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2. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE E SUA

2.7. Análise dos precedentes

2.7.1. O problema da fundamentação

2.7.1.1. Incompreensão do conceito de chance

2.7.1.1.1. Caso em que o resultado foi obtido através de

-, mas, mesmo assim, o juiz concedeu indenização com fundamento na teoria da perda de uma chance

Na Apelação Cível n. 2012.036435-8315, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) entendeu caracterizada a responsabilidade civil

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SANTA CATARINA, 2012. Ementa: “APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MÁ ATUAÇÃO PROFISSIONAL DA ATIVIDADE DE ADVOGADO. PROCEDÊNCIA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PRELIMINARES DE PRESCRIÇÃO E CERCEA- MENTO DE DEFESA AFASTADAS. PLEITO DE ANULAÇÃO DO JUL- GADO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INVIABILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCISA PERMITIDA. PREENCHIDOS OS RE- QUISITOS DOS ARTS. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 458, INC. II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE DILI- GÊNCIA DO RÉU NO EXERCÍCIO DO SEU MANDATO. PERDA DE PRAZO PARA INTERPÔR RECURSO ORDINÁRIO EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. POSTERIOR PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA MEDIANTE REPRESENTAÇÃO DE OUTROS PROCURADORES JULGA- DA PROCEDENTE. VERIFICADA A OCORRÊNCIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DEVER DE REPARAR OS PREJUÍZOS DE ORDEM PATRI- MONIAL DECORRENTES DE SUA CONDUTA, OS QUAIS FORAM DE- VIDAMENTE DEMONSTRADOS. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURA- DOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. O julga- mento antecipado da lide não caracteriza cerceamento de defesa, visto que, mesmo cabendo às partes o onus probandi, é o juiz quem verifica a sua conve- niência, porquanto é livre a apreciação da prova pelo Magistrado diante do princípio da persuasão racional. Ademais, o julgamento antecipado nos moldes do art. 330, inc. I, do Código de Processo Civil, decorre da celeridade processu- al, quando presentes as provas necessárias ao convencimento do julgador. O termo inicial para a contagem do prazo prescricional, previsto do artigo 206, inc. V, § 3º do Código Civil, é contado a partir do momento em que a parte prejudicada teve ciência inequívoca da existência dos prejuízos de ordem moral e material que a conduta ilícita de seu procurador lhe causou. Se a sentença, embora concisa, especificou o motivo de indeferimento da inicial, tem-se que cumpriu os preceitos dispostos no art. 93, IX, da CR/88 e no art. 458, II, do Código de Processo Civil. Incumbe ao réu o ônus da prova quantos aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, conforme previsão do art. 333, inc. II, do Código de Processo Civil. Não se desincumbindo de tal ônus, imperativo é o acolhimento dos pleitos iniciais. Verificada a perda de uma chance derivada de má conduta de advogado que age de maneira desidiosa na defesa dos interesses da parte representada, é devida a reparação civil pelos danos materiais experimentados, desde que devidamente individualizados e demonstrados”.

do advogado em decorrência da aplicação da teoria da perda de uma chance. Naquele caso, o demandante havia contratado advogado para promover ação na esfera trabalhista, cujo resultado foi de improcedência de seus pedidos, posteriormente confirmado em segunda instância. O procurador então constituído havia interposto recurso ordinário, todavia de forma intempestiva, motivo pelo qual não chegou ele a ser admitido pelo órgão ad quem.

Insatisfeito com o desempenho do causídico, o autor contratou novo advogado que ajuizou ação rescisória, obtendo êxito em sua pre- tensão. Por não ter se conformado com a postura adotada pelo primeiro advogado, além de ter promovido representação na Ordem dos Advoga- dos do Brasil Seccional de Santa Catarina, o cliente deflagrou ação de indenização por danos morais e materiais com fundamento na teoria da perda de uma chance em face do antigo procurador. O Tribunal de Justi- ça de Santa Catarina entendeu pela responsabilização do advogado:

Da análise da sequência de fatos expostas e com- provadas pela autora denota-se que o réu agiu de forma negligente, frustrando suas expectativas de obter êxito na reclamatória trabalhista, e, por con- seguinte, causou-lhe danos, pois, caso o recurso tivesse sido interposto tempestivamente, certa- mente esta teria a chance de vencer na lide, situa- ção que restou consolidada após o julgamento da ação rescisória.

