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O quarto e último capítulo é indispensável para a compreensão do objeto de estudo, pois é aqui que incorporamos as objeções e os argumentos favoráveis à hipótese de tributar as queixas-crime apresentadas à Polícia, em particular, quando estejam em causa crimes semipúblicos e particulares. As ilações descritas de seguida têm a montante uma vasta pesquisa efetuada, análise estatística e contabilística aplicada, conjugado com uma metodologia de investigação qualitativa, designadamente a aplicação de entrevistas.

Segundo o Parecer n.º 40/2011 da PGR, de 12 junho de 2012, o facto do recurso aos tribunais e à justiça ser em regra oneroso, não implica, necessariamente, que o acesso universal à justiça não seja garantido, pois existe o apoio judiciário. Assim, o acesso ao direito e aos tribunais não é privado a nenhum cidadão por questões financeiras, sendo que nas “situações em que, designadamente se discutam interesses patrimoniais e de natureza económica, é lógica e socialmente aceite que uma parte dos custos da justiça deve ser suportada por quem a ela recorre e dela retira benefícios e não pela generalidade dos cidadãos”44

. A aplicação das custas processuais é uma prática presente desde há longo tempo na lei portuguesa, não visando sustentar financeiramente o sistema judicial português, sendo sim, uma despesa necessária à manutenção de um serviço (Costa, 1997), serviço que no nosso entender é fundamental na democracia dos nossos dias.

No DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, que alterou o vigente CCJ45, consta, designadamente no ponto cinco do seu preâmbulo, que “cabendo ao Estado o dever de garantir e facultar o acesso à justiça por parte da totalidade dos cidadãos, está este também obrigado a ter presente que, em termos estritamente económicos, a administração da justiça constitui um bem escasso e de primeira necessidade, que comporta custos extremamente elevados para a comunidade, o que não significa que se olvide a eminente função de pacificação social a que o sistema de justiça está adstrito”. Todavia, como refere a teoria económica, e observando analogamente os princípios inerentes aos bens comuns, para garantir que os cidadãos possam usufruir da justiça quando dela necessitem, como de qualquer bem escasso, é impreterível que haja moderação no seu consumo, sendo para isso admissível o recurso a contrapartidas pecuniárias. Na análise desta matéria não devemos descurar o facto de estes custos extremamente elevados serem sempre suportados, direta ou

44 Parecer n.º 40/2011 da PGR, publicado em DR, 2.ª série n.º 113 de 12 junho. 45

indiretamente, por todos os cidadãos, ou para ser mais rigoroso, por todos os contribuintes. Neste âmbito, será pertinente referir sucintamente, que segundo o 4.º Relatório de Avaliação dos Sistemas Judiciais Europeus do CEPEJ, em Portugal a despesa pública com o sistema de justiça em percentagem do PIB situa-se em 0,98%, mais do dobro da média da zona euro que é de 0,46%. Realidade igualmente apurada na despesa pública alocada à justiça: 1,90% do total em Portugal contra 1,64% na média europeia. Verifica-se também que temos mais processos entrados por 100 mil habitantes, e que os nossos processos demoram mais tempo em tribunal a ser concluídos (Lança, 2013).

Tal como os motivos que originaram o surgimento do RCP46 em 2008, também a proposta aqui apresentada pretende seguir as finalidades de uma repartição mais justa e adequada dos custos da justiça, demonstrando os custos com os serviços policiais prestados por preceitos de apuramento de custos claros e objetivos. O objetivo da nossa hipótese de tributação vai de encontro à autorização para o Governo aprovar um RCP, nomeadamente estabelecer um sistema de custas processuais simplificado, “assente (…) no pagamento de encargos que reflitam os custos efetivos da justiça”47.

De entre as custas processuais existentes, a taxa de justiça é de facto a mais reconhecida pelo público, pois constitui o valor a cobrar a cada interveniente, em cada processo, pela prestação da contrapartida de um serviço exercido pelos tribunais, sendo que o prosseguimento da ação processual, ou recurso, estão subordinados ao pagamento prévio destes valores. Todavia, no caso dos processos judiciais, estes são geralmente encetados através dos serviços prestados pelas polícias48, representando a PSP e GNR um papel primordial na movimentação destes processos, na ordem de mais de 90% do total dos processos, conforme Gráfico 9 do Anexo VIII.

