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2.1 COSTA DA LAGOA: UM LUGAR, UM ESPAÇO, UM TEMPO

2.2.4 A escola e suas paisagens

2.2.4.3 A pedagogia

No que diz respeito à proposta pedagógica, a escolatrabalha com a “pedagogia de projetos”, inspirada no pensamento de Hernández e Ventura (1998). Com base nessa orientação, a escola compreende o conhecimento como uma teia que, tecida pelos processos de pesquisa, vai se enredando até dar contorno a uma totalidade. Busca-se assim trabalhar as partes e o todo de forma mais conjunta e orgânica.

Segundo o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola, um dos objetivos principais é desenvolver um trabalho que possibilite a articulação entre a educação infantil e o ensino fundamental de maneira que se supere a constante ruptura entre esses dois níveis da escolaridade. Em 201l, a comunidade escolar elegeu a temática da ludicidade como base dos projetos de trabalho, resgatando a priori as brincadeiras como o eixo da pesquisa das turmas. Este caminhar envolve de forma mais direta as famílias e a escola, desdobramento que obviamente engloba toda a comunidade, já que, aqui, quase todos descendem dos “clãs” das famílias que formaram essa pequena comunidade de tradição açoriana.

É uma escola que recebe as crianças da comunidade e do seu entorno, totalizando em torno de 80 crianças. Por sua condição sui

generis, organicamente faz parte da arquitetônica da comunidade local,

sendo um dos espaços de sociabilidade comunitária, daí a sua importância na constituição da cultura dessa comunidade.

Percebemos, ao lançar o olhar pela primeira vez para os elementos da cultura desse lugar, a existência de uma espécie de simbiose entre a cultura escolar e a cultura da comunidade, já que os eventos e acontecimentos perpassam pela fronteira entre as duas esferas

que, do nosso ponto de vista, são esferas determinantes na conjuntura sociocultural que se produz na sociabilidade desse lugar. Entendemos ser este um dos elementos fundamentais para que se possa compreender a forma do diálogo que se estabelece entre as duas esferas sociais.

Outro item fundamental para que possamos compreender a escola na configuração da comunidade são os aspectos político e pedagógico do trabalho nela desenvolvido. Os projetos de trabalho constituem-se como forma de organizar os conhecimentos escolares tornando-os mais significativos para a vida dos alunos, com a intenção de promover algumas mudanças nas relações entre ensino e aprendizagem.

Desse modo, a elaboração curricular vai-se construindo numa dinâmica de trabalho que a cada ano revela novas formas de apreender os sentidos que o currículo vai adquirindo nesse processo. A “pedagogia de projetos” alicerça-se em estudos em torno dos processos de reflexão sobre a prática, estes, por sua vez, fundamentam-se nos estudos e pesquisas da relação entre teoria e prática nos processos pedagógicos conduzidos em grande parte por J. Elliot, Pérez Gómez, Carr e Kemmis (1998).

Entendendo o professor como pesquisador de sua própria prática, e assim trazendo elementos para a prática investigação-ação dentro da sala de aula, a metodologia desses autores propõe uma reflexão ativa e investigativa em torno do processo da docência. Outro dado relevante nesse particular foi o contato com o livro A organização do currículo

por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio, de

Fernando Hérnandez e Montserrat Ventura (1998), que propiciou ao grupo de professores da escola da Costa da Lagoa a aproximação às experiências da escola Pompeu Fabra, de Barcelona. Segundo os professores, foi no estudo desse livro que surgiram elementos para poderem entender e superar as inquietações que estavam vivendo naquele momento do processo de formação pelo qual a escola passava. Buscando a integração entre os dois níveis do ensino básico – fundamental e infantil – a escola objetivava superar a ruptura no rito de passagem de um nível para outro e fundamentalmente precisava pensar em um currículo que fizesse sentido para as crianças daquela comunidade, que pudesse mobilizá-las para aprender a aprender.

É importante assinalar que a preocupação central da escola da Costa da Lagoa não era a importação de um modelo, já que a opção pela metodologia utilizada nos “Projetos de Trabalho” requer, entre outras coisas, a consideração do contexto cultural e local. A escola mantém a perspectiva de conceber o conhecimento na dimensão global e

relacional, entendendo, do mesmo modo que Hernández e Ventura, que a função do projeto de trabalho

é favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares em relação a: 1) O tratamento da informação, e 2) a relação entre os diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção de seus conhecimentos, a transformação da informação procedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio. (1998, p.61)

Atualmente a escola elabora um projeto anual como eixo norteador do processo ensino-aprendizagem, com base no qual estrutura seu currículo. Constando basicamente de uma temática escolhida pelo grupo de professores no início do ano letivo, esse projeto, no decorrer do ano e das atividades, se desdobra em projetos de trabalho nos moldes já citados, em que o grupo de alunos e professores de cada turma decidem conjuntamente a abordagem que vai dar ao tema, buscando estabelecer os nexos com os conhecimentos escolares de cada ano, definidos pela Rede Municipal de Educação de Florianópolis e constantes no documento “Proposta Curricular da Rede Municipal de Florianópolis”.

