• Nenhum resultado encontrado

1. Apresentação dos casos clínicos

1.1. Caso clínico nº 1

O animal do caso clínico nº 1 foi observado em duas ocasiões distintas, com um quadro clínico idêntico. O primeiro episódio de doença ocorreu em Abril de 2009, tendo a cadela sido observada em domicílio por ter perdido força nos membros posteriores e deixado de andar. Os sinais começaram por uma paresia flácida dos membros pélvicos (MP), que no espaço de um semana progrediu para os membros torácicos (MT) e finalmente para os músculos do pescoço e da cabeça. O animal deixou de se alimentar voluntariamente e não conseguia suportar o peso da cabeça. Foi proposto um plano de tratamento com uma associação de sulfametoxazol e trimetoprima e com prednisolona, mas não houve melhoria dos sinais clínicos. Desconhece- se qual o diagnóstico estabelecido pelo médico veterinário.

Quando o animal foi trazido à consulta na clínica, cinco dias depois do início dos sinais clínicos, estava já tetraparético. No exame físico observou-se que o animal fazia retenção urinária, a urina era escura e tinha sobrepeso. À data da consulta eram-lhe aplicadas gotas nos ouvidos para alívio do prurido. Os restantes parâmetros do exame físico eram normais. No exame neurológico verificou-se que o animal manifestava hiperestesia. Os reflexos triccipital e biccipital estavam ausentes bilateralmente. Os reflexos patelar e tibial cranial estavam ausentes no MP esquerdo e diminuídos no direito. O reflexo do tronco cutâneo estava diminuído no lado esquerdo e normal no lado direito. Não foram avaliadas as reacções posturais, uma vez que o animal não suportava o seu peso. A avaliação dos nervos cranianos e restante exame neurológico estava normal. Como exames complementares realizou-se uma tira reactiva de urina e radiografia da região cervical. Verificou-se a existência de hematúria e proteinúria, que foi atribuída à retenção urinária. Na radiografia detectaram-se áreas de espondilose, na região cervical aparentemente sem importância clínica. Mediante as informações recolhidas foi estabelecido um diagnóstico presuntivo de polirradiculoneurite idiopática. Foi recomendada a administração de NEURO® (ANIMO-Complexe) em cápsulas, um produto de nutrição ortomolecular cuja composição é descrita no Quadro 3. Como o tratamento da

2 anos 7 kg

Pêlo de arame branco Identificação do animal

Canídeo

Cruzado de Podengo

polirradiculoneurite idiopática se resume a fisioterapia, o animal foi referido para consulta de Medicina Veterinária Tradicional Chinesa (MVTC).

Ao exame de MVTC o animal apresentava a língua roxa escura, sem saburra, sem rachaduras ou marcas. Tinha o focinho seco (deficiência de Yin) e fazia retenção urinária (síndrome de Calor ou de estagnação). Não manifestava sensibilidade à palpação dos pontos Shu e o pulso era profundo mas fácil de palpar, mais rápido e superficial após a sessão de acupunctura. O quadro clínico e o exame de MVTC eram compatíveis com uma síndrome Wei. Foi proposto um plano de tratamento de acupunctura com agulha seca, electroacupunctura, laser e fitoterapia chinesa. Os tratamentos foram realizados três vezes por semana, durante dois meses. O plano de tratamento e os acupontos utilizados com maior frequência estão descritos no Anexo XV. O esvaziamento manual da bexiga era fácil, e realizado sempre que o animal era trazido para tratamento. Uma semana após o início dos sintomas, o animal já conseguia a mover a cabeça e passado duas semanas urinava voluntariamente. O animal começou por recuperar o movimento do tronco e à terceira semana arrastava-se sem movimentar os membros. A melhoria dos sinais neurológicos ocorreu na mesma ordem com que apareceram, tendo recuperado primeiro o movimento dos MP e mais tarde dos MT. A recuperação total, com actividade ambulatória, presença de reflexos espinhais e reacções posturais normais, demorou dois meses desde o início do tratamento com acupunctura.

