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2.1. Discussão do caso clínico nº 1

No caso clínico nº 1, os sinais de hipotonia, hiporreflexia e paresia/paralisia eram típicos de uma síndrome neuropática ou doença do neurónio motor inferior. Os sinais bilaterais e simétricos, que surgiram inicialmente nos MP, sugeriam uma polineuropatia generalizada. A

Figura 22. Pormenor do exame radiográfico na projecção lateral. Comparada com T13, a vértebra L1 parece deslocada em direcção ventral e há diminuição do espaço intervertebral T13-L1.

Figura 23. Pormenor do exame radiográfico na projecção ventrodorsal. Comparada com T13, a vértebra L1 parece deslocada lateralmente para a esquerda e há uma diminuição do espaço intervertebral T13-L1.

suspeita de polirradiculoneurite aguda baseou-se no desenvolvimento rápido da paresia dos MP, progressiva e ascendente, que em menos de 72 horas afectava os MT. A polirradiculoneurite é uma doença inflamatória que afecta maioritariamente as raízes nervosas ventrais, mas também as raízes dorsais e os nervos periféricos. Num estudo citado por Braund (2003), os nervos espinhais e raízes lombo-sagradas parecem ser mais afectados, o que pode explicar porque é que os sinais clínicos surgem preferencialmente nos MP e ascendem aos MT. Quando é presente à consulta um animal com episódios de fraqueza ou de colapso, a avaliação da história clínica e a realização de um exame físico e exame neurológico completos permitirá determinar se a fraqueza generalizada resulta de uma doença neuromuscular ou de uma doença sistémica (Platt e Garosi, 2004). No exame físico o animal estava bem disposto, alerta e apresentava apenas retenção urinária e sinais de paresia e paralisia. O facto de não existirem sinais clínicos de relevo, permitiu descartar a hipótese de doença sistémica, metabólica ou cárdio-respiratória. A análise de urina com tira reactiva revelou proteinúria e hematúria/hemoglobinúria. Neste animal, a presença deste elementos na urina foi atribuída à retenção urinária. Não se considerou necessário realizar a análise da urina, porque não havia indícios de obstrução ou de doença subjacente do tracto urinário. Os tratamentos de acupunctura eram realizados na clínica em dias alternados, portanto o estado geral do animal era avaliado regularmente, não se tendo deteriorado no curso da doença. O esvaziamento manual da bexiga era fácil e com pouca resistência ao fluxo de urina. De um modo geral, na polirradiculoneurite, a defecação, micção e mobilidade da cauda são normais, porque as raízes sagradas (S1 a S3) e caudais são menos afectadas. Neste caso, havia envolvimento das raízes nervosas sagradas, pois o reflexo perineal, a micção e a defecação voluntária estavam ausentes. Os segmentos sagrados dão origem aos nervos responsáveis pelo reflexo perineal (nervo pudendo) e pela inervação dos músculos esqueléticos do esfíncter uretral externo (nervo pudendo) (Lorenz et al. 2011) e do esfíncter anal externo (plexo sacral e ramo caudal do nervo pudendo) (Lahunta e Glass, 2009). Nas doenças do neurónio motor inferior, quando os segmentos sagrados ou o nervo pélvico estão afectados, a bexiga é grande, está distendida e é facilmente esvaziada manualmente (Ettinger e Feldman, 2010). O facto de o animal recuperar o controlo dos esfíncteres numa semana, sem melhoria dos restantes sintomas, pode dever-se a um menor envolvimento das raízes nervosas sagradas.

