• Nenhum resultado encontrado

2.1 COSTA DA LAGOA: UM LUGAR, UM ESPAÇO, UM TEMPO

2.2.4 A escola e suas paisagens

2.2.4.4 O cotidiano da escola

O percurso diário da escola da Costa da Lagoa obedece a uma rotina que começa antes das sete horas da manhã para receber as crianças da Educação Infantil e depois as do Ensino Fundamental que chegam às oito horas. É o momento da preparação para a acolhida dos professores e das crianças: mesa com flores, café, bolo, pão e bolacha, financiados pelo grupo de professores e funcionários do quadro civil e terceirizados que trabalham na escola. Concomitantemente, há a preparação da merenda escolar oferecida pela Prefeitura Municipal de Educação, que fornece orientações de como prepará-la e servi-la, com acompanhamento e supervisão mensal de uma nutricionista da Secretaria Municipal de Educação.

Aos poucos as crianças vão chegando e indo para as suas salas e são recebidas pela professora e a auxiliar de ensino. Estas, num primeiro momento, deixam-nas interagir entre si, efetuando a mediação se necessário. Quando todas já estão em sala, encaminham as atividades propostas no planejamento. A Educação Infantil tem uma sistemática de trabalho que também apresenta certa constância de ritos pedagógicos que se desdobram entre o cuidar e o educar.

No Ensino Fundamental, as crianças, mais independentes, já chegam brincando com os amigos que encontram no caminho até a escola. Algumas vão comer, outras preferem brincar. No horário combinado vão para suas respectivas salas, onde a professora as aguarda e então dá início às aulas propriamente ditas.

Existem três horários que são categóricos no rito dessa escola no âmbito do Ensino Fundamental: a entrada na sala de aula, o recreio com hora da merenda e a saída. O recreio, de trinta minutos, no caso da escola da Costa da Lagoa, é subdividido: quinze minutos são para a brincadeira escolhida pelas crianças sob a supervisão de um professor e os outros quinze são para a merenda, que quase sempre é equivalente a um almoço no período da manhã e à janta no período da tarde, seguidos da escovação dos dentes. Voltam para as suas salas e no horário já determinado as crianças retornam às suas casas.

No cotidiano da escola a dinâmica espaço-tempo raramente se modifica, exceto quando há saída com as crianças para outros lugares ou então quando as crianças (da Educação Infantil e do Ensino Fundamental) são convidadas a compartilharem experiências em forma de socialização entre turmas e entre modalidades de ensino.

Esse olhar sobre o cotidiano da cultura escolar, demarcada pelos seus ritos cronotópicos, nos trouxe possibilidades de ressaltar os aspectos singulares da identidade da escola, pelos sentidos e concepções que esta expressa ao dialogar com o que é normativo e constante no discurso de sua existência no universo sígnico da cultura escolar. No jogo entre singularidades e generalidades, encontramos a sua universalidade como esfera social.

A Escola Desdobrada e NEI Costa da Lagoa segue sua prática orientando-se por princípios, direitos, deveres e atribuições comuns a qualquer instituição educacional pública. Sua singularidade está em estruturar-se pedagogicamente entrelaçada ao modo de vida da comunidade, ao mesmo tempo que faz parte da instituição geral da Rede Municipal de Educação. Isso porque a escola desenvolve seu processo pedagógico cumprindo as diretrizes curriculares normatizadas pela Rede Municipal para cada nível de ensino, mas o faz de forma diferenciada,

inaugurando um modo de lidar com o conhecimento diretamente focado nas lentes da cultura.

Dessa forma, a dimensão cultural ganha no espaço-tempo da escola uma visibilidade pedagógica que consideramos de grande importância para as relações entre ensino e aprendizagem, conforme podemos depreender do organograma presente no hall de entrada da escola, captado pela imagem fotográfica (nº1/2012) da Figura 3. Podendo ser entendido como a base em torno da qual transita o processo dialógico entre as manifestações culturais e os conhecimentos ditos escolares, o organograma anual aponta os caminhos por onde precisamente passeiam e passearão os conteúdos do currículo para cada série. Os nexos estão assegurados pelo movimento do processo ensino e aprendizagem como resultado da pesquisa que cada série vai realizando para então tornar-se coletivo na totalidade pensada e planejada pelo projeto anual da escola. O organograma se torna um elemento comum no horizonte social da esfera escolar, pois ele sintetiza os momentos do planejamento e das estratégias de diálogo entre o conhecimento escolar e a cultura da comunidade.

Figura 3 - Projeto de Trabalho Anual da Escola. Outono. 2012

Fonte: Acervo da Pesquisadora

Na composição das paisagens que configuram o que seja a escola como esfera social de fundamental importância nessa comunidade, vão aparecendo os elementos da cultura local como constituintes da identidade da cultura da Escola Desdobrada e NEI Costa da Lagoa. E, ao atentarmos para o que encontramos de singular e de geral nesses elementos, percebemos que estes são fruto da tensão entre os preceitos e

normativas da cultura institucional escolar e a cultura da escola que se movimenta no interior de um campo singular e particularizado da cultura local, que também possui suas regras e normativas de convivência social que se deslocam de um campo para o outro, sem, no entanto, se confundirem.

Para entender que o cotidiano de cada uma das esferas se encontra no curso da existência dos sujeitos foi necessário estar atento ao Ser e Existir dentro do espaço da sala de aula e depois observar esses mesmos sujeitos cruzando a porta em direção ao quintal que abriga a escola e que se alarga para a comunidade quando se abre o portão. São seus risos, gestos, palavras e movimentos que se carnavalizam, pois saem do roteiro das regras e das relações de hierarquia da sala de aula e da escola para tornarem-se presentes no acontecimento da vida que se projeta em todas as direções por meio dos acontecimentos diários que enlaçam trabalho e lazer, descanso e brincadeira.

O fato de as crianças estarem no quintal, seja ele no âmbito do espaço-escola ou no âmbito do espaço-comunidade, pressupõe sempre uma liberdade que abraça o mundo em seu entorno, pois o quintal torna- se de todos e para todos, brincar torna-se sinônimo de festa! Para comprovar a essencialidade desse momento na vida cotidiana dos sujeitos foi necessário acompanhá-los nesse ínterim e situá-los num lugar de fronteiras.

Assim, é no quintal que abraça a escola e a comunidade que temos o lugar de excelência do encontro dialógico e estético, já que nele as paisagens que compõem as duas esferas citadas despem-se de suas regras para incorporarem outras sem, no entanto, se confundirem.

O quintal, em nossa pesquisa, apresenta as duas esferas sociais onde se cruzam as existências dos sujeitos que tecem suas redes sociais materializadas nos trabalhos, nas festas, nas brincadeiras, nos costumes e nos hábitos que se vão configurando nesse lugar. A tessitura desse diálogo colocado em sua dimensão estética é que consideramos ser de extrema importância para alimentar as conversas sobre a Docência e a Educação nos tempos de hoje.

3 ENCONTROS COM O PENSAMENTO DE BAKHTIN: