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RISÉRIO, Antônio Carnaval: as cores da mudança Salvador: UFBA, 1995 p 98 Revista Afro-Ásia,

No documento MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA (páginas 77-82)

Contatos, olhares, exibições, interpretações.

47 RISÉRIO, Antônio Carnaval: as cores da mudança Salvador: UFBA, 1995 p 98 Revista Afro-Ásia,

sua desconsideração provocou no domínio do patrimônio cultural, em geral, e dos museus, em particular48

Neste sentido, no Brasil, o período de 1870 a 1930, configurou-se como um "laboratório" onde teorias raciais em voga na Europa, desde o final do século XVIII, podiam ser “aferidas e confirmadas”. O Museu Nacional no Rio de Janeiro; o Museu do Ipiranga, em São Paulo e o Museu Paraense de História (atual Emílio Goeldi) em Belém, constituíram-se como locais de acolhimento de pesquisadores estrangeiros, que de passagem, ou instalados por algum tempo, recolheram amostras naturais e artefatos etnográficos para ilustrarem suas teorias. Alguns destes estrangeiros ocuparam cargos de direção, contribuindo para imprimirem ainda mais as suas idéias49.

Teorias e conceitos foram forjados tendo como base a perspectiva de diferenças qualitativas entre os povos, implicando superioridade de uns em relação a outros. A República Brasileira surgiu em meio a idéias que, refletidas, levaram a posturas que consideram negros e índios – os negros da terra-, em posição inferior aos brancos, perspectiva que ecoou e adaptou-se em todos os segmentos da sociedade brasileira, predominando em seus instrumentos de formação de opinião e transmissão de conhecimentos.

As práticas institucionais no Brasil revelam esforço permanente em negar traços étnico-culturais que ponham em risco desejos de “modernidade”, “progresso” e "desenvolvimento" nacional, baseado em referências culturais ditas "ilustradas". Os museus sempre estiveram a serviço deste projeto, exibindo objetos testemunhos das culturas ditas superiores, modelos para a formação de um caráter e personalidades que comportem modos e maneiras “elegantes e civilizadas”.

Objetos de culturas de negros e de índios - quilombolas, sertanejos, nordestinos, nortistas, peões, candangos, entre outros -, geralmente são apresentados pelo viés do exotismo e da variação/deturpação dos padrões superiores a serem seguidos, moldando-

48 MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. A problemática da identidade cultural nos Museus: de objetivo (de

ação) a objeto de conhecimento. São Paulo, Museu Paulista, 1993. Anais do Museu Paulista. Nova série, n.01. p. 208.

49 Herman von Ihering, alemão graduado em medicina e ciências naturais foi diretor do Museu Paulista, de

1894 às primeiras décadas do século XX; o zoólogo suíço Emílio E. Goeldi foi contratado para diretor do Museu Paraense de História Natural e Etnografia, que depois levaria o seu nome, em 1893.

se, para tal, conceitos como cultura e religiosidade popular, folclore, objeto etnográfico e manifestação de cultura tradicional.

Nos últimos anos podemos apontar mudanças nas políticas de preservação patrimonial no Brasil. Passaram a ser considerados territórios do sagrado, comunidades afro-brasileiras em processos de tombamento desde 1984 e, mais recentemente, com a inclusão de bens da cultura imaterial no processo de tombamento, quando referencias culturais das comunidades afros entram em processos de tombamento, como é o caso do acarajé. Certamente, temos consciência de que o simples fato de tombar não resolve sérios problemas e desafios que afetam diretamente estas comunidades, como, por exemplo, a especulação imobiliária de seus territórios, ou ainda a intolerância religiosa. No entanto, o destaque e o reconhecimento destes referenciais enquanto patrimônios da cultura nacional, propiciam demandas turísticas, gastronômicas, festivas que chamam a atenção sobre artefatos, artesãos, músicos, cantadores e as comunidades que os produzem.

No caso dos terreiros de candomblé, os tombamentos foram iniciados em Salvador, em 1984, com o Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, seguido do Axé Opô Afonjá, em 1999, e Terreiro do Gantois, em 2002, tendo a Casa das Minas, em São Luis do Maranhão, sido tombada em 2001. Em 2003 foi aprovado o tombamento do Terreiro de Candomblé do Bate Folha Manso Banduquenqué, em Salvador. Em 1990 foi realizado o primeiro tombamento em São Paulo, o do Terreiro Axé Ilê Oba, pelo CONDEPHAAT 50

Em certo sentido, contribuiu para este procedimento, no caso da Bahia, a realização do Projeto MAMNBA – Mapeamentos de Sítios e Monumentos Religiosos Negros da Bahia -, que foi desenvolvido entre os anos de 1982 e 1987, realizado pela antiga Fundação Pró-Memória e Prefeitura Municipal de Salvador, cobrindo um conjunto de 2000 centros de cultos, somente em Salvador.51