Mais recentemente, a elaboração do currículo também é subsidiada pelo documento intitulado “Matriz Curricular em construção” que no começo de 2011 chegou às escolas da Rede Municipal de Educação de Florianópolis apontando algumas mudanças na concepção do conhecimento, trazendo-o em forma de eixos temáticos abordados dentro de áreas do conhecimento. Essa concepção de currículo escolar regulado e distribuído em grandes áreas do conhecimento, seguindo os moldes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e os do Ensino Médio no Brasil, coloca em diálogo mais direto as disciplinas escolares.

Cabe ainda ressaltar que o tema “Ludicidade”, escolhido, conforme vimos, pela comunidade escolar como base dos projetos de trabalho em 2011, também teve o objetivo de servir de estratégia de pesquisa para os professores refletirem e buscarem subsídios para o trabalho com a Infância no Ensino Fundamental, já que a escola estaria recebendo a primeira turma com a idade de seis anos. As brincadeiras e os jogos foram o ponto de partida para o enredo da tessitura curricular

que ia se compondo no dia a dia da escola com cada turma e obviamente em todo o seu corpo coletivo.

O processo de trabalho que vai se estabelecendo, forma o que o grupo de professores da escola chama de currículo em rede, em que cada grupo de trabalho (a turmas e os seus professores) vai tecendo o desenho de sua rede, mas sempre realizando trocas entre os grupos e os níveis de ensino que coexistem no espaço e tempo da escola, configurando, segundo o documento do Projeto Político-Pedagógico (p. 14) uma forma cíclica e sistêmica de lidar com o conhecimento.

Dizer que o currículo em sua forma vai se constituindo como se fora uma rede, pressupõe pensar nos sentidos que a palavra rede tem para essa comunidade, já que esta, em sua maioria, vive a pesca. A escola pensa a rede, no sentido pedagógico, apontando para uma abordagem sistêmica de conhecimento, como por exemplo, podemos visualizar na Figura 1 – organograma do ano de 2012, mas, ao mesmo tempo, metaforicamente, imprimindo também uma identidade à escola com base em seu universo cultural.

Figura 1- Organograma

Sem dúvida, podemos dizer que os caminhos percorridos pelo grupo de professores da escola da Costa da Lagoa, direcionados pelos projetos de trabalho pensados e discutidos em cada início de ano letivo, têm em seu substrato a dimensão cultural como propulsora de diálogo com o conhecimento escolar já definido pelo documento institucional que legitima a Proposta Curricular da Rede Municipal de Educação de Florianópolis.

É nesse encontro institucional entre a cultura escolar e a cultura popular da comunidade que se constitui a rede pedagógica dessa escola, e desse modo, a cada ano novos desafios e contradições são postos na vereda de seu processo político-pedagógico, o qual, em última instância, é o que vai sendo tecido entre os múltiplos fios que enredam os contornos singulares da cultura da escola que observamos nos meses do desenvolvimento da pesquisa.

Nesse transcorrer, examinamos o processo de inter-relação e interdependência entre uma cultura e outra, cada uma com seu contingente de vozes que, em constante diálogo, procuram harmonizar- se aparando as arestas e superando tensões. Compreendemos, nesse processo, a existência de uma base que propicia a relação estética entre ambas as esferas. Estas, ao criarem percursos de transição dos signos de uma a outra, desenvolvem estratégias de trabalho que concomitantemente reanimam, revigoram e ajustam os sentidos de existência dessa comunidade, e podemos dizer ser possível vislumbrar, nesse processo dialógico e estético, sentidos de existência para as escolas na contemporaneidade.

A rede curricular torna-se, nesse contexto, a base cuja semântica participa do universo sígnico que se constrói nas fronteiras entre as duas esferas; do mesmo modo, a expressão pesca essa que está na logomarca da escola, mostrada na Figura 2, exterioriza a materialidade desse encontro.

Figura 2 - Logomarca da Escola

Fonte:Acervo da Escola

Assim, entre a concepção teórica que norteia os processos político-pedagógicos e a empiria dos ritos no cotidiano escolar é possível perceber rupturas e continuidades expressas nos comportamentos, valores e atitudes que em alguns momentos preservam o que há de normativo na cultura escolar e em outros incorporam inovações que pretendem romper com o estabelecido.