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DELINEAMENTO DO FENÔMENO

4 TEXTO INTERATIVO: CONCEITUAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO

4.1 DELINEAMENTO DO FENÔMENO

Com tantas mudanças oferecidas pelas tecnologias e, principalmente, com a chegada e pulverização da internet, inúmeros modelos passam a ser ofertados, entre os quais se reconhece o de segunda tela. Para Fechine (2013), segunda tela é

30 Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/televisao,masterchef-se-despede-ensinando-como-

uma expressão que designa a oferta de conteúdos interativos complementares e sincronizados com a programação por meio de aplicativos desenvolvidos para tablets e smartphones, por exemplo. Esses dispositivos têm sido usados também para estender virtualmente a “conversa do sofá” em torno dos programas, a partir da articulação da TV com as redes sociais (FECHINE, 2013, p.3).

De forma semelhante, Proulx e Shepatin (2012, p.85) entendem que segunda tela são todos aqueles dispositivos utilizados como companheiros da tela da televisão: é o caso dos computadores, smartphones e tablets, que possuem acesso à internet. Nesse sentido, segunda tela pode ser entendida como o espaço alternativo/duplo em que o usuário navega para obter conteúdos, podendo se iniciar pela busca de conteúdos da televisão até a internet ou, ao contrário, da internet para a televisão, e os dois caminhos são aceitos.

Os autores ainda reconhecem o fenômeno da utilização das redes sociais em paralelo ao consumo de TV, de backchannel (canal de fundo), ou seja, um canal secundário de produção de conteúdo e de discussão sobre os programas que estão sendo assistidos de forma síncrona à sua emissão.

A conversação on-line sobre um determinado programa acontece antes, durante e depois que ele vai ao ar. O canal de fundo, entretanto, é definido como a conversação em tempo real que está acontecendo através das mídias sociais durante a sua transmissão (PROULX, SHEPATIN, 2012, p.11).

Essa presença concomitante das duas telas está reconfigurando as formas de sociabilidade decorrentes do fato de assistir à tevê em conexão, o que tem transformado as métricas da audiência, o nível de participação dos públicos, as estruturas narrativas, a recepção do telespectador, acima de tudo, tem representado uma oportunidade de atualização da mídia televisual e das formas de anunciar em televisão, diante dos novos hábitos dos telespectadores.

O ato de assistir à televisão e dividir a atenção com outra tela trouxe de volta um comportamento que parecia estar ameaçado pelo videocassete ou, até mesmo, mais recentemente, pela tecnologia Video On Demand (VOD), pois dá a possibilidade de assistir à televisão em tempo real (appointment television) e garantir uma experiência coletiva, ao compartilhar informações com outras pessoas (watercooler).

De acordo com 2nd Screen Society31 (2014), nos Estados Unidos da América, a concomitância das duas telas é chamada de "Ecossistema da Segunda Tela", e possibilita a

31 A 2nd Screen Society é uma instituição que incentiva a apoia as iniciativas de produtoras e emissoras de

"experiência de engajamento da audiência,” como um elemento integrante, pelo fato de a experiência com a plataforma potencializar a reverberação do conteúdo, o que, a cada dia que passa, tem-se tornado mais comum.

Nessa perspectiva, a segunda tela revela-se como um fenômeno capaz de recuperar a característica social da televisão, pois o ambiente digital leva o público a consumir uma programação televisiva de forma coletiva, antes efetivada em espaços fechados e, agora, de forma virtual, por meio das redes sociais digitais, websites e aplicativos. Em investigação recente, produzida pelo Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (IBOPE) e divulgada em fevereiro de 2014, os dados são instigantes: 15,7 milhões de brasileiros consomem simultaneamente internet e televisão, correspondendo a 54% dos usuários de internet no país (IBOPE MEDIA, 2014).

Silva e Médola (2013, p.3), também entendendo a ação de segunda tela como o emprego de qualquer dispositivo que permita acesso à internet, de forma simultânea à programação da TV, reconhecem que esse movimento pode ser efetivado de duas maneiras: espontânea ou conduzida. A primeira é desencadeada pelo telespectador, pois acontece “sem condução ou estímulos explícitos por parte da emissora”. Trata-se de uma recorrência direta à segunda tela para que o telespectador obtenha novas informações e/ou faça comentários nas redes. Já a outra decorre de uma iniciativa da emissora, que convida o telespectador a acessar conteúdos na internet (através de computador, smartphone e tablet): seja para provocar o envolvimento do telespectador nas atividades propostas pela emissão do programa, seja para estimular a utilização de hashtag, a fim de que os telespectadores/usuários acrescentem comentários na rede.

