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2. Constituição do campo de pesquisa sobre leitura no Brasil

3.2 O meio, a mensagem e as extensões do humano

É quase inevitável não vir à mente o nome de Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) ao lermos ou escutarmos algo a respeito do binômio meio- mensagem. Seu nome, sua teoria, suas suposições (algumas concretizadas, outras

não) ecoaram pelos corredores universitários de quase todo o planeta. Foram eixos de discussões em um grande número de encontros, simpósios e congressos, nos quais, foi tratado ora como gênio, ora como mistificador. Sua obra gerou e continua a gerar polêmica, mesmo entre aqueles que a consideram carcomida pelo tempo.

Todavia, é importante atentar para o momento de surgimento da obra mcluhaniana, os anos de 1960, período crucial da história do desenvolvimento técnico e tecnológico, iniciada com a ida do homem ao espaço sideral, o soviético Iuri Gagárian, e finalizada com as imagens do astronauta Neil Armstrong

flanando sobre as crateras lunares. A década de 1960 ainda é aquela em que a

televisão desfilou como a mais sedutora das novas novidades, sobretudo pelo início das transmissões em cores. Nesse período, foi criado o primeiro circuito integrado pela IBM, o chip, assim como a rede Arpanet, embrião da Internet; além do início do uso comercial da informática.

Foi nesse fértil contexto em que o ensaísta canadense produziu sua obra, que é um tanto vasta, mas a respeito da qual nos limitaremos a dois de seus trabalhos: Visão, Som e Fúria (1954) e Os meios de comunicação como extensões

do homem (1969). O primeiro, um pequeno artigo, originalmente publicado na

revista Commonweal, em 1954, portanto, anterior as suas obras clássicas. Nele, o autor anuncia algumas de suas teses centrais, como a da relação entre o canal/meio e a mensagem. O segundo, uma de suas principais produções, é abrangente em relação à boa parte de seus postulados. Neste, McLuhan (1969) defende a premissa de que os meios de comunicação seriam extensões do corpo físico e do sistema nervoso humano, como o próprio título da obra sugere.

Em Os meios de comunicação como extensões do homem, o autor categoriza os meios em quentes, como rádio e cinema, e frios, telefone e televisão. O princípio básico dessa distinção seria o prolongamento gerado pelo meio de um único dos sentidos humanos e em alta definição. Entenda-se por alta definição uma condição de saturação de dados. Ou seja, um meio quente, seria aquele que fornece uma grande massa de informações, deixando pouco espaço a ser preenchido pelo público. Por outro lado, os frios, forneceriam apenas uma magra quantidade de dados.

O autor volta-se para o problema com um olhar interessado nos canais e nos códigos, os quais, segundo Bosi (2008), seriam os meios e os sistemas de sinais específicos. Nessa perspectiva, McLuhan (1969) abre Visão, Som e Fúria, relembrando algo dito pelo poeta sul-africano Roy Campbell (1901–1957), em visita à América, segundo o qual, quando o também poeta e escritor Dylan Thomas (1914–1953) descobriu que poderia ler sua poesia no rádio, ela transformou-se, e para melhor: “Thomas descobriu uma nova dimensão da sua linguagem quando estabeleceu uma nova relação com o público” (MCLUHAN, 1969, p. 143).

Conforme Bosi (1998), a referência de McLuhan (1969) à mudança ocorrida na poesia de Dylan demonstra de maneira robusta a dinâmica de seu pensamento, o qual, em termos gerais, se traduz na subordinação ao “uso do novo canal (rádio) os fatores emissor (o poeta Dylan), o receptor (a audiência do programa) e a própria mensagem (o texto poético a ser transmitido)” (BOSI, 2008, p.49). Nesse sentido, ao tratar da televisão, o autor afirma que ela, um meio frio, demanda participação intensa e sensorial, o que já denota o teor entusiasta de sua abordagem. Para McLuhan (1969), essa participação “é profundamente cinética e tátil, porque a tatilidade é a inter-relação dos sentidos, mais do que o contato isolado da pele e do objeto” (MCLUHAN, 1969, p.145). Tal incumbência (de participação) não seria motivada pelo conteúdo ou pela programação, mas pelo próprio canal. Afinal, se o meio é a mensagem, as características intrínsecas à televisão, ou a qualquer outro meio, afetam as mensagens transmitidas.

Por isso, segundo o autor, seria infundada qualquer crítica ao conteúdo das transmissões, que como um véu sobre os olhos não permitiriam aos críticos, tributários da cultura letrada, ver o mosaico da televisão como uma tecnologia nova, que despertaria novas mobilizações sensoriais. McLuhan (1969) ataca duramente a postura de alguns intelectuais da época, especialmente, os que viam os novos meios com certo ressabio. Para ele, seus companheiros seriam semiletrados, “que se orientam pelos livros e que não conhecem a gramática do jornal, do rádio ou do cinema, tendendo a olhar torto para todos os meios não - livrescos” (MCLUHAN, 1969, p.353). Os homens de pensamento não percebiam que cada “nova tecnologia é uma nova extensão de nós mesmos. Cada meio que surge é uma nova possibilidade de expressão para o homem” (BOSI, 2008, p.49).

Nessa perspectiva,

As diferenças entre a comunicação oral e a escrita são diferenças de ordem semântica, psicológica e sociológica e geram diferentes comportamentos e percepções. O olho do leitor, buscando um significado após o outro, faz uma codificação linear do real. As novas linguagens eletrônicas exigem uma outra codificação, simultânea, que recupera, de uma certa forma, a percepção do homem pré-letrado. O livro isola, a palavra falada agrupa. O livro leva ao “ponto de vista”, uma atitude crítica, a palavra falada implica uma participação emotiva (BOSI, 2008, p.54).

Portanto, a constituição histórica dessa terra incógnita que é o aparelho sensorial, em que os sentidos encontram-se separados e especializados, com a visão se sobrepondo aos demais, não resistiria às emissões radiofônicas e televisivas “que devassam a grande estrutura visual do Homem Individual abstrato” (MCLUHAN, 1969, p. 353).

Sobre as crianças, no que tange à leitura, tal efeito, conforme o acadêmico canadense, se daria da seguinte maneira: aos pequenos estudantes é ensinado a ler a uma distância média de 15 centímetros da página, independente das condições de visão de cada um. Levam à tecnologia quente do texto um modo de operar o pensamento rápido e engajado. “Prestam atenção, investigam, aquietam-se e envolvem-se em profundidade” (MCLUHAN, 1969, p. 346). Tal aparato (mental), levado para o impresso, é fruto do envolvimento demandado pelo mosaico da TV. Porém, a imprensa o rejeita. As crianças tentariam, então, inutilmente, envolver - se em profundidade. A tecnologia quente da escrita, com seus padrões uniformes e lineares, exige apenas “a faculdade visual nua e isolada, não sensorialidade unificada” (MCLUHAN, 1969, p. 346).

Em suma, as asserções mcluhanianas definem os meios de comunicação como vetores da configuração das mensagens. Além disso, os meios influenciariam a escala e a forma das associações e trabalho humanos. Eles (os meios tecnológicos) seriam extensões do próprio intelecto e das capacidades humana. O que faz a atenção sobre a mídia voltar-se para o que é de novo introduzido por ela no universo psíquico. Ele reconhece os mass media como potenciais agentes de informação, no entanto, sua abordagem é em alguns

momentos demasiadamente eufórica. Segundo Bosi (2008), apesar de expor com muito brilho suas ideias, o acadêmico canadense vê com lentes de aumento os efeitos dos meios; além do mais, reduz toda a problemática à estrutura do canal.