No exame neurológico verificou-se que o animal apresentava hiperestesia e nas sessões de tratamento o animal queixava-se muito na inserção das agulhas. O reflexo do tronco cutâneo estava diminuído no lado esquerdo e normal no lado direito. Na polirradiculoneurite as respostas cerebrais a estímulos dolorosos são normais ou exageradas e por vezes há hiperestesia difusa nas extremidades ou ao longo da coluna vertebral (Lorenz et al., 2011). Esta hiperestesia pode resultar da natureza inflamatória da doença (Dewey, 2005) e é comum em doenças que cursam com inflamação e edema das raízes nervosas dos nervos espinhais. Os

reflexos espinhais estavam ausentes nos MT, no MP esquerdo e diminuídos no MP direito. Na recidiva todos os reflexos espinhais estavam presentes mas diminuídos. A diminuição ou ausência dos reflexos espinhais é reflexo do grau de lesão axonal e mielínica (Dewey, 2005). A polirradiculoneurite caracteriza-se pela desmielinização e degenerescência segmentar das bainhas de mielina e dos axónios (Braund, 2003), lesões que impedem a transmissão normal dos impulsos dos cornos ventrais da medula espinhal e das fibras nervosas motoras, às fibras musculares (Lorenz et al., 2011). Quando se avaliou o posicionamento proprioceptivo, havia défices evidentes e atrasos no reposicionamento das extremidades. A propriocepção foi inconstante no curso da doença e quando a cadela recuperou a actividade ambulatória, permaneciam os défices proprioceptivos nos MP. Geralmente, na polirradiculoneurite, as reacções posturais são normais, nos animais em que ainda há capacidade motora suficiente para efectuar a resposta do membro (Dewey, 2005). No entanto, as fibras nervosas sensitivas aferentes, que acompanham o trajecto dos neurónios motores inferiores nos nervos periféricos, podem também estar afectadas, provocando um atraso nas reacções posturais (Ettinger e Feldman, 2010). A actividade ambulatória no final do tratamento comprova que existia capacidade motora para realizar a resposta postural, portanto os défices proprioceptivos dever-se-ão a um comprometimento das fibras sensitivas. Os pares cranianos estavam normais e de facto, é raro estarem alterados nas polirradiculoneurites. A proprietária referiu que a cadela passou a ladrar menos que o habitual e com um tom diferente. No decorrer do tratamento, a cadela recuperou a voz normal e voltou a ladrar mais. A alteração ou perda de voz ocorre em algumas doenças neuromusculares, como as polineuropatias, quando está afectado o nervo laríngeo recorrente (Ettinger e Feldman, 2010), como seria neste caso.

Perante o quadro clínico, os diagnósticos diferenciais incluíam: paralisia da carraça, botulismo e miastenia gravis fulminante, uma vez que, segundo Lorenz et al. (2011), estas doenças das junções neuromusculares mimetizam os sinais clínicos da fase inicial da polirradiculoneurite. Este animal era desparasitado externamente com regularidade e não foi encontrada nenhuma carraça no exame físico. Para além disso, na paralisia da carraça não há hiperestesia e a recuperação ocorre sem tratamento em 24 a 48 horas após remoção do parasita. O botulismo também seria muito improvável neste caso. O animal era alimentado com dieta comercial, não tinha acesso a carcaças ou restos de comida putrefacta e quando acedia ao exterior era acompanhado pelo proprietário. Também não se observou qualquer alteração da motilidade esofágica, lingual ou faríngea, como é frequente no botulismo. Quanto à possibilidade de um episódio de miastenia gravis fulminante, não se observaram sinais clínicos de megaesófago, episódios de regurgitação frequente ou dificuldade respiratória (Lorenz et al., 2011).

