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Museu da Cidade – Salvador Ba.

No documento MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA (páginas 121-127)

Instalado no Largo do Pelourinho está ligado à Fundação Gregório de Matos, Secretaria de Cultura do Município de Salvador. Inaugurado em 05 de julho de 1973, sua exposição percorre três andares de dois sobrados conjugados, ao lado da Fundação Casa de Jorge Amado. Com predominância de imagens relacionadas a elementos das culturas afro-brasileiras, seu acervo é composto de fotografias, quadros, manequins vestidos com roupas de divindades, bonecos miniatura em cenas do cotidiano da cidade do Salvador, ex-votos, esculturas e móveis.

A exposição não segue abordagem cronológica, ou preocupação em apresentar aos visitantes acontecimentos marcantes da cidade, explicitando o seu desenvolvimento e trajetória histórica. Não há nem mesmo um circuito interconectado, mas a apresentação

de módulos que, iniciados com apresentação de mapas sobre as primeiras configurações da cidade, destaca o desenvolvimento da ocupação do espaço urbano.

Figuras 63 e 64

Encontramos sala que apresenta orixás em círculo, expografia que “reproduz” uma roda de orixás, o xirê, em festa pública de terreiro, com texto que fala sobre o candomblé e suas divindades.

Na sala de exposições temporárias para a apresentação de temas correlatos à história da cidade e a elementos das culturas afro- brasileiras, é exposta permanentemente uma escultura de negro acorrentado.

Figuras 65 e 66

No primeiro andar, há uma sala que contêm parte do acervo do Museu Estácio de Lima37, composto de peças apreendidas nos Terreiros de Candomblé em Salvador, pela Polícia do Estado, como parte das estratégias de repressão aos cultos afro, ocorridas na primeira metade do século XX. Interessa reter esta sala como contraponto ao Museu Afro-Brasileiro, em que se apresentam objetos religiosos comprados ou doados pelo povo-de-santo, e o Memorial Mãe Menininha do Gantois, onde os objetos estão expostos no contexto de uma casa de santo. Aqui se encontra um testemunho museológico e museográfico da intolerância religiosa e de desrespeito à diversidade e pluralidade cultural.

Também neste andar encontramos salas que apresentam miniaturas com cenas do cotidiano da cidade do Salvador nos séculos XIX e XX, com predominância da presença de negros em atividades cotidianas: feiras, negros fugidos, amas de leite, engenho, entre outras.

37 Este acervo é composto de peças apreendidas nos Terreiros de Candomblé em Salvador, pela Polícia do

Estado, como parte das estratégias de repressão aos cultos afro, ocorridas na República. Não foi possível fotografar esse módulo.

No segundo e último andar encontramos obras de arte com temática afro, além de uma sala dedicada a ex-votos.

Propomos para o Museu da Cidade uma reflexão sobre em que medida a população afro-brasileira é visível no seu discurso expográfico e se sua importância fica evidenciada para a história da cidade de Salvador.

Percebemos que apesar deste ser o Museu da Cidade, não contempla dimensões sobre sua história, formação e manifestações culturais em Salvador, sendo visível que o discurso expográfico gira em torno de referências a elementos afro-brasileiros, suas práticas culturais, religiosas, costumes e cultura material. Sem articular tais evidências à importância de povos africanos na estruturação, organização e funcionamento de Salvador, esta cidade acaba sendo representada “sem história”, sem protagonistas contextualizados em suas relações de poder, cargos, funções, atividades econômicas, sociais, culturais. Esta perspectiva traduz a grande força e presença das culturas e tradições africanas em Salvador, mesmo que esta ênfase não pareça fazer parta da proposta desta instituição.

Já na entrada, único momento de rápida referência ao desenvolvimento da cidade, através de mapas antigos sobre a fundação e evolução do seu traçado urbanístico, temos as figuras de um homem ao tronco, sendo chicoteado e manequins vestidos com indumentárias da Irmandade da Boa Morte38.

Figuras 67 e 68

38 A Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, da cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, tem

origem atribuída no início do século XIX, na Igreja da Barroquinha, em Salvador, constituída por mulheres negras escravas. Hoje mantêm a tradição secular, formada por mulheres afro-descendentes.

