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De acordo com a lei que aprova a sua orgânica, Lei n.º 53/2007 de 31 de agosto, a PSP é “uma força de segurança, uniformizada e armada, com natureza de serviço público e dotada de autonomia administrativa”, possuindo como missão o exposto na Figura 5, de acordo com os termos da Constituição e da lei, que estão sustentados no art.º 272.º, n.º 1 da Lei Fundamental, com a epígrafe Polícia, e no art.º 1.º, n.º 2 da LOPSP.

Atendendo ao facto de na CRP a disposição que prevê a definição de Polícia se encontrar inserida no Título IX, designado Administração Pública, a atividade da PSP enquadra-se inevitavelmente nos trâmites de funcionamento da administração pública, considerando-se assim como atribuição da PSP garantir “a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”16.

A PSP é uma FS que depende do membro de Governo responsável pela área da administração interna, i.e., o Ministro da Administração Interna, sendo a sua organização única em todo o território nacional, conforme consta no art.º 2.º da LOPSP. Quanto às suas atribuições, para além das consagradas na CRP, encontram-se especialmente expressas na lei supracitada, mas também em legislação concernente à segurança interna, estado de sítio e de emergência, proteção civil e à investigação criminal.

Dada a diversidade de atribuições e situações em que atua, pode-se afirmar que a PSP consiste “num dos organismos estatais mais conectados com a vida social do povo português e uma das faces mais visíveis da actividade da Administração Pública” (Clemente, 1998: 19).

Todavia, estas competências e toda e quaisquer atividade preconizada pela PSP deve ser fundamentada nos preceitos jurídicos, subordinados aos princípios do Estado

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democrático, respeitando os DLG dos cidadãos e na plena observância das regras gerais de atuação policial17.

Não estando ainda concretizada uma definição precisa do que é a Polícia, apesar das caracterizações constante na lei, recordamos, de entre os vários autores que se debruçaram sobre esta matéria, a visão de Sérvulo Correia. Este autor define a Polícia como atividade da administração pública “que consiste na emissão de regulamentos e na prática de actos administrativos e materiais que controlam condutas perigosas dos particulares com o fim de evitar que estas venham ou continuem a lesar bens sociais” (Correia, 1994: 393). Já para Marcello Caetano (1990: 1150), a Polícia é “o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir”.

Sintetizando, podemos descrever a Polícia, mais concretamente a PSP, como um órgão integrante da administração pública que, inserido num Estado de direito democrático, “está ao serviço do bem-comum da sociedade, garantindo o pleno respeito pelos direitos fundamentais de cada ser humano” (Clemente, 2000: 21), intervindo de acordo com a prossecução do interesse público e dos princípios e regras que regulam a atividade policial.

Porém, mesmo com estes contributos continua a não existir uma definição translúcida de Polícia, e segundo Clemente (2006: 19-20) esta tarefa “afigura-se impossível, face à dinâmica e à complexidade do fenómeno policial, que abrange desde a formação cívica até à repressão da micro-criminalidade”.

2.1.1. Princípio da prossecução do interesse público

Um dos princípios pelo qual se rege a atividade policial é o da prossecução do interesse público, princípio previsto constitucionalmente nos termos do art.º 266.º, n.º 1, onde se institui que “a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. Com um conteúdo análogo, também o CPA prevê este princípio, declarando-se no seu art.º 4 que “compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e

17 Enquanto princípios que regem sempre a atividade policial podemos contemplar: princípio da legalidade;

princípio da constitucionalidade; princípio da igualdade; princípio da duração provisória das medidas de Polícia; princípio do respeito pelos direitos fundamentais; princípio da singularidade e personalidade da atuação; princípio da proibição do excesso; princípio da tipicidade; princípio da boa-fé; princípio democrático; princípio da lealdade; princípio da Justiça; princípio de prossecução do interesse público e princípio da verdade material, que se encontram previstos e definidos em vários preceitos legais.

interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. Está também previsto no art.º 269.º, n.º 1 da Lei Fundamental, que os trabalhadores da administração pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas “estão exclusivamente ao serviço do interesse público”. Todavia, observados estes preceitos apenas se constata a formulação de dois princípios elementares, designadamente o da prossecução do interesse público e o do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, encontrando-se omisso o significado do que realmente constitui interesse público. Para fazer a destrinça entre o que é interesse público e o que não é, temos de nos socorrer da doutrina, uma vez que este conceito está carregado de um cariz excessivamente subjetivo, variando segundo o contexto e a própria cultura. Desta forma, as visões e alegações sobre o que engloba o interesse público não são unânimes, resultando em distintas interpretações.