Neste caso não foram realizados exames adicionais para comprovar o diagnóstico. O doseamento da creatinina quinase pode ser útil para descartar miopatias, pois uma elevação persistente desta enzima é indicativa de lesão muscular recente e activa. No entanto, o

aumento da creatinina quinase pode estar associado ao exercício, decúbito prolongado, traumatismo muscular ou anorexia nos gatos (Platt e Garosi, 2004). Quando se analisa o líquido cefalorraquidiano, colhido no espaço subaracnóide lombar, pode detectar-se um aumento de proteínas e contagem celular normal, mas estas alterações não são específicas da polirradiculoneurite. O diagnóstico definitivo é estabelecido por electromiografia e por estudos da velocidade de condução nervosa (Hariharan et al., 2011). Os testes de electrodiagnóstico permitem localizar com exactidão a lesão no nervo periférico (na raiz nervosa, no axónio, na terminação axonal ou na junção neuromuscular) e também determinar o local ideal para realizar as biópsia de nervo (Granger et al., 2008). As alterações eléctricas são evidentes quando os exames são realizados 5 a 7 dias após a lesão do axónio motor. A electromiografia permite detectar quais os músculos afectados pela desinervação e a medição dos potenciais evocados detecta a integridade da transmissão neuromuscular (LeCouteur, 2005). Os estudos de condução nervosa evidenciam a diminuição na velocidade de condução dos estímulos nos segmentos afectados (Hariharan et al., 2011), provocada pela perda de integridade da bainha de mielina (Granger et al., 2008). Nesses casos, como a electromiografia requer a introdução de agulhas na musculatura, deve ser realizada apenas num dos lados do animal, preservando o lado contralateral para a biópsia (Platt e Garosi, 2004). Nas biópsias de nervos pode observar-se um infiltrado de plasmócitos, macrófagos e linfócitos nas raízes nervosas, menos pronunciado nos segmentos periféricos, e necrose axonal com brotamento de novos axónios. As características histopatológicas mais importantes são as lesões de desmielinização e remielinização que podem originar proliferações em camadas concêntricas semelhantes a uma cebola (Faissler et al., 2010). No entanto, as biópsias de nervos são frequentemente inespecíficas, quando a inflamação não-purulenta se limita às raízes nervosas ventrais (Lahunta e Glass, 2009).

Neste caso clínico, a polirradiculoneurite foi considerada idiopática porque não foi identificada a causa da doença, entre as possíveis etiologias descritas na literatura. A recidiva poderá estar associada à vacinação anti-rábica, mas há poucos relatos de polirradiculoneurite pós-vacinal. A polirradiculoneurite idiopática tem distribuição mundial, afecta maioritariamente animais adultos e também está descrita em gatos (rara). A doença é esporádica, mas pode ter uma incidência superior ao que a literatura sugere, pois na forma moderada não há paralisia flácida e os animais mantêm a actividade ambulatória (Braund, 2003). A possibilidade de uma paralisia do Coonhound foi descartada porque o animal não teve contacto com guaxinins e não esteve fora do país. O guaxinim é originário do continente americano e não existe em Portugal, apesar de existirem exemplares em liberdade na Europa Central. Normalmente a etiologia da polirradiculoneurite é desconhecida, mas por vezes há uma episódio recente de doença ou de vacinação. Julga-se que um agente infeccioso ou um antigénio que penetre no hospedeiro susceptível, possa desencadear o processo auto-imune que danifica as células de Schwann,

provocando neurite desmielinizante (Hariharan et al., 2011). Alguns autores sugerem que os clostrídeos intestinais possam constituir a fonte do antigénio. Estes antigénios externos serão semelhantes às proteínas que formam parte das raízes nervosas ventrais e dos nervos motores e, um ataque imunomediado a estas estruturas com invasão por células inflamatórias, desencadeia os sinais clínicos (Platt, 2009). Se a desmielinização é uma consequência da reacção inflamatória ou secundária à degenerescência axonal permanece controverso (Faissler et al., 2010).

