• Nenhum resultado encontrado

2. Constituição do campo de pesquisa sobre leitura no Brasil

2.3 Contexto atual (2000 – 2010)

Os focos de interesse elaborados por Ferreira (1999) nos auxiliam satisfatoriamente a compreender a formação e a expansão do campo de pesquisa sobre leitura no Brasil, especialmente no período que se estende de 1965 a 1995, porque a autora organiza os estudos, desenvolvidos durante o período, tendo como linha de referência preocupações comuns a pesquisadores situados em diferentes localidades e instituições do território nacional. Todavia, o recorte temporal finda-se em 1995, deixando um hiato de mais de uma década, em que ocorreram significativas mudanças nos cenários político, econômico e social brasileiro, assim como substanciais avanços técnicos e tecnológicos, dos quais decorreram e decorrem novas práticas educativas e novos suportes textuais. Pensando nisso, tomamos a decisão de examinar pesquisas desenvolvidas na última década, no intuito de verificar, mesmo que de maneira muito restrita, preocupações que movimentaram e movimentam o campo de estudos sobre leitura no Brasil nos últimos anos.

Nesse sentido, a intenção é simples: verificar o que tem sido pesquisado sobre leitura nos últimos anos, num recorte específico e limitado, a fim de verificarmos quais preocupações movimentaram o campo nesse período. Para isso, nos direcionamos às dissertações e teses defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista, campus de Marília (unidade em que esta pesquisa foi desenvolvida), no período de 2000 a 2010. Mesmo se tratando de um escopo bastante reduzido, principalmente se comparado ao de Ferreira (1999), localizamos um volume razoável de trabalhos. Contudo, tal volume não corresponde à totalidade de estudos defendidos durante o período na instituição, pois realizamos a busca no banco de teses e dissertações online, no qual, nem todos os trabalhos encontram-se registrados. Além disso, não tivemos acesso aos estudos desenvolvidos em período anterior ao ano 2000, daí o recorte temporal acima delimitado.

Contudo, mesmo não se tratando da totalidade de estudos, podemos afirmar que os 30 registros localizados são representativos de boa parcela do que vem sendo desenvolvido na instituição. São pesquisas que possuem como foco central as séries iniciais, desde a Educação Infantil ao Primeiro Ciclo do Ensino Fundamental, em que

destacam-se títulos como: A leitura como prática cultural e o processo de

escolarização: as vozes das crianças; A Literatura Infantil como meio para a

formação da criança leitora; Formação de leitores na Educação Infantil:

contribuições das histórias em quadrinhos; Educação Infantil e Ensino Fundamental:

bases orientadoras à aquisição da leitura e da escrita e o problema da antecipação da escolaridade; O faz-de-conta como atividade promotora de desenvolvimento infantil e

algumas contribuições acerca de suas implicações para aprender a ler e escrever. São pesquisas fundamentadas em diferentes aportes teóricos, bem como operacionalizadas por diferentes instrumentais metodológicos. Formulações de Bakhtin e Vygotsky sobressaem-se em relação as bases teóricas, assim como a pesquisa-ação e o estudo de caso do tipo etnográfico em relação ao amparo metodológico. Para que se possa esboçar uma visão mais aprofundada, detalharemos alguns estudos, como o de Cruvinel (2010), intitulado A leitura como prática cultural

e o processo de escolarização: as vozes das crianças, em que, como sugere o próprio título, a autora se debruçou sobre as relações do processo de escolarização e o de apropriação da leitura, tendo como fonte as vozes das crianças.

O trabalho foi desenvolvido na cidade de Marília-SP, numa escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental. A coleta de dados se orientou pelo estudo de caso do tipo etnográfico e a sustentação teórica alicerçou-se em Bakhtin e Vygotsky. A pesquisadora acompanhou a trajetória percorrida pelos estudantes com a leitura desde o último ano do Ensino Infantil até meados do primeiro ano do Ensino Fundamental, período em que o ensino de leitura ganha estrutura mais sistemática. Percorrer essa trajatória possibilitou à autora, entre outros aspectos, compreender o papel que a instituição escolar exerce na apropriação do ato de ler pelos pequenos aprendizes. A conclusão foi a de que, para as crianças, a leitura se caracteriza como prática cultural; contudo, a escola ignora tal fato, o que distancia os estudantes dessa atividade.