50 AMARAL, Rita O tombamento de um terreiro de candomblé em São Paulo.

http://www.aguaforte.com/antropologia/osurbanitas/revista/tombasp.htm

51 Parecer extrato da 39a. reunião do Conselho Consultivo do Iphan, de 14/08/2003, em que se considera a

As ações de tombamento expandiram-se pelo Brasil, no âmbito dos diversos órgãos de proteção de patrimônio. Em dezembro de 2004 o Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional determinou o tombamento do acarajé como patrimônio nacional e a atividade das baianas que vendem o bolinho típico da Bahia também foi reconhecida e regulamentada como profissão. Ainda foram reconhecidos como patrimônio imaterial nacional o Jongo e o Samba de Roda do Recôncavo da Bahia, que além de terem sido considerados patrimônio nacional brasileiro, em 05 de outubro de 2004 receberam o título de obra prima do patrimônio oral e imaterial da humanidade, atribuído pela UNESCO.

Destaca-se nesta trajetória recente a Lei 10.639 de janeiro de 2003, que institui a obrigatoriedade do ensino de História da África, Culturas Africanas e Cultura Afro- brasileira, na rede pública e privada de ensino no Brasil, em todos os níveis de instrução. Para a implementação desta lei foram estabelecidas diretrizes curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- Brasileira e Africanas.

A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira.

O ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro- brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas.52

Outra ação afirmativa de reconhecimento da importância das comunidades afro- brasileiras, fruto de uma longa trajetória de lutas e ações civis, foi a publicação da Instrução Normativa n.20, de setembro de 2005, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de que tratam o

52 Parágrafos 1o. e 2o. do Artigo 2o. da Resolução n.1, de 17 de junho de 2004, que institui Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, na rede pública e privada de ensino no Brasil, em todos os níveis de instrução.

artigo 68 das Disposições Constitucionais Provisórias da Constituição Federal de 1988 e Decreto de 20 de novembro de 2003. O artigo n.4o. desta Instrução estabelece que

consideram-se terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos toda a terra utilizada para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, bem como as áreas detentoras de recursos naturais necessários à preservação de seus costumes, tradições, cultura e lazer, englobando os espaços de moradia e, inclusive, os espaços destinados aos cultos religiosos e os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos.

No caso das exposições e museus no Brasil podemos perceber que, ainda hoje, apesar das teorias raciais do século XIX terem sido substituídas por outras abordagens sobre as diferenças entre os povos, pensando em diversidade, existe uma persistência de preconceitos que se revelam, explicita ou implicitamente. São algumas destas recorrências e formas de abordagem que pretendemos discutir neste trabalho nos capítulos seguintes.

No desenvolvimento desta pesquisa fomos nos dando conta de que o tema em questão – a representação de culturas africanas e afro-brasileiras em exposições – está presente e pode ser investigada na maioria dos acervos e museus brasileiros. Atribuímos esta questão ao fato de que as culturas brasileiras são fortemente marcadas por tais elementos culturais, e mesmo quando não há intenção institucional de tratar o tema, seus acervos apresentam objetos direta ou indiretamente ligados à presença de africanos e afro-brasileiros. De norte a sul do Brasil encontramos acervos, quer nas reservas técnicas, quer nas salas de exposição de longa duração ou temporárias.

O universo pesquisado neste trabalho é apresentado como um recorte, deixando de fora muitas outras instituições, exposições e produções53, situação inevitável por termos que limitar o número de casos analisados para haver maior atenção sobre os casos estudados.

53 Obra lançada em 2005, pelo antropólogo Raul Lody O Negro no Museu Brasileiro – construindo

identidades, apresenta panorama de acervos brasileiros na qual localizamos coleções que poderiam ter sido alvo deste estudo: Coleção Etnográfica Africana do Museu Paraense Emílio Goeldi; dos Terreiros de São Luís do Maranhão; do Museu Arthur Ramos em Fortaleza; do Museu Câmara Cascudo, no Rio Grande do Norte; a Coleção do Instituto Histórico e Geográfico e Coleção do Museu Théo Brandão em Alagoas; Coleções do Museu do Estado e da Fundação Gilberto Freyre em Recife; do Museu Afro-Brasileiro de Laranjeiras, em Sergipe; Em Salvador coleções do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, do Instituto Feminino da Bahia, de Balangandãs do Museu Carlos Costa Pinto e o Museu do Ilê Axé Opô Afonjá. No Rio de Janeiro a coleção africana do Museu Nacional de Belas Artes, coleções do Museu Nacional (UFRJ) e do Museu do Folclore Edson Carneiro.

Capítulo 2 - Teatro de Memórias de expressões de Culturas da diáspora

No documento MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA (páginas 77-82)