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2. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE E SUA

2.4. Distinção entre obrigação-meio e obrigação-fim

Partindo-se da premissa de que a responsabilidade civil do advo- gado é de origem eminentemente contratual – não se deixando de reco- nhecer que sua função possui um munus público –, necessária se faz a distinção entre obrigação de meio e de resultado271, a fim de enquadrar, corretamente, a atividade do advogado.

Orlando Gomes diferencia a prestação do devedor em atividade ou resultado. O cumprimento da obrigação de meio é uma atividade concreta do devedor, por meio da qual diligencia o máximo possível para atingir o resultado. Já na obrigação de resultado, o cumprimento só se verifica quando o resultado for efetivamente atingido272.

Com efeito, “[...] na obrigação de meio o que se exige do devedor é pura e simplesmente o emprego de determinados meios sem ter em vista o resultado. É a própria atividade do devedor que está sendo objeto do contrato”273. O fato é que, nas obrigações de meio, cabe ao contra- tante ou credor demonstrar a culpa do contratado ou devedor. Já nas obrigações de resultado, presume-se a culpa do contratado, invertendo- se o ônus da prova, pela simples razão de que, nos contratos em que o objeto se encerra num resultado, a sua não obtenção é o suficiente para se presumir a responsabilidade do devedor274.

A doutrina estrangeira assim classifica:

Obligación de medios es la que sólo impone dili- gencia y aptitud para cumplir las medidas que, normalmente, conducen a un resultado, pero sin asegurar la obtención del mismo; obligación de

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Ensina Represas que “La formulación de esta classificación de debe a René Demogue, quien sin embargo no la dessarrolló dentreo de la generalización de su tratato, sino al exponer la argumentacaión sobre su punto de vista em la debatida cuestión de si la responsabilidade de fuente contractual es la misma o distinta de la extracontractual; y tal distingo fue después seguido también por los Hermanos Mazeaud, aunque atribuyéndole outra denominación: obligacio- nes genereales de prudência y diligencia y obligaciones determinadas” (RE- PRESAS, 1978, p. 140). 272 GOMES, 1997, p. 17. 273 LOPEZ, 1988. p. 320. 274 STOCO, 2004, p. 468.

fines es, en cambio, la que compromete un resul- tado determinado. Sería de resultado en el sector de las obligaciones contractuales, por ejemplo, una compraventa, en la que tanto el vendedor co- mo el comprador se comprometen a cumplir efec- tivamente un hecho determinado [...]. En tanto que son de “medios” las obligaciones contractua- les emergentes, en general, de la locación de ser- vicios; y en materia extracontractual, principal- mente el deber genérico de conducirse prudente- mente en la vida en sociedad, para no ocasionar daños a los demás, que se sintetiza en la compen- diosa fórmula Ulpiano: alterum non laedere, re- cogida en el art. 1109 de nuestro Código Civil275. Para não cairmos na classificação comumente usada na distinção entre as obrigações de meio e de resultado, vale registrar que a distinção das duas modalidades não se baseia apenas na presença ou na ausência do resultado útil, o qual pode ser visto como um efeito imprescindível do adimplemento obrigacional. O que se deve considerar efetivamente é a correspondência ou não entre o interesse (in obligatione) a ser satisfei- to com o adimplemento e o interesse (preliminar) do credor objetivado no momento da constituição da obrigação276. Ou seja, “[...] se o interes- se in obligatione coincide com o interesse preliminar, a obrigação é resultado. De modo diverso, caso o interesse in obligatione seja instru- mental em relação ao interesse preliminar, a obrigação é de meios”.

Fica claro, portanto, que o serviço prestado pelo advogado se ca- racteriza como uma obrigação de meio, porquanto não tem ele a obriga- ção de garantir o resultado efetivo da demanda ao seu cliente. Conforme a lição acima exposta, a obrigação é reconhecidamente de meio porque o interesse inicial do cliente – aquele que faz gerar o vínculo obrigacio-

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REPRESAS, op. cit., p. 140. 276

RENTERÍA, 2011, p. 65. O autor sustenta que “Em definitivo, as obrigações de meios não possuem natureza jurídica diversa das obrigações de resultado. Mas qual seria, então, a diferença entre as duas categorias? A resposta tradicio- nal, segundo a qual esta distinção residiria no tipo de conduta prometida pelo devedor, mostra-se incompleta, porque, restrita ao exame da estrutura da obri- gação, não atenta para a sua função. Não é possível saber o que o devedor deve fazer e aquilo que o credor pode dele exigir (aspecto estrutural), se, antes disso, não se identifica por que o devedor prometeu aquilo e por que o credor pode exigir isto dele (aspecto funcional). Com efeito, uma vez determinada a função da obrigação, pode-se então definir com segurança a sua estrutura”.

nal entre mandante e mandatário – e o interesse a ser satisfeito com a obrigação do advogado não coincidem, haja vista que, em que pese o cliente almejar que o procurador alcance o resultado que busca através da demanda judicial, este resultado não está albergado no adimplemento da obrigação do advogado.

