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2.1 COSTA DA LAGOA: UM LUGAR, UM ESPAÇO, UM TEMPO

2.2.1 A comunidade e suas paisagens

Em meio a toda amodernização, exatamente em 1982, a energia elétrica foi instalada neste lugar “a luz trouxe com ela o progresso e o contato com o mundo lá de fora”, como afirma hoje a professora Maricota III (E6. verão. 12), que na época ajudou a organizar a associação de moradores da Costa da Lagoa junto com outras pessoas que vieram de outros lugares para aqui fazer residência.

E dizem as pessoas mais antigas deste lugar que, desde então, as bruxas, as encantadas e os boitatás3 esconderam-se em suas moradas. Hoje, afirmam alguns, por causa da iluminação pública, esses seres deixaram de aparecer. Outros afirmam que eles nunca existiram; seriam fruto da imaginação misturados à escuridão! Fruto da imaginação ou não, o que se sabe é que esses seres habitam o universo mítico e semiótico deste lugar, pois se puxarmos um fio de história, vem o novelo todo! Então, se alguém deseja conhecer o lugar do qual falamos, é só seguir trilhas ou navegar até aportar na Costa da Lagoa, Lagoa da Conceição.

Para chegar até aqui, existem dois caminhos: um, tombado no ano de 1986 pelo Instituto de Patrimônio Histórico Municipal de Florianópolis (IPUF), é uma trilha ligada ao bairro da Lagoa da Conceição e ao bairro Ratones. Outra possibilidade é navegar pelo único meio de transporte público oferecido à comunidade: os barcos. Um deles é da Cooperativa de Barqueiros da Costa da Lagoa, a Cooperbarco, em parceria com o poder público municipal desde 1986. O outro é o da Cooperativa dos Barqueiros da Costa, a Coopercosta, que atua sem a parceria de poder público, mantido e regido integralmente pelo grupo que faz parte da cooperativa. E é assim que chegamos à Comunidade da Costa da Lagoa.

A Costa da Lagoa é um bairro do município de Florianópolis, na ilha de Santa Catarina, singular pela sua própria natureza geográfica, uma costa com encostas. Suas fronteiras dialogam a nordeste com o bairro do Rio Vermelho, a oeste com o bairro de Ratones, a sudeste com o bairro da Barra da Lagoa e ao sul com o bairro da Lagoa da Conceição. Esse diálogo confere singularidade cultural ao ritmo, às entoações e aos termos da fala cotidiana, como também a suas festas,

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Seres elementais que habitam o universo mítico da esfera cultural na Comunidade da Costa da Lagoa.

crenças e formas de convívio social. As pessoas da comunidade, em sua maioria, descendem dos colonizadores açorianos (FERREIRA, 2010).

Antes da chegada da modernidade nesse lugar, os nativos viviam,

de modo a garantir sua subsistência, por meio de atividades pesqueiras, da agricultura familiar, roças de mandioca e de cana de açúcar, de onde provinham a farinha de mandioca e a cachaça, fabricadas em vinte e oito engenhos de farinha e em nove engenhos de cachaça construídos ao longo do caminho que se tornou patrimônio histórico.

Uma pesquisa realizada por Gimeno (1992), intitulada O destino

viaja de barco: um estudo histórico, político e social da Costa da Lagoa e de seu processo de modernização (1930-1990), aponta, entre outras

coisas, a singularidade da forma de organização social das famílias desse lugar num passado não tão distante assim. Segundo a pesquisa citada, existia o que os narradores da comunidade denominam “Família do Monte”. A expressão “família do monte” indicava que todos trabalhavam para o patriarca, representado pelo pai, por ser o mais velho e por deter a posse dos instrumentos destinados à produção da subsistência, fossem as redes de pesca ou os instrumentos para os trabalhos na roça. Essa configuração na forma de organização social das famílias desenhou a organização geográfica nos usos dos espaços na comunidade, constituindo as vilas. Cada vila pertencia a uma determinada família. Segundo dados etnográficos da pesquisa realizada por Caruso (2010) na dissertação de mestrado em Antropologia Social intitulada Parentesco e Casamento: da fuga ao morar junto na Costa da

Lagoa, Florianópolis, é possível perceber que as primeiras famílias que

deram origem à comunidade da Costa da Lagoa organizavam-se em torno de núcleos que, de certa maneira, continuam até hoje. Podemos afirmar, então, que cada vila possui famílias nucleares na constituição da identidade da comunidade.

As famílias que estamos denominando nucleares são aquelas que habitam e se organizam dentro do mesmo lote de terra, em que se localizava originalmente a casa dos pais ou dos avós, traduzindo uma forma de convívio familiar caracterizado pela expressão local “família do monte”. (GIMENO, 1992).

Ainda, como aponta Caruso (2010), “A comunidade da Costa da Lagoa é composta de cinco vilas principais. [...] as vilas são: Vila Verde, Praia Seca, Baixada, Vila central e Praia do Sul.” Conforme o autor, na Vila Verde existe uma família, na Praia Seca conta-se com quatro famílias, na Baixada, duas famílias, na Vila Central – conhecida também pelo nome de Ponta de areia – aparecem sete famílias e finalmente na Praia do Sul conta-se com duas famílias.

Com o passar do tempo acompanhado de transformações, como o crescimento da população local em razão da crescente vinda dos de fora4, foi se operando a contínua transição de comunidade isolada para comunidade turística e, como consequência, as mudanças no modo de subsistência dos sujeitos que aqui vivem. Indica o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Censo 2010, que a comunidade possui 768 habitantes; contudo, esse número se altera na temporada de verão e, segundo aponta o Posto de Saúde local, no seu mural informativo, a população aumenta quase que em 50 por cento. Entretanto, essa realidade não modificou ainda o que é uma das principais características da comunidade: os agrupamentos familiares dispostos em determinadas áreas cujas pessoas possuem graus de parentesco entre si e partilham do mesmo quintal5.

Os dados que indicam o grau de parentesco e a forma de organização na manutenção da identidade local foi um aspecto que levou a Associação de Moradores da Costa da Lagoa (AMOCOSTA) a iniciar um processo de reconhecimento no Ministério Público Federal para que a comunidade da Costa da Lagoa pudesse ser considerada

Comunidade Tradicional, o que a colocaria no patamar de Patrimônio

Histórico e Cultural da Humanidade.

Essa transição de comunidade isolada ou de difícil acesso a comunidade turística e globalizada propiciou o surgimento de novos sentidos que vão se constituindo no processo de transformação no qual o tempo insiste em correr veloz. Assim, entre mudanças, tempos e espaços, redes e sujeitos vai-se tecendo a comunhão entre passado e presente.