Portanto, devidamente configurada que a atitude do recorrente acarretou à apelada a perda de uma chance resta configurado o dever de reparar os danos decorrentes de sua conduta. [...] Destarte, devidamente demonstrados os danos morais, mantém-se inalterada a sentença objurga- da no tocante à condenação do apelado em res- sarcir a autora dos valores gastos com os honorá- rios advocatícios decorrentes da ação rescisória, os quais foram arbitrados em 20% (vinte por cen- to) sobre o valor da condenação, que deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença316 (gri- famos).

Veja-se, aqui, que a aplicação da teoria foi inapropriada porque o conceito de chance não foi bem compreendido. Nesse caso, com o devi- do respeito ao entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina,

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não há que se falar em chance perdida, pois não preenchido o requisito da perda definitiva da vantagem esperada. Ainda que o procurador tenha sido desidioso ao interpor recurso manifestamente intempestivo, as chances foram subtraídas do autor apenas temporariamente, porque, quando do julgamento da posterior ação rescisória, elas foram compen- sadas em sua total amplitude, de modo que o autor obteve o resultado que esperava ao final do processo aleatório e que outrora fora interrom- pido. Ou seja, faltou ao demandante um dos requisitos para aplicação da teoria da perda de uma chance expostos no primeiro capítulo do presente trabalho: a perda definitiva da vantagem esperada (item 1.3.4).

Nas palavras de Rafael Peteffi da Silva, “[...] a incerteza não pode subsistir em relação à perda definitiva da vantagem que a vítima espera- va obter ao final do processo aleatório”317. Ao se obter o resultado per- seguido na ação judicial através de outro procedimento judicial, elimi- nam-se as chances passíveis de reparação, porquanto, ainda que por outra via, chegou-se à vantagem esperada. Não existem chances a serem reparadas nessa hipótese.

A segunda incoerência do julgado, derivada da incompreensão do conceito de chances, reside no fato de que o que se reparou, de acordo com o acórdão, foram os gastos tidos pelo autor em decorrência da ne- cessidade de contratação de novo advogado para o ajuizamento da ação rescisória, e não as chances perdidas em si, mesmo porque inexistentes naquela hipótese.

Inexistindo chances passíveis de reparação – porque o processo aleatório chegou ao seu final –, o que se revela nesse caso é a reparação decorrente da falta contratual do advogado, já que, nas palavras de Or- lando Gomes:

a resolução por inexecução culposa não produz apenas o efeito de extinguir o contrato para o pas- sado. Sujeita ainda o inadimplente ao pagamento de perdas e danos. A parte prejudicada pelo ina- dimplemento pode pleitear a indenização dos pre- juízos sofridos, cumulativamente com a resolu- ção318.

Como não há chances a serem reparadas em razão do inadimple- mento contratual do advogado, a condenação imposta ao procurador inadimplente foi a quantia referente aos prejuízos suportados pelo clien-

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PETEFFI AS SILVA, 2001, p. 31. 318

te – valores que despendeu à contratação do novo causídico –, que, na hipótese em comento, significou o importe de vinte por cento do êxito da ação rescisória. Essa condenação, frisamos, está correta. É a sua ratio que, no entanto, está equivocada. A importância reparada não corres- ponde às chances perdidas, porque elas não existiram no caso concreto. O ressarcimento equivale tão só aos prejuízos suportados pelo cliente em razão do inadimplemento contratual, não podendo ser fundamentado na teoria da perda de uma chance.

Não há motivos para a invocação da teoria da perda de uma chan- ce nesse caso porque a chance representa, sempre e necessariamente, uma expectativa hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final, conforme o sucesso do processo aleatório319. Nesse julgado, fica nítido que a incompreensão da teoria não veio apenas do TJSC, mas, também, do próprio advogado, porquanto, com fundamento na teoria da perda de uma chance, postulou a reparação do prejuízo ma- terial tido com a contratação de novo causídico, desatentando-se para o fato de que o requisito da perda definitiva da vantagem esperada não foi preenchido na hipótese versada naqueles autos.

Não se discute a justiça do julgado, pois se o advogado perdeu o prazo e deu azo à contratação de outro profissional para consertar o equívoco cometido, nada mais lícito do que devolver, ao ex-cliente, as despesas contraídas com essa nova contratação.

2.7.1.1.2. Casos em que a vantagem esperada ao final do processo