Mesmo sem proposta de abordar a cidade do Salvador a partir da contribuição das populações africanas e afro-brasileiras, em seus mais de quatrocentos e cinqüenta anos, praticamente todo o conteúdo exposto39 remete à presença destes povos nesta cidade e a suas contribuições para o desenvolvimento de sua vida urbana. No entanto, chama atenção que as imagens referem-se, quase todas, à condição dos africanos enquanto escravos, em posturas normalmente de submissão e sob castigos, em fuga e/ou sujeição.

Neste Museu encontramos um dos elementos recorrentes na disposição de africanos em exposições: trata-se da ênfase na condição escravizada dos negros na sociedade brasileira, complementada pela referência seguida a castigos e torturas à que foram submetidos. Obviamente, esta abordagem resulta e faz parte da realidade brasileira em modificação há pouco mais de 100 anos, em que imperava a sujeição dos africanos escravizados a seus senhores. No entanto, se insistirmos nesta representação sem contrapontos, o discurso limita-se à abordagem da criminalização da resistência ao lado de imagens de passividade. Faltam nas exposições, imagens e textos que problematizem estes enfoques de medo e inércia, trazendo as reações, rebeliões e movimentos de resistência, quer isolados ou grupais, como, por exemplo, as diversas estratégias que buscaram minar ou atenuar, quanto possível, o poder senhorial em relação aos corpos e mentes de homens e mulheres negros.

Ainda sobre a construção de discursos relacionados à pretendida passividade dos africanos escravizados percebemos ausência de relatos ou imagens historicizando as experiências de trabalho, luta, vida e morte em uma cidade

Figura 69

39 Além do já mencionado, existe uma sala dedicada a imagens religiosas católicas e outra sala dedicada

ao poeta Castro Alves, em que além de documentos e referências à sua genealogia familiar, existem gravuras e desenho feitos pelo poeta. Ainda aqui, podemos encontrar a presença africana, pois sabemos que a mão de obra utilizada nos séculos passados para a produção de arte sacra cristã, incluía em sua grande maioria negros e mestiços, e que Castro Alves teve produção literária relacionada à escravidão e abolição.

marcada pela presença de africanos. As únicas imagens que não remetem ao trabalho escravo são as da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte e das obras de arte que, no entanto, tendem para a exploração de aspectos pitorescos do negro, em abordagens folclorizadas, como as de festas populares, religiosidade e personagens típicos.

A Lavagem do Bonfim

Na primeira semana de janeiro, o povo se prepara para a tradicional festa do Bonfim.

Na quinta feria anterior ao domingo da festa procede- se a lavagem da igreja. Para esse fim, de véspera, começam os arranjos da partida, que constituem em acondicionar em grandes carros, pondo-se todos a caminho. Os saveiros e os pequenos vapores da Companhia Baiana conduzem grande parte dos romeiros, ao passo que muitos outros seguem a pé ou servem-se das gôndolas, que fazem o transporte de passageiros dos "Cais Dourado", até a ladeira do Bonfim. São centenas de devotos e devotas, que seguem, com vassouras, moringas, pequenos potes e vasilhas outras. Algumas levam água da cidade e em todo o trajeto dançam com a vasilha na cabeça, e assim prosseguem ate o termo da viagem. Às dez horas começa a lavagem das escadarias da Igreja do Bonfim.40

Figura 70 e 71

Quindins de Iaiá - Em todos os livros da culinária

baiana, as recordações do século passado, lembranças carinhosas que se guardam nas famílias tradicionais, os quindins de Iaiá tem um lugar especial.

São receitas de negras, escravas de estimação, são maneiras de fazer de tia-avó, são segredos que passaram de avó para neta.

Os quindins de Iaiá são uma recordação deliciosa das casas grandes, quando os salões da fidalguia se abriam para memoráveis saraus, com todos os requisitos da nossa maneira de bem receber.

O costume bem brasileiro de gostar de doces e de comê-los em qualquer lugar ou hora, estimulou o aparecimento do tabuleiro. Em pontos fixos da cidade ou a correr as ruas, tornou-se conhecida a figura das vendedeiras, cuja arte haviam aprendido nas casas grandes e a qual acrescentaram um toque de colorido africano. 41

40 Texto Museu da Cidade. 41 Texto Museu da Cidade

Neste museu encontra-se galeria dedicada a artes plásticas, em que africanos aparecem apenas como tema das obras, citados nos quadros e esculturas que retratam suas manifestações culturais e símbolos religiosos, sem que haja referência aos negros enquanto produtores de artes, para além da perspectiva da produção de cultura popular.

No documento MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA (páginas 121-127)