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Casa do Benin – Salvador-Ba

No documento MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA (páginas 127-131)

Instalado em conjunto composto por dois sobrados, na parte inferior do largo do Pelourinho, ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, a Casa do Benin foi inaugurada em maio de 1988, ligada à Fundação Gregório de Mattos, da Prefeitura Municipal de Salvador. Restaurado pela arquiteta Lina Bo Bardi, além das salas de exposição, o conjunto incluía a residência do diretor e restaurante, hoje desativados. O espaço expositivo ficou distribuído em três pavimentos:

Andar Térreo: Exposição de Longa Duração.

Figuras 74 a 76

1o. andar: Exposições Temporárias

2o. andar: atualmente dedicado a uma exposição de turbantes, que não são exclusivamente africanos ou afro- brasileiros, mas a maioria estilizada, com apelo artístico e folclórico.

O que indagamos : de que África fala e apresenta a Casa do Benin? A Casa é apresentada através de texto da arquiteta Lina Bo Bardi :

A casa do Benin é a documentação realizada do “Fluxo e Refluxo”, o livro fundamental de Pierre Verger sobre o não tão longínquo episódio África – Brasil. A exposição de artesanato do Benin, consiste num artesanato pobre (no sentido mais moderno do trabalho), como o artesanato de todo o Nordeste Brasileiro. Pobre, mais rico de fantasia, de invenções, uma premissa de um futuro livre, moderno, que possa, junto às conquistas da prática científica mais avançada, guardar, no início de uma nova civilização, os valores de uma história cheia de dureza e poesia. Lina Bo Bardi.42

O texto é acompanhado pelo painel “Fluxo e Refluxo das Influências entre o Benin e a Bahia”, no qual são apresentadas fotografias das duas costas do Atlântico, de modo a evidenciar a “ semelhança de gestos, atitudes e hábitos de vida resultantes das

relações que se estabeleceram há muito tempo, entre o Benin e a Bahia”

Introduzida através de textos que contextualizam a relação Brasil – África, a exposição apresenta várias vitrines com objetos provenientes do continente africano, trazendo tecnologias desenvolvidas na África, como metalurgia e cerâmica. Entre os objetos também encontramos instrumentos musicais, esculturas e elementos usados em ritos religiosos.

Figuras 77 a 79

A exposição traz a chancela de Pierre Verger, sendo plausível encará-la como uma defesa visual de sua obra Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre o Golfo do

Benin e a Baía de Todos os Santos dos Séculos XVII ao XIX 43, centrada nas reciprocidades ocorridas entre culturas brasileiras e africanas. Verger organizou a exposição a partir de objetos coletados na região do Golfo do Benin, tendo como conceito e proposta evidenciar circuitos Bahia, Benin e Nigéria.

A Casa surgiu como local que além de expor deslocamentos das culturas do Benin, deveria funcionar como centro cultural voltado para a realização de cursos, palestras, encontros e outras atividades de estreitamento de relações entre Bahia e Benin, tendo sido as cidades de Salvador e Cotonou declaradas irmãs por ocasião da sua inauguração.

Os objetos africanos expostos evidenciam semelhanças com os utilizados em vários setores da vida cotidiana e religiosa na Bahia. Ainda existem fotografias que mostram traços da presença brasileira no Benin, local para onde retornaram vários afro- descendentes do Brasil44, sendo notada a presença de traços culturais brasileiros introduzidos pelos retornados no Benin, com ênfase na arquitetura, graças a mestres de obras brasileiros cujos ancestrais africanos edificaram Salvador da Bahia. A tese central da exposição trata dessa ampla relação entre dois continentes e a difusão de suas culturas45.

Geografia do Olhar

Os africanos trazidos ao Brasil e principalmente à Bahia, souberam conservar e transmitir

a seus descendentes costumes, hábitos alimentares e crenças religiosas de tal forma que reconstituíram no Brasil um ambiente africano. E, em contrapartida, os descendentes de africanos abrasileirados, quando retomaram há um século e meio a costa africana, também foram capazes de preservar alguns aspectos do modo de vida de seus parentes do alem mar. Assim, moram em sobrados de estilo brasileiro, semelhantes aos dos antigos senhores do Brasil, são católicos, comemoram a festa do senhor do Bonfim, vestem-se e preparam a sua comida à moda baiana. Apesar destas duas comunidades terem

43 VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre o Golfo do Benin e a Baía de Todos os

Santos dos Séculos XVII ao XIX. Rio de Janeiro/Salvador: Biblioteca Nacional/Corrupio, 2002.

44 No século XIX descendentes de escravos africanos no Brasil retornam para a África, surgindo no Benin a

comunidade de negros retornados, que passaram a ser conhecidos como os Agoudas.Estabelecidos no Benin, concentrados principalmente em Porto Novo, passaram a ocupar lugar de destaque na sociedade local. Ainda hoje existe esta comunidade de “brasileiros” no Benin.

45 Sobre a questão dos retornados ver : CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, Estrangeiros. Os escravos

libertos e sua volta à África. São Paulo: Brasiliense, 1985. GURAN, Milton. Agudas – de africanos no Brasil a “Brasileiros” na África. História, Ciência e Saúde – Manguinhos, jul./out. 2000, vol.7, n.2. p.415 – 424.

praticamente perdido contato a partir do inicio do século, seus integrantes tornaram-se, em termos culturais, africanos do Brasil e brasileiros da África, conseqüência imprevista do fluxo e refluxo do trafico de escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos.46

A Casa do Benin concretiza e simboliza ponto de relevância a ser considerado em investigações sobre a historicidade do patrimônio cultural africano no Brasil: encontros, tensões e negociações culturais, que provocaram injunções pensadas em termos de sínteses, sincretismos e mestiçagens. Hoje pensadas e trabalhadas em termos de culturas híbridas, constituídas entre fronteiras culturais, “entre-lugares” de confrontos e incorporações, implicando manutenção e negação, conflitos e negociações, conforme argumentações de Homi Bhabha que acompanha reflexões de Stuart Hall na formulação do conceito de tradução, para dar conta de

[...] formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal. Estas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é que elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são, irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo, a várias “casas”. As pessoas pertencentes a essas culturas híbridas têm sido obrigadas a renunciar ao sonho ou ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural “perdida” ou de absolutismo étnico. Elas são irrevogavelmente traduzidas. (....) As culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de identidades distintivamente novos produzidos na era da modernidade tardia. Há muitos outros exemplos a serem descobertos47

Ainda que a exposição da Casa do Benin recaia em abordagens que enfatizam expressões relacionadas à tradicionais culturas africanas em termos de patrimônio cultural e material, ao apresentar manifestações culturais recíprocas, vem abrindo expressivos diálogos entre culturas tradicionais africanas e afro-brasileiras, promovendo exposições temporárias de artistas brasileiros e africanos contemporâneos.

46 Texto Museu da Casa do Benin.

47 HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. 6a.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

No documento MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA (páginas 127-131)