Outro foco importante de estudos é o atinente à leitura de jornais. Trata-se de um dos pontos fortes do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP/Marília. Temática que se apresenta com relevo no cenário acadêmico brasileiro atual. Neste foco, aparecem estudos desenvolvidos tanto na cidade de Marília como noutras localidades do país, inclusive, no exterior. Dentre os principais títulos, podemos destacar: A leitura de jornais impressos e digitais em contextos

escolas pública e privada do município de Cascavel – PR; Leitura de jornais em

famílias de estudades de escola públca de Ensino Fundamental; Leitura do

fotojornalismo na escola: uma experiência com alunos da escola básica; e Aprender a

ler jornais no Ensino Fundamental.

Os trabalhos de Arena (2008) e Ferreira (2008) podem ser citados como representativos deste núcleo. O primeiro, uma tese, A leitura de jornais impressos e

digitais em contextos educacionais: Brasil e Portugal, busca compreender práticas de leitura em contextos histórico-culturais diferentes. A autora empreendeu pesquisa de campo, com base no expediente metodológico da pesquisa-ação, na cidade de Marília- SP e na capital portuguesa, Lisboa. O trabalho foi desenvolvido com grupo de 6 professoras e 30 alunos, em situação de leitura de jornais impressos e on-line. A pesquisadora se dedicou, dentre outras coisas, aos usos do jornal em sala de aula e às atitudes de leitura transportadas de um suporte para outro, sobretudo do impresso para o digital. As constatações dão conta de que o jornal é um material ainda distante dos estudantes e não integrado à programação escolar; do mesmo modo, o uso pedagógico da tecnologia não se faz com a simples disponibilização do aparato, é preciso ensinar, criar condições para que o aluno se aproprie, sobretudo quando apresentada como suporte de leitura. Além disso, a pesquisadora destaca que os alunos lusitanos apresentaram maior facilidade na apropriação do material jornalístico, fato que pode ser atribuído à distribuição gratuíta de periódicos na cidade de Lisboa e em seu entorno.

O segundo trabalho, de Ferreira (2008), consiste numa dissertação, desenvolvida na cidade de Assis-SP. O público alvo foi alunos de Ensino Fundamental e suas famílias, de uma escola pública de região periférica do muncípio. A operação de pesquisa se baseou na assinatura de jornais por seis meses para os estudantes e suas famílias, em que, dos quatro grupos participantes, dois receberam, em suas casas, o periódico Folha de S. Paulo, e dois o periódico local, Diário de Assis. A autora visitava as famílias no intuito de verificar a interação entre estudantes, familiares e jornal, bem como o modo como se apropriaram do material e a interferência desse processo na formação leitora dos jovens. Os resultados alcançados apontam para uma mudança de atitude em relação à leitura de jornal, pois o contato dos jovens e suas famílias com os periódicos permitiram-lhes romper com representações pré-

estabelecidas, assim como compreender usos, função e importância do material jornalístico para a vida social.

Outro aspecto notável, com base nos títulos de algumas pesquisas, é o que se dirige para interface entre aparatos tecnológicos e leitura. Alguns trabalhos do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP/Marília se voltam para organização dos textos online e para modos de leitura na tela. Nesse aspecto, três trabalhos se voltam para o tema: o estudo já mencionado de Arena (2008), o de Oliveira (2008) e o que desenvolvemos em nível de mestrado (Ghaziri, 2008), outrora mencionado. É importante dizer que os dois primeiros possuem o jornal como objeto e o terceiro as maneiras de ler na tela, independente da natureza textual.

O trabalho de Oliveira (2008) consiste num estudo com alunos de Ensino Fundamental, de uma escola pública do oeste paulista, interessado na leitura de fotografias jornalísticas, em suporte impresso e eletrônico. A pesquisadora desenvolveu um jornal escolar, produzido em colaboração com os alunos, nos padrões do gênero digital blog. Uma proposta de grande valor, uma vez que promoveu o aprendizado colaborativo, motivou os alunos à prática da escrita, bem como os inseriu num espaço de debate amplo com visitantes do blog.

A pesquisa de desenvolvemos (Ghaziri, 2008), também uma dissertação, apresenta dados resultantes de um trabalho com alunos de Ensino Fundamental em situação de leitura no impresso e na tela. A atmosfera criada para as atividades foi a de pesquisa escolar, em que os estudantes partiam em busca de respostas a questões sugeridas pelo pesquisador após um debate sobre temas de natureza histórica. Dentre os temas de pesquisa, a título de exemplo, podemos citar a configuração da família no Brasil Colonial e no contexto atual.

O estudo apresenta uma contextualização histórica do ato de ler, especialmente voltada para as mudanças de materialidades que serviram de suporte aos textos ao longo dos tempos, em que, com base em Machado (2007), defendemos a ideia de que os suportes de textos não se modificaram ao longo da história por simples substituição, mas por um processo de fusão de estruturas. Portanto, gradativamente, por meio da incoporação de estruturas ou elementos de seu antecessor o suporte mais recente ganha vida e conquista leitores.

