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Entrevista ao Prof Catedrático Germano Marques Silva – Instituto Superior de

Realizada a 11 de março de 201381

1. É do conhecimento de V. Exa. que os processos arquivados pelo Ministério Público têm vindo a aumentar ao longo dos últimos anos? Considera que este facto se possa dever à ineficácia da investigação ou à falta de solidez financeira do sistema de justiça?

Sim; é do meu conhecimento o aumento de arquivamentos dos inquéritos e considero-o natural. Não considero que mais arquivamentos sejam devidos a ineficácia da investigação ou à falta de solidez financeira do sistema da justiça, embora o número crescente de processos que dão entrada nos serviços possa naturalmente implicar a sua hierarquização, prestando-se menos cuidado à investigação das bagatelas penais. Mesmo contra a lei, há subjacente ao sistema um princípio de oportunidade que se traduz em menos atenção dada a certo tipo de processos, logo a uma investigação mais superficial. É uma consequência natural da escassez de meios – o que é constante – e da relevância social dos crimes denunciados.

2. Acredita que a aplicação de uma taxa no imediato momento em que o cidadão apresenta uma queixa, referente a um crime particular ou semipúblico, viola o princípio do livre acesso à justiça? Neste âmbito, não estará essa medida no mesmo plano das custas judiciais?

A questão é muito complexa. A realização da justiça criminal pela perseguição dos criminosos é do interesse de toda a comunidade porque é um factor que contribui para a segurança colectiva pelo efeito da prevenção que a mera instauração de um processo representa. Por isso que, em princípio, as denúncias de crimes deveriam ser facilitadas e até promovidas como acto cívico.

Sucede, porém, que o direito penal só deve intervir quando necessário para assegurar a paz e a segurança individual e colectiva, deve constituir a ultima ratio, e há crimes cuja perseguição criminal pode ser mais nociva, também em termos individuais e colectivos, do que a impunidade. São, em geral, os crimes particulares em que se atende à pouca gravidade da ofensa ou à perturbação que a perseguição criminal pode causar nas relações sociais mais próximas. É esta ponderação do legislador que leva a qualificar os crimes como particulares, deixando ao ofendido a ponderação do seu próprio interesse na perseguição. A imposição de uma taxa para instauração destes processos é injustificada no plano dos princípios.

O pagamento de uma taxa pela apresentação de queixa nos crimes particulares foi uma “habilidade” criada nos anos 40 do século passado para desmotivar os queixosos. Nessa altura a criminalidade denominada de “fim de semana” era muito frequente e de pouca gravidade, tendo o legislador usado da artimanha de impor uma taxa na formulação da queixa como forma de evitar a precipitação e forçar o ofendido a ponderar se se justificava o seu próprio sacrifício. É o que ainda hoje sucede com a exigência de constituição de assistente no prazo de 10 dias após a apresentação da queixa.

Não é assim nos crimes semipúblicos e públicos, embora os semipúblicos constituam um fenómeno hibrido. Os crimes semipúblicos são crimes que pela sua gravidade e em razão do bem jurídico protegido só não devem ser perseguidos em atenção ao dano que o processo pode constituir para o próprio ofendido, mas o interesse dominante na sua perseguição é o interesse público. Por isso discordo que haja qualquer taxa aplicável aos crimes semipúblicos do mesmo modo que, atendendo apenas aos princípios, discordo de qualquer taxa para os crimes particulares.

3. Concorda que essa mesma taxa se possa aplicar relativamente aos crimes públicos?

Discordo absolutamente. Nos crimes públicos apela-se ao cidadão para que colabore com a justiça na perseguição criminal. Esta colaboração causa por si só frequentes incómodos. Aplicar uma taxa seria desmotivar a denúncia e esta é uma forma de colaboração com a justiça.

4. Estando inerente aos crimes particulares e semipúblicos um interesse privado, aceita que o cidadão pague uma contribuição para a liquidação dos custos do serviço prestado?

O interesse na perseguição criminal é sempre um interesse público. A lei é que por razões de política criminal pondera da estrita necessidade de perseguir todos os crimes. É que a perseguição criminal pode não ser uma necessidade imperiosa mesmo contra a vontade da vítima. Há casos em que a perseguição criminal pode agravar a situação da vítima. O interesse na perseguição criminal é dominantemente público porque o crime é sempre perturbador da vida social. Se só o interesse privado fosse tutelado, então deveria proceder- se à descriminalização, remetendo para os meios cíveis a tutela dos interesses particulares.

5. Acredita que esta medida possa diminuir o número de queixas falsas e de processos arquivados, por falta de provas, melhorando assim a eficácia da justiça?

Não acredito minimamente salvo no que respeita a bagatelas penais.

6. Considera que o valor das taxas de justiça aplicadas são uma medida necessária para dissuadir processos em que o respetivo custo ultrapassa, em larga escala, os valores/interesses envolvidos.

Não creio que seja pela via das taxas de justiça que se limitam os processos nem se há interesse comunitário em limitá-los. Todos os direitos merecem protecção quando violados. O legislador tem é de ponderar quais os interesses que merecem ou não tutela judicial penal, nomeadamente pela via da descriminalização.

7. Que outra(s) medida(s) considera ser(em) viáveis para diminuir o número de queixas falsas e de processos arquivados, por falta de provas, levando consequentemente à melhoria da eficácia da justiça?

As falsas queixas devem dar origem a processo por denúncia caluniosa. A falta de provas é uma consequência do nosso sistema que não admite a investigação privada. Nos crimes menos graves poderia adoptar-se um sistema de “citação directa” em que pertenceria à acusação por parte do ofendido oferecer toda a prova (não haveria inquérito). Isto implica, porém, alterações profundas no sistema da investigação, sendo necessário institucionalizar a investigação privada, o que é complexo e arrasta problemas que podem constituir graves perigos para os direitos fundamentais das pessoas. Seria preciso uma ponderação muito cuidada.

8. Considerando que a apresentação de uma queixa na PSP tem necessariamente custos e que muitas vezes os interessados desistem do procedimento criminal, por vezes devido às próprias taxas de justiça, não considera que a dissuasão deveria ser feita logo no início do processo, aquando da receção das queixas de crimes particulares e semipúblicos?

Não, minimamente. Muitas vezes a apresentação da queixa é uma forma simples de evitar o recurso à justiça privada o que é importantíssimo em termos comunitários. Por isso que a lei disponha que nos crimes particulares o queixoso deve constituir-se assistente no prazo de 10 dias o que é já uma forma de desincentivar a prossecução do processo pelos custos que a constituição de assistente representa (taxa de justiça e constituição de advogado). As polícias podem e devem esclarecer os ofendidos das consequências e custos da queixa, mas não devem desincentivá-las. Até para protecção da imagem da polícia não convém que seja a Polícia a dissuadir os ofendidos.

Anexo XXV – Entrevista à Dr.ª Luísa Waldherr – Gestora do Gabinete de