Neste sentido, estas polícias fornecem um préstimo indispensável para o funcionamento do sistema de justiça, não sendo contudo cobrado nenhum valor diretamente ao cidadão, pelos préstimos desse serviço, por vezes bastante oneroso e extenso, principalmente no campo da investigação criminal. Antes de se alegar que este serviço é pago indiretamente através das custas processuais, importa relembrar que existem

46 Da Exposição dos Motivos da Proposta de Lei do Governo n.º 125/X, de 25 de março de 2007 (que veio a

dar origem ao referido diploma), destacam-se as linhas de orientação gerais: (1) repartição mais justa e adequada dos custos da justiça; (2) moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos litigantes em massa; (3) adoção de critérios de tributação mais claros e objetivos; (4) reavaliação do sistema de isenção de custas; (5) simplificação da estrutura jurídica do sistema de custas processuais e unificação da respetiva regulamentação; (6) redução do número de execuções por custas.

47 Cfr. Art.º 2.º n.º1 al. b) da Lei n.º 26/2007, de 23 de julho, que autoriza o Governo a aprovar um RCP. 48 Esta conceção é utilizada pela DGPJ e nela inserem-se PSP, GNR, Polícia Judiciária, Direcção-Geral das

diversos casos, e não nos referimos aos crimes públicos, em que o processo não prossegue, logo, este pagamento indireto nunca vem a ser efetivado. Além disso, as próprias custas processuais em nada se corelacionam com o trabalho policial, no sentido em que não pesam os custos suportados pelos serviços policiais, nem se repercutem no orçamento das polícias, ainda que esse não seja, de todo, o nosso intuito.

Para agravar este facto, constata-se que uma considerável porção deste serviço exercido pelas polícias tem uma utilidade praticamente nula, pois existe um grande volume de queixas que não se materializam em acusação por parte do MP por falta do conhecimento de todos os pressupostos do crime, da simples viabilidade de fundamentar a acusação, mas principalmente por não se formalizar a pretensão de procedimento criminal.

Acreditamos que uma forte procura pública do serviço prestado pelas polícias no registo e encaminhamento de queixas é um fundamento para garantir o acesso universal a este tipo de serviço, o que não origina obrigatoriamente o fornecimento público a título gratuito, ou tendencialmente gratuito, do próprio acesso a esses serviços policiais específicos, tal como se verifica no acesso à justiça, lato sensu, e noutros serviços públicos. Especificando a proposta apresentada e aqui debatida, pretende-se apurar a pertinência, viabilidade e consequentes impactos de implementar e cobrar uma taxa aos cidadãos que se desloquem a uma departamento policial e efetivem, através da Polícia, uma queixa-crime, quando esteja em causa um crime particular ou semipúblico. Importa realçar que não definimos à partida, se essa taxa estaria inserida nos termos do RCP, se seria autónoma, nem se poderia ser reembolsável ou não. A questão que se visa apurar prende-se com a simples adequação de se proceder à tributação, não estando contudo em “cima da mesa” o valor da taxa a cobrar, i.e., a lógica de tributação a aplicar49

, sendo que essa decisão apenas poderá ser estatuída a nível governativo, de acordo com o plano do governo e critérios de execução da política criminal e de justiça.

É pertinente esclarecer que a possibilidade de tributação que estudamos prende-se com a aplicação de uma taxa e não de um imposto, pois a tributação refere-se a uma taxa, i.e., uma prestação por parte do cidadão tendo como contrapartida, neste caso, o acesso ao serviço público da justiça portuguesa e usufruição dos serviços policiais.

Contextualizando a hipótese exposta, importa salientar que o pagamento de uma quantia monetária pelos serviços prestados pela PSP não é algo revolucionário, pois tal facto já ocorre atualmente. O cidadão ao requerer junto da PSP uma certidão relativa a

49 A taxa suprarreferida poderia ser aplicada segundo uma das seguintes lógicas: moderação do consumo;

processo policial paga, in loco, o valor de 13 €50, valor idêntico ao que se apurou como custo-padrão da apresentação de uma queixa. A cobrança desta taxa insere-se naturalmente nos moldes da atividade prestada pela administração pública, e pelo constatado junto dos GS do estudo realizado, esta prática tem sido aceite pelos cidadãos sem os mesmos a questionarem, o que nos leva a concluir que dificilmente houve uma diminuição da procura deste tipo de serviço pelo simples facto de a ele estar associado um custo monetário para o cidadão.