Tendo em vista esse novo comportamento do público televisivo, Silva e Médola (2014) discutem as motivações que levam os telespectadores, de forma espontânea ou conduzida, a acessar conteúdos relacionados à televisão em outra tela. Na sua investigação, as pesquisadoras percebem que essas motivações estão ligadas a fatores como necessidade de interação, interesse de socialização e busca de conteúdo informativo/extra, enfatizando que nenhuma dessas atitudes é inovadora, apenas vêm ganhando novos significados pela possibilidade de obtenção de informação com uso das mídias digitais e da internet.

Isso vai de encontro com o que Tunstill (2016, on-line32) acredita. Para o pesquisador, uma das razões pelas quais as pessoas assistem à TV é a razão social, haja

32 Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/tv/noticia/2016/12/a-televisao-esta-mudando-diz-

vista que “o ser humano gosta da humanidade, de ser sociável, então as pessoas gostam de assistir à TV juntas. A grande maioria do consumo de televisão e de vídeo é por meio da TV ao vivo, e a razão por trás disso é humana: gostamos de compartilhar”. Assim, os telespectadores, assistem e comentam o que estão acompanhando, no Twitter e/ou no Facebook, em uma espécie de sofá virtual com o restante do mundo.

Também Lemos (2013), discutindo a mídia digital, refere a recorrência nela feita a experiências consagradas, que se ancoram em hábitos culturais conhecidos.

As análises sobre as novas mídias centraram-se nas diferenças, na morte dos antigos formatos e na superação da experiência analógica com o surgimento do digital e das redes telemáticas. Mas as práticas atuais mostram que estamos assistindo a um retorno a experiências muito similares às anteriores, com o aproveitamento das inovações sociais e tecnológicas do digital, principalmente no que se refere às possibilidades de produção de conteúdo, de compartilhamento de informação e de criação de redes sociais (LEMOS, 2013, p. 146).

Mesmo considerada uma prática emergente, a noção de segunda tela parte de hábitos culturais e de consumo já estabelecidos. A diferença agora é que o público tem a oportunidade de comentar a programação televisiva não só com as pessoas que estão fisicamente próximas, mas também com inúmeros sujeitos nas redes sociais, com interesses em comum.

O fenômeno segunda tela também é tratado por Finger e Souza (2012) como a utilização simultânea de smartphones, tablets, notebooks, entre outros, em relação à programação da TV.

Essa navegação paralela permite o consumo de conteúdos complementares (saber mais sobre a história, os atores, a trama, a trilha sonora, ou, simplesmente, onde comprar as roupas utilizadas pelos protagonistas) e a interação com outras pessoas (FINGER; SOUZA, 2012, p. 385).

Para Canatta (2014) segunda tela é a combinação entre os conteúdos: a programação da grade e a navegação na internet, independentemente de qual tela tenha sido empregada primeiro, pois não há uma relação hierárquica definitiva de importância entre os equipamentos. Sendo assim, inexiste a experiência de segunda tela, caso a televisão não exerça qualquer influência sobre os rumos da navegação na rede. A partir desse entendimento, o pesquisador apresenta uma classificação para as diferentes ações

proporcionadas pela combinação das telas, conforme experiência de navegação (direcionada e aleatória), acesso (aberto e fechado) e conteúdo (extra, consulta e conversa).

Ressalta-se, ainda, que todo esse cenário envolvendo televisão, tecnologia, internet, redes sociais e diálogos dos públicos nas redes sociais, aqui chamado de fenômeno segunda tela, também é visto por alguns autores como “TV Social”, pelo fato de esse recurso incentivar o laço social.

Fechine (2016, p. 4) reconhece a discussão fomentada e propõe a distinção, conforme a abordagem seja examinada pelas áreas da tecnologia ou da comunicação. A primeira entende a TV Social como “designação de um conjunto de tecnologias interativas focadas em redes sociais desenvolvidas para a televisão e/ou em articulação com sua programação”. Já a outra significa “qualquer conversação por meio das redes sociais digitais sobre (ou a partir de) conteúdos televisivos”. Com essa distinção, a configuração da TV Social tem como pressuposto básico a conversação em rede, produzida pelas tecnologias (desenvolvedoras de aplicativos) ou pelas empresas de comunicação (produtoras de conteúdos), geralmente com fins comercias e articuladas com a mídia televisual. O objetivo da TV Social é, de modo geral,

produzir entre telespectadores em localizações distintas o efeito de “assistir junto” a conteúdos televisivos de modo remoto, a partir do acompanhamento de determinados programas e da troca de mensagens em tempo real, numa espécie de “sofá expandido” e virtual que estimula seu engajamento com os conteúdos ofertados (FECHINE, 2016, p. 4).