Além disso, como cerne do trabalho, analisamos o modo como estudantes desenvolvem suas leituras na tela do computador, buscando identificar modos de ler, estratégias mobilizadas, processo de atribuição de sentido, bem como modos de operar o pensamento. As conclusões apontam para a existência de perfis ou tipos de leitores da tela do computador, a saber: o navegador novato ou leitor ingênuo da tela, o navegador aprendiz ou leitor contingente e o navegador experiente ou leitor seletivo da tela. Tais perfis, elaborados com amparo de Santaella (2004), espelham as atitudes apresentadas pelos estudantes nas atividades de leitura. Já o processo de atribuição de sentido se mostrou procedimento de união de fragmentos de informação, uma vez que os leitores-navegadores trafegavam pelos vários links hipertextuais em busca das respostas que os motivam à pesquisa, coletando informações em cada um deles, tecendo um texto próprio, ainda que com as palavras de outrem.

Por fim, cabe mencionar outros focos interesse que ainda aparecem nas pesquisas defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP/Marília no período de 2000 a 2010, são eles: Formação de Professores; História do Ensino de Língua e Leitura; Memória e Representações; Educação Inclusiva; Dificuldades de Aprendizagem; Biblioteca Escolar e Leitura de Mulheres. Em última análise, a incursão pela trajetória constitutiva do campo de pesquisa sobre leitura no Brasil nos permite compreender que ele não é um espaço tolhido pela acumulação de pesquisas de mesmo tema ou que partilham abordagens únicas. Diferente disso, trata-se de um espaço heterogêneo, caracterizado por múltiplos olhares e vozes, cujo movimento social, histórico e cultural do mundo e do próprio homem desperta novas demandas, bem como pode sustentar outras. Trata-se de um campo, cujos pesquisadores, das mais diferentes áreas, estudam problemas desde os mais diferentes pontos de vista e com olhar direcionado para os diferentes locais e suportes em que o ato de ler acontece. Assim, no próximo capítulo, temos caminho aberto para realizarmos incursao semelhante, embora por outras veredas, a saber: a dos estudos midiáticos no Brasil.

3. Panorama dos estudos midiáticos no Brasil

Por se tratar de um trabalho que se dedica à leitura em suporte televisivo, estabelecemos como matéria do presente capítulo um panorama, ou resgate, de algumas das principais teorias midiáticas que vigoraram ao longo do século XX no mundo e no Brasil, embora não deixemos de lado alguns dos novos problemas emergentes no corrente século. Intentaremos situar historicamente as várias concepções, buscando identificar as que melhor se coadunam com nosso objeto de estudo, bem como com o material obtido na pesquisa de campo, porque, ao passo que colhíamos as falas dos sujeitos, delineava-se como necessária uma melhor compreensão da mídia, mais especificamente, da mídia televisiva, situada num contexto, sobre o qual deveríamos ter muita clareza, que é o da comunicação em larga escala.

Ademais, resgatar teorias, ideias e autores, remexendo no baú da história, nos fazia a todo o momento refletir sobre como penetrar nesse imbróglio criticamente, de modo a compreendê-lo, mas a não julgá-lo, pois, por se tratar de um estudo que toma a televisão como suporte de textos, não se poderia deixar de lado sua dimensão midiática. Assim, se com Ricoeur (1985) tentamos refletir sobre as relações do mundo do texto com o mundo do leitor, ao estudarmos a TV como espaço de leitura na escola, surgiu a necessidade de compreendermos o mundo da mídia em sua relação com o mundo dos alunos.

Assim, empenhamo-nos no levantamento histórico desse contexto, pois estávamos diante de jovens que nos relatavam suas experiências em relação a seus processos de informação, parte constitutiva da percepção que possuem da realidade e sobre os quais era necessário discernimento para compreendermos as práticas de leitura, nesta tese entendidas como atos de cultura. O esboço aqui realizado não dá conta, obviamente, de todas as teorias e de todos os autores. A área de estudos da comunicação é notavelmente conhecida pela grande quantidade e riqueza de escritos. Selecionamos aqueles que pareceram mais vigorosos em face ao escopo desta tese.

Vale ainda dizer que as linhas a seguir abrem caminho para os próximos capítulos, uma vez que afunila a discussão sobre a presença dos meios de comunicação na escola, especialmente, o uso da televisão e do telejornal em sala de aula, bem como para o surgimento e configuração do telejornalismo news.