando nos limites da autenticidade e do lúdico.

A tela para o mundo apresenta ao público telespectador uma infinidade de lugares desconhecidos e distantes, que os tornam mais próximos e reais; produz realidades, que encantam, sensibilizam e surpreendem a partir da matriz ficcional; constrói parâmetros identitários, que relacionam e representam as mais diversas culturas; e por isso tudo explora o imaginário coletivo, fascinando públicos de todas as idades, gêneros e classes.

Aparentemente mais “independente” que os outros meios, a mídia televisual não exige tanta concentração dos usuários. Foi feita para o usuário ligar, encontrar o canal que lhe chama atenção, visualizar e simplesmente desligar sem ritos cerimoniais, apenas em um simples clique. E ainda, durante esse período, o telespectador pode levantar-se, ir ao banheiro, buscar algo para comer ou beber, dialogar com ela e/ou com os demais usuários. O ato de assistir à televisão pode ser desenvolvido ao mesmo tempo em que se executam outras atividades, como cozinhar, ler ou apenas pautar o cotidiano doméstico, e tudo isso serve para criar mais intimidade com a tela.

Não deixa de ser uma mistura de rádio com circo, que oferece uma janela para observar o mundo, com suas realidades diferentes, lugares desconhecidos e culturas diversas. Além de fazer companhia, gera assuntos a serem depois debatidos com outros atores, atuando na constituição da esfera pública. Assistir à televisão, mesmo que individual, é uma experiência coletiva, é fonte para os debates da comunidade, até porque ela visa às grandes audiências genéricas.

Em razão disso, os telespectadores, quando se encontram, parecem discutir em suas rodas de conversas os assuntos veiculados pela mídia televisual: são as temáticas das telenovelas, as notícias abordadas, os figurinos mais elaborados, etc. E, agora, mais atualmente, com a pulverização da internet, essa experiência coletiva de falar sobre a programação, entendida como “laço social” por Wolton (1990), ganha modificações. Há uma intensa motivação dos usuários em compartilhar, nas redes sociais digitais, o que estão percebendo sobre o produto televisivo, proporcionando o estabelecimento de novas formas de assistir e interagir.

Wolton (2003) entende que a grande missão da mídia televisiva está em oferecer, para indivíduos fisicamente separados, a integração e a oportunidade de participação em atividades coletivas, uma vez que

[...] ela é, ao mesmo tempo, uma formidável abertura para o mundo, o principal instrumento de informação e de divertimento da maior parte da população e, provavelmente, o mais igualitário e o mais democrático. Ela é também um instrumento de libertação, pois cada um se serve dela como quer, sem ter que prestar contas a ninguém: essa participação à distância, livre e sem restrições, reforça o sentimento de igualdade que ela busca e ilustra o seu papel de laço social (WOLTON, 1996, p. 65).

Ainda que a televisão por vezes se destaque como a mídia mais criticada pela comunidade intelectual, seja pela qualidade da programação, seja pelo apuro técnico e/ou estético, seja simplesmente pelo gosto particular, não se discute a sua importância como ferramenta de informação e lazer para a maioria da população brasileira. Ela está presente em todas as classes sociais, atendendo as expectativas dos telespectadores de todas as gerações. Para Duarte (2006, p. 10), a televisão “é um grande mercado de oferta de discursos à sociedade”.

Para Shirky (2011), o ato de assistir à televisão há um bom tempo é tido como atividade, que absorveu a maior parte do tempo livre dos cidadãos do mundo desenvolvido. “Desde a década de 1950, qualquer país com PIB ascendente invariavelmente presenciou uma reorganização das relações humanas; em todo o mundo desenvolvido, as três atividades mais comuns atualmente são trabalhar, dormir e ver TV” (SHIRKY, 2011, p. 11).

Não obstante, no momento atual, a mídia televisual ultrapassa uma série de provações e desafios no modelo de negócio, na compreensão e relação com o telespectador, na composição de conteúdos e na ocupação dos novos espaços on-line que se lhe impõem.