Além da fisioterapia, não existe tratamento específico para a polirradiculoneurite e a administração de corticosteróides parece não ser benéfica. Em humanos com síndrome de Landry-Guillain-Barré (GBS), a forma humana da doença, a plasmaferése tem-se revelado eficaz. Esta terapia tem sido usada com sucesso em cães com outras doenças imunomediadas e poderá ser benéfica nestes casos (Lorenz et al. 2011). Segundo Cuddon (2008), pode tentar-se o tratamento médico com doses elevadas de imunoglobulinas via endovenosa (1g/kg SID durante 2 dias consecutivos ou 0.4g/kg SID durante 4 ou 5 dias). Porém, este tratamento é muito dispendioso, e apesar de descrito para a paralisia do Coonhound, não se conhece a sua eficácia na polirradiculoneurite idiopática.

O tratamento de suporte da polirradiculoneurite consiste em cuidados de enfermagem, para prevenir úlceras de decúbito, minimizar a atrofia e as contracturas musculares, prevenir infecções do tracto urinário, pneumonias e eventualmente suporte da função respiratória (Lorenz et al. 2011). Esta cadela não comia ou bebia voluntariamente, por isso foi necessária a alimentação e abeberação forçada com comida caseira à base de canjas. Nos primeiros cinco dias foi necessário esvaziar manualmente a bexiga e promover a defecação com estimulação rectal (facilmente conseguida pela proprietária em casa). Como a cadela se movia arrastando o tronco, vivia dentro de casa e não permanecia muito tempo na mesma posição, não foram necessário cuidados especiais para prevenir as úlceras de decúbito. Na segunda semana após o início da paralisia já se notava alguma atrofia muscular. Neste caso, a realização de fisioterapia no final das sessões de tratamento teve como objectivo minimizar a atrofia muscular e manter a mobilidade das articulações dos membros. Nas síndromes neuropáticas, a atrofia muscular tem origem neurogénica e surge rapidamente, sendo evidente uma a duas semanas após o início dos sintomas. No caso clínico nº1, a utilização de electroacupunctura (EA) de alta frequência provoca contracção muscular, combatendo a atrofia muscular e promove a regeneração dos nervos periféricos. No primeiro episódio de doença, os músculos cervicais estavam afectados e o animal não conseguia suportar a cabeça, o que não aconteceu na recidiva. A terapia laser com densidade energética ultra baixa (0.15mW/cm2), a comprimentos de onda entre 633 nm e 670 nm, tem-se provado eficaz na redução do edema e da hiperalgesia na inflamação aguda e crónica (Baratto et al., 2011). Como a polirradiculoneurite é uma doença inflamatória, a aplicação precoce de acupunctura e laser na recidiva poderá ter limitado a

progressão da doença. A estimulação com laser também pode promover a cicatrização e a regeneração nervosa, uma vez que a sua aplicação em culturas de células nervosas estimula o alongamento induzido por NGF das neurites e protege as células contra o stress oxidativo (Baratto et al., 2011). Do ponto de vista da MVTC, a polirradiculoneurite é uma síndrome Wei, caracterizada pela acumulação de Calor Húmido no interior. Como resultado desta acumulação podem surgir padrões de vazio (deficiência) como a Deficiência de Qi do Baço e a Deficiência de Yang do Baço. Nestes casos, o tratamento incidirá na tonificação do Qi e do Yang do Baço (Hopwood e Donnellan, 2010).

A utilização da acupunctura no tratamento de polirradiculoneurite idiopática e de paralisia do Coonhound está descrita, mas não há trabalhos publicados sobre o tema, tal como acontece no tratamento da GBS em humanos. A opinião geral é de que a acupunctura é útil na GBS na fase de reabilitação física, na analgesia e no controlo da ansiedade associadas à doença (Hopwood e Donnellan, 2010). Porém, não se sabe qual o seu potencial no tratamento da doença propriamente dita.

No caso clínico nº 1, o prognóstico de recuperação total do animal era bom, tanto no primeiro episódio de doença como na recidiva. Desde que não haja paralisia dos músculos respiratórios que exija ventilação de suporte, o prognóstico de polirradiculoneurite é favorável (Faissler et al., 2010). A recuperação demorou dois meses a dois meses e meio, mas por vezes demora mais de 4 meses quando há atrofia muscular grave. Alguns animais, como a cadela deste caso clínico, parecem ser particularmente susceptíveis a recidivas. Nestes animais, quando os episódios de polirradiculoneurite estão associados à administração de vacinas, a isenção da vacinação anti-rábica deve ser tida em consideração.

