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Depois de definida a justiça pública enquanto bem económico e atendendo à hipótese de estudo aqui examinada, é fundamental compreender os seus possíveis impactos, particularmente os decorrentes da procura deste serviço11. Para isso, temos de observar o conceito económico de elasticidade

da procura face ao preço, abrindo as portas ao debate se essa tributação provocará efetivamente uma retração das queixas de crimes semipúblicos e particulares em termos da procura deste serviço policial. A célebre lei económica da oferta e procura estatui uma relação entre a quantidade de procura e de oferta para um bem ou serviço, consoante o seu preço, como explanado na Figura 3. Esta lei permite antever o comportamento dos

10 Aprovado pelo DL n.º 34/2008 de 26 de fevereiro, atualizada pela Lei n.º 7/2012, de 26 de março e pela

Retificação n.º 16/2012, de 26 de março.

11 Referimo-nos não só ao serviço de justiça, mas sobretudo ao serviço prestado pela PSP através dos

Ep,D =

Variação percentual de QD Variação percentual de P Figura 4. Elasticidade da procura

Fonte: Adaptado de Samuelson e Nordhaus (1948: 66)

consumidores na aquisição de bens e serviços em função da quantidade e do preço. Pela sua observação depreende-se que, em termos gerais, a procura12 de um bem varia em razão inversa ao respetivo preço (aumenta o preço, diminui a quantidade procurada), enquanto a oferta13 varia em razão direta (aumenta o preço, aumenta a quantidade procurada). Todavia, não devemos desprezar que a variação da oferta e da procura não depende exclusivamente do preço, estando implícitos outros fatores, assinaladamente: (1) os desejos e necessidades dos consumidores; (2) o poder de compra dos cidadãos; (3) a concorrência e a disponibilidade de bens/serviços; (4) existência de produtos substitutos e complementares (Martínez: 1991).

Todavia, ter apenas a noção de que a oferta e a procura variam de acordo com o preço não é muito esclarecedor, sendo necessário conhecer a medida dessa variação, o que acontece através do conceito de elasticidade. Considerando a hipótese do presente trabalho é imprescindível perceber se a introdução de uma taxa aos cidadãos, aquando da apresentação de queixa-crime, afigurando assim um aumento do preço, resultará ou não numa retração das queixas dos crimes aos quais é aplicada, constatada através de diminuição da procura do respetivo serviço policial.

Para isso é necessário compreender a elasticidade da procura face ao preço, como medida indicadora da suscetibilidade de alterações da procura em função de alterações no preço do bem, em condições ceteris paribus, i.e., não havendo alteração de outros fatores. A elasticidade da procura face ao

preço pode ser calculada através da fórmula da Figura 4, em que [e] traduz a elasticidade, [QD] a

quantidade procurada e [p] o preço.

Consoante o resultado da aplicação desta fórmula, classificar-se-ia o respetivo bem em termos do seu grau de elasticidade-preço da procura, de acordo com os seguintes níveis (Saraiva, 2010):

a) Procura perfeitamente inelástica – a quantidade consumida permanece constante e não reage às alterações do preço (resultado 0).

b) Procura inelástica - a variação percentual da quantidade consumida é inferior à variação percentual do preço (resultado ]0,1[);

12 Traduz-se na quantidade de bens ou serviços que os consumidores estão dispostos a adquirir, consoante os diferentes valores de preço.

