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A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos: entre a Organização de

5.5 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS EM ÁFRICA

5.5.1 A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos: entre a Organização de

A Organização de Unidade Africana (OUA), criada pela Carta de 25 de Março de 1963, surge com o objetivo principal de lutar contra a ocupação colonial dos territórios africanos e contra regimes minoritários racistas na África do Sul e na Namíbia. A constituição da OUA resulta de um processo longo e controverso no qual estiveram envolvidos distintos

líderes africanos, alguns dos quais já tinham independência em seus países, como foi o caso do Gana, e outros faziam parte de movimentos nacionalistas de luta anticolonial. Graças ao dinamismo e à determinação política de muitos deles, foi possível trazer à luz a Organização.127

Posteriormente, a organização viu-se pressionada a incluir em seus propósitos ações voltadas à promoção e proteção dos direitos humanos em uma perspectiva mais abrangente em relação àquela que até aí tinha adotado.128 Conforme assevera Marcolino Moco,

[...] devido à bipolaridade política em que estavam envolvidos os Estados membros da OUA, no âmbito da então chamada Guerra fria, que separava o ocidente liberal do leste socialista, não terá sido fácil o consenso na OUA sobre a necessidade de implementação de um sistema de proteção dos direitos humanos no continente (2010, p. 134).

Moco refere, ainda, que foi fundamental o empenho, a persistência e a habilidade pessoal do Secretário Geral da OUA, à época, para que houvesse uma superação do desinteresse generalizado pelo assunto e, assim, se discutisse e aprovasse a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (doravante Carta Africana).

A Carta Africana foi aprovada a 27 de junho de 1981, e entrou em vigor em 12 de outubro de 1986, cerca de vinte anos após a criação da Organização. Segundo Ana Martins (2006, p. 300), tal sucedeu pelo fato de a questão dos direitos humanos terem sido relegadas para segundo plano, aparecendo relacionada com o direito dos povos a disporem de si próprios e com interdição da discriminação racial.

Apesar das críticas que pesam sob a Carta Africana, relativamente à previsão de direitos e consequentes garantias, não podemos deixar de frisar os aspectos positivos e inovadores que a mesma incluiu na linguagem dos direitos humanos.

As professoras Flávia Piovesan (2006, p. 121-122) e Ana Martins (2006, p. 302) resumem as particularidades do sistema africano em cinco pontos.

O primeiro, ligado à gramática “direitos dos povos”, que, no dizer do preâmbulo, devem necessariamente garantir os direitos humanos, adotando, assim, uma perspectiva coletivista que empresta ênfase aos direitos dos povos e a partir desta perspectiva transita para o indivíduo. O segundo aspecto prende-se à atenção conferida às tradições históricas e aos

127 A Organização de Unidade Africana foi transformada formalmente em União Africana em 25 de maio de

2001.

128 Esta pressão era proveniente principalmente da mídia, das igrejas, de associações e organizações

intergovernamentais e não governamentais que expuseram alguns dos mais horríveis abusos aos direitos humanos no continente.

valores da civilização africana, que estiveram sempre presentes nas lutas contra a opressão e subjugação colonial.

A Carta Africana prevê direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais, reconhecidos em seu preâmbulo como sendo indissociáveis, tanto na concepção como na sua universalidade, referindo ainda que a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais garante o gozo dos direitos civis e políticos. Outra especificidade tem a ver com a ausência de um Tribunal dos Direitos Humanos e dos Povos.129 Finalmente, a consagração de deveres, pois que, segundo o preâmbulo da Carta Africana, “o gozo dos direitos e liberdades implica o cumprimento dos deveres de cada um”.

Assim, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos constitui a fonte principal do DIDH do sistema africano.

Na visão do jurista e advogado Marcolino Moco, a transformação da OUA em UA se reveste de um grande significado no sentido de encaminhar a África na senda de novos rumos, nos marcos dos avanços da ciência, da técnica e do desenvolvimento das instituições a nível global, e tem e terá uma repercussão na questão concreta dos Direitos Humanos. Moco finaliza dizendo que, ao contrário da Carta da OUA, que trazia parcas referencias sobre a questão dos direitos humanos, o Ato Constitutivo da UA consagra disposições muito significativas, tanto em seu preâmbulo como em seus artigos, que realçam bem a forma enfática como a questão dos direitos humanos passou a ser encarada na ordem instaurada pela nova instituição africana (2010, p.135).

Quanto a nós, preferimos ser mais realistas e reconhecer que a questão dos direitos humanos no continente sempre foi mais de eficácia do que de formalização, da existência de uma cultura de violência, de impunidade e injustiça social que sempre fez parte das instituições políticas e governamentais africanas. Pois, no preâmbulo da Carta Africana, já se previa que os direitos humanos se baseiam nos atributos da pessoa humana, o que justifica a

sua proteção internacional, e que, por outro lado, a realidade e o respeito dos direitos dos povos devem necessariamente garantir direitos humanos.

129 O Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (Tribunal Africano) foi criado pelo Protocolo à Carta

Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos, tendo sido adotado em junho de 1998 pelos Estados-membros da então Organização da Unidade Africana (OUA) em Uagadugu, Burkina Fasso. O Protocolo entrou em vigor em janeiro de 2004. O Tribunal Africano começou a funcionar em Adis Abeba, Etiópia, em novembro de 2006, mas sua sede permanente foi transferida para Arusha, Tanzânia, em agosto de 2007. Agora, o Tribunal já começou a julgar casos. Informações disponíveis em: <http://www.african-court.org/pt/o-tribunal/historico/>. Acesso em: 23 nov. 2011.

Para, além disso, as lacunas internas no âmbito dos direitos humanos podem sempre ser preenchidas a partir de uma aplicação analógica ou extensiva do direito internacional dos direitos humanos.

De um modo geral, a Carta estabelece um conjunto de direitos civis e políticos (artigos 2.º a 14 e artigo 26), direitos econômicos, sociais e culturais (artigos 15 a 17), alguns direitos das mulheres (artigos 2.º a 21) e direitos dos povos (artigos 19 a 24). Como garantia destes direitos, foi instituída uma Comissão, da qual trataremos em seguida.