2.2. Discussão do caso clínico nº 2

No caso clínico nº 2, a flexão do pescoço e a ataxia foram os primeiros sinais clínicos manifestados. Os animais com dor cervical adoptam esta postura mantendo o nariz próximo do chão e o dorso arqueado, têm rigidez cervical, são relutantes à manipulação do pescoço (extensão e flexão) e podem ter espasmos musculares e dor à palpação (Braund, 2003). Foi administrado meloxicam, um anti-inflamatório não esteróide, com acção analgésica e antipirética, que reduziu temporariamente a sintomatologia ao aliviar a dor e a inflamação cervical. A ataxia é um sinal inespecífico que não permite localizar a lesão, podendo ter várias etiologias. Porém, a presença de dor localizada sugeria uma lesão na região cervical e o agravamento progressivo do estado clínico, num intervalo de tempo relativamente longo, apontava para uma doença neoplásica ou degenerativa.

No exame físico, o animal apresentava seborreia nos flancos provocada pela infecção por

muscular eram normais, sem atrofia muscular. O exame dos nervos cranianos não revelou qualquer alteração e a sensibilidade à dor estava presente. O animal tinha ataxia grave nos quatro membros, compatível com uma síndrome cervical (C1-C5) e possivelmente cervico- torácica (C6-T2). Normalmente, quando a lesão se localiza na região cervical, as alterações da marcha afectam os quatro membros. Quando a lesão é caudal à intumescência cervical (caudal a T2), os MP são mais afectados (Tipold et al., 2010). No exame neurológico detectou-se défices proprioceptivos mais evidentes nos MP. Nas lesões compressivas dorsais e laterais da porção cervical da medula espinhal, os sinais neurológicos podem ser mais graves nos MP, possivelmente porque as suas vias proprioceptivas ascendentes têm um trajecto mais superficial na medula espinhal (Braund, 2003).

Perante o quadro clínico, as principais doenças a incluir no diagnóstico diferencial incluíam: neoplasia espinhal, doença do disco intervertebral, traumatismo, discoespondilite, osteomielite, meningite ou meningomielite, quistos sinoviais ou subaracnóides, mielopatia fibrocartilaginosa embólica, polineuropatias e polimiopatias. As doenças ortopédicas seriam descartadas neste caso por não causarem ataxia proprioceptiva (Costa, 2010). Com frequência, a identificação do animal quanto à raça, idade e sexo, pode dar algumas pistas quanto à doença subjacente, principalmente em animais de raça pura. Numa fêmea Dobermann com 10 anos de idade, existe predisposição racial para uma série de doenças neurológicas que incluem: doença do disco intervertebral, má-formação vertebral e síndrome de Wobbler, tumor cerebral primário e polineuropatia distal (Dancing Dobermann Disease) (Gough e Thomas, 2004). Face à identificação do animal, sintomatologia e os possíveis diagnósticos diferenciais, suspeitou-se de síndrome de Wobbler ou espondilomielopatia cervical caudal.