A cadela foi novamente trazida à consulta em Novembro de 2010 com uma recidiva. Tinha aparecido paralisada dos MP e o proprietário reconheceu os sintomas. No exame físico constatou-se que o animal tinha retenção fecal e urinária. Apresentava paralisia dos MP, mas preservava o movimento nos MT. O animal continuava com sobrepeso (7.4 kg) e o restante exame físico estava normal. Duas semanas antes, tinha sido realizada a vacinação anti-rábica com Rabigen® Mono (Virbac). No exame neurológico, todos os reflexos espinhais estavam presentes mas diminuídos, especialmente o reflexo patelar direito. Estavam ausentes o reflexo perineal e o posicionamento proprioceptivo dos quatro membros. Os nervos cranianos estavam normais tal como o reflexo cutâneo do tronco. O animal apresentava hiperestesia. As reacções posturais não foram avaliadas porque o animal não suportava o seu peso. Havia hipotonia da

100 mg 90 mg 20 mg 6 mg 3,5 mg ! Amido de arroz

Quadro 3. Conteúdo de uma cápsula de NEURO® (ANIMO-Complexe).

! Cálcio Quelato ! Proteínas de Lactoserum ! Magnésio Quelato ! Lítio Quelato ! Manganês Quelato qbp 320 mg

musculatura abdominal e torácica e uma ligeira hipotonia e fraqueza muscular nos membros, sem atrofia muscular. Três dias após o aparecimento de paralisia dos MP, houve progressão para os MT. Foi estabelecido o diagnóstico presuntivo de polirradiculoneurite idiopática, recidiva do primeiro episódio ou possivelmente associada à vacinação anti-rábica. O animal foi imediatamente referido para consulta de MVTC, apresentando-se com um pulso profundo, relativamente fraco, rápido e difícil de palpar. A língua era rosa escura. O sinais eram compatíveis com uma síndrome Wei. Instituiu-se um plano de tratamento com acupunctura com agulha seca, laser, electroacupunctura e fitoterapia chinesa. O animal queixava-se muito na inserção das agulhas, por isso as sessões de tratamento eram realizadas com contenção manual e açaime (Figura 17).

No final de cada sessão de acupunctura era realizada fisioterapia nos membros, pois em casa o animal tornava-se agressivo e gania quando o proprietário tentava fazer fisioterapia. O plano de tratamento proposto consistiu em três sessões semanais de acupunctura durante duas semanas, seguido de duas sessões semanais durante dois meses. Findo esse período, face a melhoria dos sinais clínicos, a frequência das sessões foi diminuindo gradualmente até uma sessão mensal. Cinco dias após o aparecimento dos sinais, o animal

recuperou o controlo dos esfíncteres e a capacidade de urinar e defecar voluntariamente. Como a cadela ficava muito agitada durante a noite, a proprietária, enfermeira, administrava 2,5 mg de diazepam em comprimido. Recomendou-se a substituição do diazepam por uma infusão de valeriana. Duas semanas depois do início dos sinais clínicos o animal já se tentava levantar, no entanto, notava-se já alguma atrofia muscular e continuava sem propriocepção. Começou por recuperar o movimento dos MP, assim como um aumento do tónus e força musculares, cerca de um mês depois do início dos sinais. Dois meses após o início do tratamento (21ª sessão de acupunctura) o animal era capaz de se manter em estação e dar alguns passos. Nesta altura os reflexos espinhais, tónus e força muscular eram normais nos MP, mas ligeiramente diminuídos nos MT. A reacção de posicionamento proprioceptivo foi inconstante ao longo do tratamento. Geralmente era positiva nos MT e ausente nos MP, mas em algumas consultas era cruzada (positiva no MT esquerdo e no MP direito). O animal recuperou a actividade ambulatória no final de Janeiro de 2011, apesar de se cansar rapidamente, provavelmente devido à atrofia muscular. Inicialmente tinha alguma ataxia nos MP que foi desaparecendo nos dias seguintes. Apesar de correr e caminhar normalmente, o

Figura 17. Contenção com açaime durante as sessões de acupunctura. Providencia segurança para o acupuncturista e evita que os animais arranquem ou ingiram as agulhas.

animal continuava sem posicionamento proprioceptivo nos MP. Na consulta de acompanhamento realizada um mês depois, o animal havia recuperado a propriocepção nos quatro membros e foi considerado totalmente recuperado.

À data de conclusão deste trabalho, a cadela voltaria à consulta com uma nova recidiva, apresentando um quadro clínico semelhante, aparentemente sem qualquer factor desencadeante. A proprietária recusou o tratamento e optou pela eutanásia.