Assim, o fenômeno segunda tela, associado ao de TV social, acaba sendo uma forma de a emissora mensurar a audiência e o grau de aceitação da programação, uma vez que decorre do compartilhamento de telespectadores/usuários acerca da programação veiculada.

Outra observação relativa ao fenômeno segunda tela está associada à divulgação de determinado programa e/ou alteração na sua audiência. Como a conversação sobre o produto televisual acontece simultaneamente à exibição, o fenômeno estimula a TV com hora marcada e garante futuro à mídia, conforme Cannito aponta:

(...) a evolução tecnológica torna a televisão mais televisão. Em vez de tornar essa mídia obsoleta, contribuíram para o seu amadurecimento como linguagem fundada no jogo o aparecimento do vídeocassete, do controle remoto e da televisão a cabo, a incorporação do telefone, a transmissão ao vivo, o diálogo com a internet, etc (CANNITO, 2010, p. 42).

Não se pode negar que o fenômeno segunda tela é uma realidade cada vez mais constante e atual, completamente oposta àquela situação inicial de assistência passiva à televisão. Telespectadores/usuários de todo o mundo trazem às mãos um segundo aparelho, para o jogo on-line, para conversas no whatsapp, para informações em sites e para entretenimento nas redes sociais. A Pesquisa da Nielsen33 comprova que 25% dos telespectadores colhem informações sobre a grade de programação nas redes sociais, fazendo com que, a partir dos conteúdos carregados nas timelines, o internauta ligue ou mude de canal de TV. Sendo assim, para não perder a audiência, os programas devem dividir a atenção com outras mídias e criar estratégias que reúnam TV e meios digitais, dando oportunidade de participação ao telespectador/usuário.

Convém ressaltar a relevância de encontrar oportunidades, que favoreçam as conversas e proporcionem o engajamento dos telespectadores, enquanto assistem à televisão ou navegam na internet. Por essa razão, as emissoras devem ter ciência de que rejeitar esse movimento pode constituir uma perda significativa de audiência e um prejuízo expressivo à empresa.

Em síntese, o fenômeno segunda tela, quando sugerido pela emissora, traduz os movimentos para obter determinados resultados, ou seja, são os cálculos, as previsões, tudo aquilo que é delineado, da ordem do planejamento, para:

- estabelecer uma relação interativa entre público e emissora, ou, em outras palavras, criar situações que estreitem esse viés interativo com telespectador/usuário;

- conferir poder ao telespectador, que passa a ser responsável pelos rumos do programa;

- captar a audiência digital para o meio televisivo (através de postagens nas redes sociais e nos portais da emissora, programa, produto, personagem, embaixador da marca);

- induzir a audiência televisiva ao meio digital (através de remissões feitas por atores, âncoras, jornalistas, personagens, para sites, blogs, redes sociais e aplicativos);

- permitir a participação do telespectador/usuário na programação em tempo real; - possibilitar o engajamento on-line;

- estimular o emprego de hashtags;

33 http://www.nielsen.com/us/en/insights/news/2014/living-social-how-second-screens-are-helping-tv-make-

- realizar ações com influenciadores digitais, os quais por sua vez estimulam a ação do público;

- ofertar aplicativos que produzam engajamento.

Todos esses movimentos buscam como finalidade, da ordem do resultado, fidelizar e aumentar a audiência; mostrar a capacidade da empresa em termos de mobilização de público, a partir de chamamento constante, pela mídia digital, de programas da grade; revelar a capacidade da empresa em termos de mensuração, de números de acesso, de alcance do programa, de aceitação de público; apresentar a superioridade da emissora, em atualização tecnológica; mostrar as inovações na programação com essa atividade interativa; divulgar o desempenho da emissora, programa ou produto; e valorizar o programa e a programação.

Na verdade, o que a televisão pretende é provocar efeitos no telespectador. Ao disponibilizar certas operações e ofertar recursos na tela, acaba gerando efeitos de sentido de temporalidade, espacialidade, interatividade e visibilidade, assim, representados: de tempo – de agora, de ao vivo, de instantaneidade, de assistir junto, de estar compartilhando a mesma experiência com outras pessoas, no mesmo momento; de espaço – de presença, de estar junto; de interatividade – de encontro, de experiência, de trocas de mensagens, de fazer parte, de participar da produção televisual, de diálogo com outro (produtor e receptor); e de visibilidade – de estar na tela, de aparecer na televisão, de ser visto.