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3 ENCONTROS COM O PENSAMENTO DE BAKHTIN:

4.2 FESTAS

4.2.2 Carnaval

Outra festa que destacamos é o carnaval, com duração de cinco dias, conforme consta no calendário nacional. Especificamente na Costa da Lagoa, o ápice dessa festa é a passagem de um único bloco organizado pela comunidade pelas trilhas centrais da Costa em dois dias do carnaval, no domingo e na terça-feira. Isso porque os componentes desse bloco fazem parte também da Escola de Samba Unidos da Ilha da Magia, que se localiza no bairro da Lagoa da Conceição, e assim nos outros dias do carnaval eles têm compromisso oficial com a referida escola de samba.

As origens desse bloco, organizado hoje por alguns sujeitos da comunidade, podem ser buscadas no carnaval dos anos 1990, época em que o Bloco das Curruíla13 que desfilava pelas trilhas, sem preocupação

com figurino, bateria e carro alegórico, lançou as bases do que hoje se tornou tradição.

Atualmente o bloco é denominado Bloco da Carapeva14 e possui

outros componentes, mas conta com a ajuda dos antigos componentes do bloco da Curruíla. Também incorporou elementos do carnaval- espetáculo como: carro alegórico, samba-enredo, rainha do bloco, bateria, madrinha de bateria. Nos sambas-enredo a temática da cultura da comunidade aparece como principal tema da letra, sendo fonte de inspiração para a composição da cenografia e dos adereços do bloco.

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Passarinho de pequeno porte, com penas de coloração negra. Muito comum nas encostas da Costa da Lagoa, faz seus ninhos nos buracos dos bambus.

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Figura 6 - Carnaval na Costa da Lagoa. Verão. 2011

Fonte: Acervo de um dos Interlocutores da Pesquisa

No ano de 2011 o enredo trouxe a brincadeira do boi-de-mamão e seus personagens como na foto da Figura 6, materializando um dos enunciados que enlaça a relação entre as esferas da comunidade e da escola, já que um dos personagens folclóricos da escola da comunidade está incorporado aos festejos do carnaval, como registramos pela letra da música: “O meu boi é certeiro, sinhá, tem que ser bem ligeiro para não te pegar. O meu boi cavaleiro deixa a cabra pular. Tá chegando a

bernunça e o seu Jaraguá15... Sou carapeva tô numa boa, fico feliz na Costa da Lagoa. Sou carapeva de coração, açoriano, tenho a minha tradição.” (Samba-enredo do Bloco da Carapeva, autoria de Roseli dos Santos, 2011).

Diferentemente do que ocorria em anos anteriores, o carnaval de 2012 na Costa da Lagoa não aglutinou em torno de si a comunidade geral. Foi uma festa organizada por um pequeno grupo de jovens nativos e que teve a adesão apenas de uma parcela da comunidade, em geral os mais jovens. Nos dois dias de carnaval, domingo e terça-feira, em que o bloco desfila pela vila central, os sujeitos, nativos, não nativos e visitantes, seguem atrás do bloco com ou sem suas fantasias para brincar e dançar no carnaval.

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Personagens do boi-de-mamão da Escola Desdobrada e Núcleo de Educação Infantil da Costa da Lagoa.

Contudo, o carnaval revela-se como um dos momentos festivos fundamentais para o fortalecimento dos elos que possibilitam o reconhecer-se no outro de forma a estabelecer novas e revigoradas relações no encontro entre o passado e o presente, entre o velho e o novo. Famílias se encontram, amigos se reencontram, novas relações se estabelecem envoltas pela alegria, pelo riso e pela liberdade. Bakhtin (1993), ao falar especificamente do carnaval no contexto da Idade Média e do Renascimento, comenta:

Que durante o carnaval nas praças públicas a abolição provisória das diferenças e barreiras hierárquicas entre as pessoas e a eliminação de certas regras e tabus vigentes na vida cotidiana criavam um tipo especial de comunicação ao mesmo tempo ideal e real entre as pessoas, impossível de estabelecer na vida ordinária. Era um contato familiar e sem restrições, entre indivíduos que nenhuma distância separa mais. (p. 14).

Portanto, o carnaval naquela época, como nos dias de hoje, evoca a ideia de unidade, de igualdade entre os seres humanos, abolindo as diferenças, ainda que transitoriamente: “O homem tornava a si mesmo e sentia-se um ser humano entre seus semelhantes” (BAKHTIN, 1993, p. 9), o que o fazia e o faz sentir ainda hoje em intrínseca relação com o “mundo dos ideais” (p.8), ou dito de outra forma por Dona Bilica II, “Nógi si divertia nas festa, cantava i dançava ratoera,si sentia muinto feliz. Sempre tinha gaitero prá mode nógi dançá. Nos dia di festa tudo era munto diferente, era uma irmandade.” (E4.verão. 2012)

O fato de todos se reconhecerem como iguais nos momentos festivos do tempo da Dona Bilica II imprime materialidade aos elementos que se renovam e, do mesmo modo, são as fontes renovadoras da ideia de coletividade. Esse sentimento transcende o privado diretamente relacionado ao sujeito, pois a festa no contexto da Costa da Lagoa é esse dispositivo que, em parte, permite, nos dias de hoje, a exteriorização dos sujeitos e, como diz Bakhtin (1988), “Viver exteriormente é viver para os outros, para a coletividade, para o povo.” (p. 254).

Como festa que apresenta semelhanças com a brincadeira do boi- de-campo ou a farra do boi, como é conhecida nacionalmente, o carnaval, da farra do boi, neste quintal só consegue a adesão de parte da comunidade. No entanto, a forma de organização é similar, pois, como a farra do boi, o carnaval abrange grande parte do espaço do quintal

tomado como cenário da festa onde os sujeitos – crianças, jovens e adultos –, reunidos em cortejo, desfilam pelas trilhas. Podemos avistar durante o cortejo do carnaval o colorido das fantasias e brilhos que cintilam na euforia da movimentação dos sujeitos em festa, crianças com sprays de flocos de espuma brincam de guerrear, fogos de artifício clareiam o céu e o som da bateria do bloco de carnaval local orienta ou desorienta o trânsito pelos caminhos da Costa. Bebidas (cerveja, cachaça, refrigerantes e água), comida (coxinha de galinha, risoles, quibe e salsicha empanada) são vendidos pelo caminho, acompanhando o percurso dos foliões.

Estes, entre a cantoria do samba-enredo do bloco e os sambas- enredo das escolas de samba do Rio de Janeiro, fazem uma parada no bar Laurinha para descansar e reabastecer as energias com porções de batatas fritas, coração de galinha e pizzas, a costumeira cerveja e as caipiras de vinho e de vodka, além da tradicional cachaça da Costa da Lagoa, apreciada por seus moradores e visitantes. Logo após essa parada, a bateria volta a tocar e todos os foliões seguem rumo à praia onde a festa adentra a madrugada indo até o sol raiar.