13 Traduz-se na quantidade de bens ou serviços que os produtores estão dispostos a vender para cada preço, considerando que a atuação dos produtores visa a obtenção de lucro.

c) Procura elástica unitária - a variação percentual da quantidade consumida é exatamente igual à variação percentual do preço (resultado 1);

d) Procura elástica – a variação percentual da quantidade consumida é superior à variação percentual do preço (resultado ]1,+ [ );

e) Procura perfeitamente elástica – a variação percentual da quantidade consumida é muito superior à variação percentual do preço (resultado +);

Como a tributação da apresentação das queixas-crime à polícia é apenas uma hipótese, é inexecutável aplicar esta fórmula, por falta de valores, para classificarmos o grau de elasticidade da procura do serviço policial em causa. Contudo, podemos efetuar uma estimativa de acordo com as características deste serviço e com os fatores determinantes aplicados a esta condição, nomeadamente:

a) Existência de produtos substitutos – considerando que este serviço traduz o desenvolvimento do processo e efetivação das diligências necessárias para um julgamento em tribunal, a única alternativa será interpor uma ação diretamente em tribunal, ação que também ela comporta custos.

b) Rendimento disponível – quanto menor o preço em relação ao rendimento dos cidadãos menor será o grau de elasticidade. O preço que se pretende é o de uma taxa moderadora do consumo, logo representará uma percentagem mínima, não implicando um intenso grau de elasticidade.

c) Necessidade do consumo – este serviço representa o caminho para a realização de justiça, sendo que se os interesses em causa forem considerados de valor, os cidadãos não deixarão de recorrer aos serviços policiais. Contudo, tal não se verificará, tacitamente, nas queixas-crime de minudências jurídicas, aliadas muitas vezes a uma sustentabilidade duvidosa dos factos ocorridos, pelo facto de a balança custo-benefício começar a pesar mais no sentido dos custos, obrigando a uma ponderação mais apurada da necessidade de recorrer a estes serviços.

Atendendo a estes fatores julgamos que a aplicação de uma taxa para a prestação do serviço policial suprarreferido, numa lógica de moderação da procura do serviço, aumentando inevitavelmente o preço, resultará numa elasticidade da procura face ao preço, pouco significativa, traduzida numa ligeira diminuição da utilização deste serviço. Acreditamos que a oneração deste serviço implicará a desistência de um considerável número de queixas que se reportam a factos corriqueiros, que nem sempre são crime, de queixas infundamentadas de crimes de menor gravidade e que claramente não apresentam as circunstâncias necessárias para se ir a tribunal e mesmo de algumas queixas falsas, apresentadas com o intuito de obter contrapartidas de várias naturezas. Todavia, se os

valores e interesses violados forem importantes para o cidadão, este não deixará de reportar a queixa-crime pela simples existência de um custo logo no início do processo.

Será irreal considerar que o serviço de receção de queixas pela Polícia possui um grau de elasticidade zero, ou seja, que a procura é perfeitamente inelástica, pois caso tal fosse verídico não seria necessário e sensato considerar a presente proposta de tributação, pois o objetivo não é aumentar a receita, mas responsabilizar e moderar o consumo, reduzindo a procura “desnecessária”. A introdução deste mecanismo, à semelhança da introdução das taxas moderadores no Sistema Nacional de Saúde, irá reduzir a procura como é esperado, pois, por um lado, tem esse mesmo objetivo. Todavia, o que se pretende não é distanciar a justiça dos cidadãos que dela necessitam efetivamente, mas diminuir a procura, criando um mecanismo de triagem inicial, efetivado pelos comportamentos dos próprios cidadãos, que realizaram uma análise numa lógica custo-benefício e se adaptaram de forma célere e no curto prazo, a essas circunstâncias. O fim último será melhorar a qualidade da justiça, atribuindo prioridade e meios aos casos essenciais e graves, de modo a aumentar a eficácia do sistema de justiça e aperfeiçoar o acesso à justiça pelos cidadãos que saem excessivamente prejudicados pela morosidade dos tribunais.

Desta forma, estima-se que a existência de um custo para o cidadão, decorrente do recurso a este serviço policial implicará uma ligeira retração na sua procura, moderando assim o acesso por quem dele não necessita, o que subjacente, traduz uma melhoria da qualidade do serviço e benefícios ao nível da eficiência. Acreditamos que esta melhoria da qualidade advém da melhoria das informações prestadas pelos cidadãos, pela importância do processo e do maior incentivo para a realização do trabalho policial.