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Análise de dados

C) Navegador experiente ou leitor seletivo da tela: É aquele que domina a

7. Leitura de textos móveis e telejornalismo news na escola: o que dizem e como procedem os estudantes?

7.1 Caracterização dos textos móveis do telejornalismo news

As definições de texto sofreram inúmeras e profundas transformações ao longo da história. Desde suas representações, caracterizações e formas de apresentação, os

registros da palavra escrita parecem acompanhar os processos de mudança pelos quais os homens e seu conjunto existencial, a sociedade, atravessam. Em termos de definição, podemos dizer que as mais tradicionais retratam texto como encadeamento de signos linguísticos, mais breves ou mais longos, detentores de certas regras combinatórias (SANTAELLA, 2007).

Determinados ramos do conhecimento, expandiram tanto a definição quanto o sentido de texto, conforme Santaella (2007). A semiótica expandiu a abrangência de texto para além da linguagem verbal, incluindo peças e partituras musicais, pinturas, sinais de tráfego, vestimentas, entre tantos outros. De forma análoga, o domínio intitulado Bibliografia, cujo expoente é o pesquisador inglês Mackenzie (2005), expandiu a categoria texto para “dados verbais, visuais, orais, numéricos e em forma de mapas, impressos e músicas, arquivos de registros sonoros, de filmes, vídeos e a informação computadorizada” (MCKENZIE, 2005, p.31).

Já o proeminente historiador da leitura, Chartier (2002), contribuiu para o debate ao referir-se à existência de non book texts, isto é, textos propostos à leitura em forma distinta da livresca, e dos non verbal texts, em referência àqueles que utilizam ou não o recurso da linguagem verbal. Poderíamos, ainda, citar outras teorias ou mesmo tratar das já mencionadas de maneira mais minuciosa, contudo, longe de minimizar a complexidade do assunto, interessa-nos dizer que o que esses redimensionamentos fazem é levar o conceito de texto mais à frente da classe dos objetos impressos.

Assim, se por um lado, o grande feito do ourives alemão da Mogúncia, Gutenberg, foi o de instaurar um novo modo de reprodução de textos, que desencadeou a mudança de uma leitura intensiva (poucos textos lidos repetidas vezes) para uma extensiva (maior quantidade de textos lidos menos vezes), mas sem ocasionar modificações nas formas de apresentação da escrita; por outro, na atualidade, instaura- se uma “nova maneira de se produzir o texto escrito na fusão com as outras linguagens, algo que transforma a escrita em seu âmago, colocando em questão a natureza mesma da escritura e dos seus potenciais” (SANTAELLA, 2007, p.294).

Portanto, as definições textuais do passado, muitas ainda em voga, dificilmente se sustentam ou se sustentarão em face das transformações ocorridas no período presente. Se o século XX, conforme Santaella (2007), foi como o século da

convivência e da coexistência, o século XXI tem se mostrado como o da integração, da mestiçagem ou, para utilizar expressão do momento, da hibridização. Em suma, o momento é o da “integração do texto, das imagens dos mais diversos tipos, fixas e em movimento, e do som, música e ruído, em uma nova linguagem hibrida, mestiça, complexa” (SANTAELLA, 2007, p.286).

Parece não restar dúvida, o universo da linguagem atravessou mutações significativas nos últimos tempos. A esfera midiática e a hipermidiática levantaram novas questões sobre as formas de comunicação, informação e relacionamento entre os homens. Apresentaram novas pautas para o debate sobre a escrita, sobre o som e sobre a imagem. No caso do suporte que temos estudado, a questão se coloca de modo mais que evidente, afinal, congrega as três matrizes da linguagem – oral, escrita e imagética - dentro de um tronco comum, de modo que, como diz Santaella (2007), elas se misturam no ato mesmo de sua formação. Assim, criam-se “sintaxes híbridas, miscigenadas. Sons, palavras e imagens que, antes, só podiam coexistir passam a se co-engendrar em estruturas fluidas, cartografias líquidas” (SANTAELLA, 2007, p.294).

Nesse ponto, temos subsídios suficientes para que possamos caracterizar os textos móveis da Record News, para, em seguida, discutirmos as ações de leitura dos estudantes nesse suporte:

a) Os textos móveis são estruturas textuais objetivas, coesas e sintéticas: são

textos que apresentam poucos dispositivos paratextuais, sobretudo, se comparados com a maior parte dos materiais de origem impressa, ainda que o suporte que os ofereça à leitura se caracterize, fundamentalmente, pela riqueza semiótica. Trata-se de um ambiente em que vários dispositivos se ajustam na tela, gerando uma interface visual que pouco se compara com a de outros precedentes. Neste aspecto, a primeira e principal comparação que pode ser feita é com a estrutura hipertextual, pois, também, é dotada de substancial riqueza sígnica. Além disso, os enunciados são simples, pouco eruditos e concisos, o que demonstra que são direcionados a uma pluralidade de públicos. Vale explicar que a característica coesiva de tais textos refere-se

unicamente ao fato de que são escritos no intuito de minimizar possibilidades de dúvidas. Diferente do que diz Santaella (2007) em relação às estruturas textuais com alta coesão, cuja característica básica é a de oferecer ao leitor uma organização linear, que lhe permite ir e voltar, o quanto e quando considerar necessário durante sua trajetória rumo a um fim prescrito, no texto móvel, a escolha de movimentar-se, para frente ou para trás, deve se basear em previsões e antecipações, pois o texto permanece por poucos segundos na tela. Já a característica referente à estrutura sintética, diz respeito à sua associação à lógica binária da linguagem – associada à velocidade -, bem como a seu potencial de procura por proximidade com a interatividade humana (COLOMBO, 1994; CARDOSO, 2007).