Por nos encontrarmos num Estado de direito democrático, a visão destes dois princípios não pode, nem deve, ser encarada isoladamente, pois “encontram-se indissoluvelmente ligados, não sendo possível, sob pena de ilegalidade, a realização do interesse público sem a devida consideração dos direitos e interesses legítimos dos particulares” (Amaral, 1998: 41).

Na demanda da definição de interesse público seguiu-se o sentido atribuído por Freitas do Amaral (2001: 35), quando designa este, lato sensu, como “o interesse colectivo, o interesse geral de uma determinada comunidade, o bem comum”, sendo que stricto sensu desempenha “a esfera das necessidades a que a iniciativa privada não pode responder e que são vitais para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos seus membros”.

Para complementar, apoiando a visão de Soares (1995), podemos diferenciar interesse público primário de interesses públicos secundários, sendo o primeiro aquele cuja definição e satisfação compete aos órgãos governativos do Estado, no desempenho das funções política e legislativa, ou seja, o bem comum nacional. Quanto aos interesses públicos secundários são definidos pelo legislador, mas a sua satisfação cabe à administração pública no desempenho da sua função administrativa.

Em termos jurídicos, é reconhecida a dificuldade em definir o que é interesse público, estando patente no Acórdão nº 0269/02 do STA de 06 de Abril de 2006 que é um “conceito jurídico indeterminado, gozando a Administração, neste domínio, de liberdade de escolha do elemento ou elementos atendíveis para o preenchimento de tal tipo de conceito”.

Enveredando por uma análise sob o prisma económico, embora pareça tautológico, podemos deduzir o que de facto é interesse público justamente como o que a maioria

considera como tal, ou seja, a forma prática de definir algo como de interesse público é um processo de votação nas urnas (Pereira, 2012). Assim, o sufrágio maioritário representará não a vontade de todos, mas a de grande maioria dos cidadãos.

O sentido que atribuímos à perspetiva de interesse público é a de ser um conceito indeterminado e relativo, que varia com o tempo, com a cultura e com o próprio desenvolvimento intelectual dos Homens. Na prática, para se poder verificar se este conceito é preenchido têm de se considerar vários aspetos, mas a seleção dos aspetos a serem ponderados goza inevitavelmente de um poder discricionário.

Atrevemo-nos a definir o interesse público em termos gerais, como o interesse coletivo, i.e., tudo aquilo que é considerado benéfico e do interesse geral de determinada comunidade, ainda que nem todos os cidadãos o visionem como tal, ou que simplesmente beneficie uma parte dos cidadãos, como mero somatório dos interesses próprios de cada indivíduo, garantindo-se nesse caso que não prejudica os demais. Ainda assim, permanece como um conceito extremamente subjetivo, que varia consoante a discricionariedade dos que a ele se referem, apesar de todos identificarem interesse público como o bem-comum.

2.1.2. Processo de formalização das queixas-crime

A formalização das queixas-crime pelas Polícias, especificamente pela PSP é um processo de interação entre dois atores, designadamente a PSP enquanto instituição pública e o cidadão, ou pessoa coletiva que seja representada legalmente por mandatário.

Na perceção do público em geral é recorrente referirem-se indiferentemente a denúncia e a queixa-crime, mas devemos ter presente que são dois conceitos distintos, embora ambos constituam petições iniciais da ação penal. A denúncia alude, principalmente, aos crimes públicos, sendo a comunicação da convicção do preenchimento dos elementos que constituem um crime. Qualquer pessoa tem legitimidade e a faculdade para efetuar uma denúncia, sendo esse procedimento obrigatório para as entidades policiais e funcionários18 na aceção do CP. No caso dos particulares, não recai sobre estes nenhuma imposição para que procedam forçosamente à denúncia, e em qualquer dos casos essa denúncia pode ser formalizada ainda que não se conheçam os agentes do crime, i.e., os autores.

A queixa-crime é a denominação atribuída pela lei à petição inicial formulada pelos ofendidos ou pessoas a quem a lei confere legitimidade para tal19, para promoção da ação

18 Cf. art.º 386.º do CP e art.º 245.º do CPP. 19

penal e reporta-se aos crimes particulares e semipúblicos, ou seja, aos crimes pelos quais não se pode promover oficiosamente o processo penal.