Neste animal foram realizadas radiografias simples e mielografia. No exame radiográfico observou-se uma estenose do canal vertebral cervical e alterações degenerativas nas superfícies articulares. Na mielografia detectou-se a existência de vários locais de compressão provocados pela hipertrofia dos ligamentos. No espaço intervertebral C6-C7 observou-se uma compressão mais grave provocada pela protusão do anel fibroso do disco IV. Não é possível afirmar quais os ligamentos que estariam hipertrofiados, uma vez que a mielografia foi perdida e a ficha clínica não contém informação detalhada sobre o exame mielográfico. O exame radiográfico com várias projecções permite suspeitar de uma síndrome de Wobbler, mas sempre que possível, deve realizar-se exame de imagem de secção por TC ou RM (Lorenz et al., 2011). Como as técnicas de imagem mais avançadas não estão disponíveis na maioria das clínicas veterinárias, a mielografia é a técnica de eleição para diagnóstico definitivo de síndrome de Wobbler, ao evidenciar os vários tipos de compressão extradural da medula espinhal: dorsal por hipertrofia do ligamento amarelo, ventral por protusão ou hipertrofia do anel fibroso, lateral por má-formação das superfícies articulares e compressão por estenose do canal vertebral ou instabilidade associada ao tombamento vertebral. O exame mielográfico

permite ainda detectar lesões compressivas múltiplas e é essencial para estabelecer um prognóstico (Braund, 2003). Quando o tratamento cirúrgico é uma opção, devem ser realizadas várias mielografias ou imagens de secção transversal com o pescoço em várias posições (flexão, extensão, tracção) de modo a detectar compressões dinâmicas. Estes exames em série devem ser realizados com precaução, mas podem revelar compressões que não são evidentes na postura normal (Costa, 2010). A RM permite avaliar o parênquima medular e identificar com exactidão o local, gravidade e natureza da compressão da medula espinhal (Costa, 2010). No entanto, como a imagem obtida tem alta definição, podem detectar-se alterações clinicamente irrelevantes às quais se atribui demasiado significado. De facto, no estudo desenvolvido por De Decker et al. (2010), foram avaliados 37 animais clinicamente normais, tendo sido detectadas alterações em 46% dos animais, que incluíam degeneração do disco IV, compressão da medula espinhal (ventral e dorsal) e anomalias do corpo vertebral. A associação da RM com técnicas de estimulação magnética transcraniana, que permitem avaliar a integridade funcional e a velocidade de condução das vias descendentes de transmissão motora da medula espinhal, permitirá distinguir se as alterações detectadas por RM são clinicamente relevantes (De Decker et al., 2011).

As observações do exame mielográfico permitiram confirmar a suspeita de espondilomielopatia cervical caudal ou síndrome de Wobbler. O termo espondilomielopatia cervical caudal abrange um vasto leque de anomalias vertebrais e dos tecidos moles que causam doença com patogenias distintas. A forma que afecta tipicamente o Dobermann pinscher difere das restantes raças e parece estar associada à estenose congénita do canal vertebral e à assimetria dos corpos vertebrais da quinta, sexta e sétima vértebras cervicais (Costa, 2010). Esta má-formação vertebral tende a provocar má-articulação e instabilidade da coluna vertebral e, como consequência, os tecidos moles que sustêm e reforçam as articulações vertebrais proliferam, resultando na hipertrofia dos ligamentos amarelos, do ligamento longitudinal dorsal e da região dorsal do anel fibroso do disco intervertebral. A hipertrofia dos ligamentos provoca compressões na medula espinhal ao nível das articulações vertebrais e a hipertrofia do anel fibroso do disco IV provoca frequentemente a protusão do disco IV (hérnia discal tipo II) (Lorenz et al., 2011). A presença de hérnia discal é uma característica comum nesta doença, como acontece neste caso clínico, motivo pelo qual alguns autores utilizam o termo síndrome de Wobbler associado ao disco IV.

Este animal tem níveis baixos de T4, que podem corresponder a uma diminuição não específica ou a hipotiroidismo secundário. O hipotiroidismo é muito frequente em cães com síndrome de Wobbler (Costa, 2010) e está associado a uma série de distúrbios neuromusculares (Dixon, 2004). Neste caso, os valores baixos de T4 podem contribuir para um agravamento do quadro clínico e para a persistência da infecção por Malassezia, uma vez que as hormonas da tiróide estão envolvidas na resposta imunitária humoral e celular (Dixon, 2004).