b) Os textos móveis são estruturas textuais modulares: os textos em

movimento são compostos por módulos independentes de informação, os quais, em conjunto, oferecem blocos de informação ao leitor. Ao invés de um fluxo linear de texto, como num livro, revista ou jornal impresso, os textos em movimento rompem com essa estrutura, estabelecendo um processo dinâmico de leitura, pois a linearidade textual cede lugar a unidades ou módulos de informação. Contudo, isto não os caracteriza como fragmentos de textos ou textos fragmentados, mas, como exposto acima, em estruturas textuais objetivas, coesas e sintéticas, que devem ser fáceis de ler, pois devem ser lidas rapidamente.

c) Os textos móveis são estruturas textuais em circuito e a-sequenciais: os

textos, ou enunciados, trabalham em circuito, isto é, apresentam-se em movimento, transitando pelo suporte, em faixa específica da tela, que lhes é destinada. Sempre efervescentes e em constante mudança, diferenciam-se dos textos de suportes mais tradicionais, de páginas impressas, por não serem estáticos, imóveis e inalteráveis. No telejornalismo news, a cada instante, novas pautas chegam à redação, as quais, rapidamente, são transferidas à tela, em forma de matérias ou, antes disso, na forma de textos móveis. Unidades textuais que já estejam em circulação, podem sofrer alterações, sobretudo em virtude de informações mais recentes. As unidades que

compõem um circuito não seguem uma sequência temática ou temporal. O rodízio depende do fluxo de notícias, por isso, em certos dias, nota-se uma maior quantidade de unidades e blocos textuais sobre temáticas diferentes, noutros uma menor.

d) Os textos móveis são estruturas textuais multitemáticas: Apresentam,

como dito acima, grande variedade de temas nas unidades e blocos de informação. Os textos retratam tanto assuntos que já foram tratados como temas que ainda vão ser matéria nos telejornais da emissora. Todavia, nem todos foram ou serão matéria, algumas notícias são transmitidas apenas na forma verbal escrita, o que pode gerar confusão para o espectador-leitor desavisado, que pode passar algum tempo diante da tela à espera de assistir â notícia anunciada na legenda, quando ela possui referência apenas naquele formato. Os textos não fazem cruzamento entre os enunciados escritos e os orais. Cabe, novamente, ao espectador-leitor realizar os nexos entre as informações que lê, ouve e vê.

Tendo conhecimento sobre as características dos textos em movimento, em que pese contribuições de Santaella (2007) para tais demarcações, parece difícil não nos interrogarmos acerca da persistência de um modelo de leitura, e de seu ensino, mecânico e unidirecional, de correspondência grafema-fonema, “ao qual responde a

leitura passiva, que a escola fomenta, prolongando a relação do fiel com a sagrada

escritura, que a Igreja havia instaurado tempos atrás” (MARTIN-BARBERO & REY, 2001, p.57). Ele persiste mesmo diante de todos os dispositivos e suportes de leitura hoje existentes, que geram inúmeras formas de armazenamento, circulação, difusão e classificação de informações e conhecimentos, muito mais versáteis, contextualizados e disponíveis.

Dessa forma, acreditamos, com fundamento em Martin-Barbero & Rey (2001), que ao propalar a dita crise da leitura entre os jovens e atribuí-la à sedução perniciosa, maligna, dos meios de comunicação ou, para falar como os autores, das tecnologias da imagem, a escola se furta ao debate e ao questionamento que precisa fazer a si mesma acerca da reordenação que as sociedades vivem em relação às linguagens e a escrita,

que geram transformações nos modos de ler e nas concepções sobre o significado desta atividade, “deixando sem apoio a obstinada identificação da leitura com o que se refere somente ao livro e não a pluralidade e heterogeneidade de textos, relatos e escrituras (orais, visuais, musicais, audiovisuais, telemáticos) que hoje circulam” (MARTIN- BARBERO & REY, 2001, p.58).

São muitos os questionamentos que se impõem ao ensino no século XXI. E quando falamos em questionar o ensino, não nos referimos exclusivamente à escola básica, mas a todo o sistema educativo, inclusive as faculdades de educação, responsáveis pela formação de formadores de leitores.

No próximo item, deste mesmo capítulo, responderemos a algumas das interrogações teóricas que motivaram e movimentaram esta pesquisa, dentre elas: Pode o leitor prestes a concluir um ciclo educacional obrigatório aprender a ler textos em movimento? Mas isto será feito não sem antes lançarmos outros questionamentos, mais incisivos, não de nossa autoria, mas de Martin-Barbero & Rey (2001):

Que significam aprender e saber no tempo da sociedade informacional e das redes que inserem instantaneamente o local no global? Que deslocamentos cognitivos e institucionais estão exigindo os novos dispositivos de produção e apropriação do conhecimento a partir da interface que enlaça as telas domésticas da televisão com as laborais do computador e as lúdicas dos videogames? Está a educação se encarregando dessas indagações? E, se não o está fazendo, como pode pretender ser hoje um verdadeiro espaço social e cultural de produção e apropriação de conhecimentos? (MARTIN-BARBERO & REY, 2001, p.58).