Segundo os artigos 49.º e 50.º do CPP, para promoção do processo em crimes semipúblicos é exigido a existência de uma queixa por quem de direito, sendo acrescida a necessidade de constituição de assistente nos crimes particulares. Em ambos os casos o MP só tem legitimidade para promover o processo depois de quem possuir legitimidade para o fazer, expressar que deseja procedimento criminal. Como refere Robalo (2003: 20), “a formalização da queixa pode ser realizada, pelo titular do direito respetivo, por mandatário judicial ou por mandatário não judicial munido de poderes especiais, conforme consignado na legislação, no espaço de 6 meses”. De acordo com o art.º 115.º do CP, após este prazo o direito para desejar procedimento criminal contra os autores do crime extingue-se, não havendo promoção do processo.

Existe também o conceito de participação, mas esta é mais uma espécie de ato administrativo, através do qual se vai transmitir ao MP a notícia de um crime ocorrido no exercício das funções ou por causa delas, no que se refere à denúncia obrigatória do art.º 242.º do CPP.

A materialização das queixas-crime pode ser feita oralmente20, sendo neste caso reduzida a escrito pelas entidades competentes, designadamente as autoridades policiais, que no caso da PSP são elementos da categoria de Chefe ou de Agente, geralmente no exercício das funções de GS, ou eventualmente adstritos ao patrulhamento policial, auto ou apeado. Deste modo, a formalização das queixas é efetuada através dos serviços da Polícia, sendo corporalizadas em peças de expediente policial, que posteriormente serão remetidas ao tribunal competente, depois de ocorridos os procedimentos constantes no Anexo I.

Antes de examinarmos a atividade dos GS, enquanto núcleo capital da atuação policial respeitante ao processo analisado, uma vez que são o primeiro contacto formal com o cidadão na qualidade de participante ou lesado/ofendido, importa apresentar sinteticamente a estrutura organizacional e hierárquica em que decorre este serviço.

A organização e competências dos diferentes órgãos, serviços e subunidades da PSP são estipuladas pela LOPSP e por Portaria do MAI21, definindo no seu art.º 3.º, n.º 1 que é fixado por despacho do Diretor Nacional da PSP a estrutura dos serviços, as

20 Esta forma encontra-se prevista no art.º 246.º do CPP.

21 Portaria n.º 434/2008 de 18 de Junho de 2008, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 02/2009 de 2

respetivas competências e os postos ou categorias dos cargos de chefia ou coordenação e a estrutura de comando e serviços das subunidades dos comandos territoriais.

Estas características estão expressas no Despacho 20/GDN/2009 e de acordo com o art.º 38.º da LOPSP, as subunidades da PSP são a divisão policial e a esquadra, esta última com uma estrutura mais elementar, englobando apenas a vertente operacional, sendo neste tipo de subunidade que os GS supramencionados desempenham as suas funções. Embora, a estrutura da esquadra varie consoante seja de competência territorial ou específica22, destacada ou integrada, centremo-nos apenas nas de competência territorial integradas, que têm como estrutura o modelo do Anexo II, pois o processo nas restantes subunidades é idêntico.

Nesta subunidade, os GS são responsáveis, de entre as atividades que lhes são incumbidas, pelo atendimento ao público, ou seja, “receber todos os cidadãos” que se dirijam à esquadra e “informar, encaminhar ou dar resposta ao cidadão”, consoante as suas solicitações, podendo assim resultar em inputs dos seguintes tipos: “reclamações; requisições; pedidos de informação; denúncias; queixas; pedidos de auxílio; e informações” (Correia, 2005: 27).

De entre estes diversos input’s, nem todos são registados por escrito, ou seja, convertidos em expediente policial, mas a atenção recairá somente no objeto de estudo – queixas-crime – procedimento esse que tem obrigatoriamente de ser registado por escrito. Embora este expediente em condições normais seja de seguida aprovado ou indeferido pelo comandante de Esquadra e a posteriori pelo comandante de Divisão, o que acarreta evidentemente elevados custos (trabalho, recursos, tempo, transporte, etc.), a nossa análise do custo padrão da queixa centrar-se-á principalmente na primeira fase do processo, onde intervêm somente os GS, por ser um serviço instantaneamente conectado à formalização de queixas-crime.