Como qualquer outra mídia, a TV também está em permanente processo de modificação para atender as expectativas da audiência. Se considerar o período de criação do primeiro canal de TV, a BBC de Londres, fundada em 1936, a televisão sempre apresentou, ao longo de todos esses anos, inúmeras transformações em seu fazer: na qualificação da imagem, na inserção na cor; no aumento do número de canais; na utilização do controle remoto; na substituição do fazer “ao vivo” pelo editado; e, mais recentemente, na adoção das tecnologias digitais.

No princípio, seu consumo era restrito a poucos, um verdadeiro objeto de luxo direcionado à elite econômica, seja pelo exorbitante valor, seja pela dificuldade na aquisição (não era fabricado no Brasil, até 1951). Na época, a televisão estreou com apenas 200 aparelhos, uma vez que o preço “de um televisor era três vezes maior que o da mais

sofisticada radiola, pouco menos que um carro” (MATTOS, 2010, p.87). Os programas eram ao vivo e marcados pela improvisação e experimentação em linguagem adaptada do rádio e do teatro. Machado (1995, p. 13), referentemente a esse período, definia a televisão como “um tipo especial de rádio”, tendo em vista, sobretudo, a estrutura operacional e a grade de programação. Para Jost (2010, p. 44), a televisão, desde sua origem, estava longe de ser uma mídia independente, fazendo apenas a síntese de técnicas e espetáculos já conhecidos, motivo pelo qual foi denominada pelo autor de intermédia.

Dado o alto valor cobrado pelo aparelho, poucas famílias conseguiam obter a tão desejada mídia. A solução encontrada era visitar todos os dias, no mesmo horário, os “televizinhos”, termo utilizado para designar as pessoas que possuíam o aparelho de TV e disponibilizavam o ambiente para uma experiência coletiva, a fim de assistir ao teleteatro exibido ao vivo pela TV Tupi, a primeira emissora de televisão no Brasil, que era acompanhada pela família reunida e em silêncio absoluto.

Na sua trajetória, de acordo com Eco (1985), podem ser configurados dois momentos específicos: o período denominado paleotelevisão ou tevê-podium (1950-1970), em que a televisão era uma janela voltada para o mundo externo, recheada de peças teatrais, concertos musicais e programas de auditório, caracterizada como um meio unidirecional e com a distinção fundamental entre informação e ficção; e o período denominado neotelevisão ou tevê-espelho (1980-1990), em que a televisão era uma janela voltada para o seu próprio mundo, com uma oferta múltipla de novas redes de televisão e uma filosofia comercial, um consumo fragmentado e um telespectador disposto à prática do zapping. Os programas na sua grande maioria envolviam competições, e os sujeitos que nela apareciam eram cidadãos comuns, não apenas aqueles de classes favorecidas.

Além dessas duas grandes fases, a mídia televisual vive, atualmente, uma outra dimensão. Duarte (2004, p. 77) reconhece o novo milênio, iniciado em 2000, como o período da pós-televisão, que faz referência ao pós-moderno, a esse ambiente de convergência midiática sob o controle do telespectador/usuário. Esse mesmo momento tem recebido denominações diferenciadas, como pós-televisão (Alejandro Piscitelli), hipertelevisão (Carlos Scolari) ou metatelevisão (Mario Carlón). É nessa esteira, também, que Missika (2006) reflete que não é mais possível distinguir os papéis de produtor e de receptor (telespectador), pois se vive, agora, a televisibilidade.

Essas três fases revelam que a mídia televisual sempre esteve em uma constante busca para se adaptar aos recursos tecnológicos, pois a televisão, como afirma França

(2012, p. 28), “modifica-se, acompanhando mudanças tecnológicas e sociais mais amplas, e ainda conforme a dinâmica cultural de cada sociedade”. De fato, a modificação contínua, o crescente investimento em tecnologias e o permanente aperfeiçoamento dos produtos televisuais parecem configurar a televisão que hoje se apresenta.