O próprio art. 8.º do Código de Ética do advogado prevê que “O advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das consequências que poderão advir da demanda”277, numa demonstração clara de que a obrigação do advogado é de atuar diligentemente para obter o direito a que busca o cliente. No entanto, o resultado efetivo não lhe compete. É que não pode o advogado prometer um ganho de causa ao cliente, uma vez que isso depende de fatores que fogem à sua esfera de controle.

Os tribunais brasileiros, incluindo os tribunais superiores, com- preendem, à unanimidade, que a obrigação do advogado para com o seu cliente é uma obrigação de meio e não de resultado278. A análise dos precedentes realizada no presente trabalho revela que, em todos os jul- gados, sem exceção, o entendimento é o de que a obrigação do advoga- do é de meio e não de fim quando atuante no litígio judicial.

A obrigação do advogado é de meio também nas hipóteses de elaboração de pareceres. Contratado para tal fim – ou, tratando-se de advogado público, exigindo-lhe a administração que opine sobre deter- minado tema –, o advogado deve empenhar-se satisfatoriamente na con- secução de sua tarefa, não podendo apresentar um parecer ou conselho visivelmente desautorização por lei, pela doutrina ou pela jurisprudên- cia; acarretando prejuízo ao contratante, todavia, abre-se a possibilidade de o causídico ser responsabilizado se, somado ao parecer inoperante, demonstrar-se seu dolo ou culpa279.

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CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Código de Ética e Disciplina da OAB. Publicado no Diário da Justiça de 01.03.1995.

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Encarar a advocacia como atividade fim e não atividade meio implica, até, em sanção ético disciplinar do procurador, porquanto não pode ele prometer êxito ao cliente. Com base nesse entendimento, recentemente um escritório de advocacia foi condenado a reparar sua cliente por prometer êxito na demanda, quando, em verdade, não se pode fazer essa espécie de propaganda. A notícia pode ser lida no sítio eletrônico <http://www.conjur.com.br/2016-abr- 05/escritorio-condenado-garantir-ganho-causa-clientes>.

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O Supremo Tribunal Federal, no ano de 2003, sob a relatoria do Ministro Carlos Velloso, julgou o Mandado de Segurança n. 24.073- 3280, impetrado por advogado contra ato do Tribunal de Contas da Uni- ão que havia determinado a inclusão dos impetrantes (advogados) como responsáveis solidários pelas ocorrências apuradas num procedimento administrativo. Do corpo do acórdão se extrai:

Certo é, bem esclarece a inicial, „que a garantia constitucional da intangibilidade profissional do advogado não se reveste de caráter absoluto. Os advogados – como, de regra, quais profissionais – serão civilmente responsáveis pelos danos causa- dos a seus clientes ou a terceiros, desde que decor- rentes de ato (ou omissão) praticado por dolo ou culpa, nos termos gerais do art. 159 do Código Civil e, em especial, consoante o disposto no art. 32 da Lei 8.906/94, cuja dicção é a seguinte: „Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou cul- pa‟.‟ Todavia, acrescenta a inicial, com proprie- dade, que „de toda forma, não é qualquer ato que enseja a responsabilização do advogado. É preciso tratar-se de erro grave, inescusável, indicando que o profissional agiu com negligência, imprudência ou imperícia. Divergência doutrinária ou discor- dância de interpretação, por evidente, não se en- quadram nessa hipótese.

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Ementa: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO. PROCURADOR. PARECER. C.F., art. 70, parág. Único, art. 71, II, art. 133. Lei 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX. I – Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. Celso Antonio Bandeira de Mello “Curso de Direito Administrativo, Malheiros Ed. 13ª ed., p. 377. II – O advogado somente será responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decor- rentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 32. III – Mandado de Segu- rança deferido” (BRASIL, 2002).

Ora o direito não é uma ciência exata. São comuns as interpretações divergentes de um certo texto de lei, o que acontece, invariavelmente, nos Tribu- nais. Por isso, para que se torne lícita a responsa- bilização do advogado que emitiu parecer sobre determinada questão de direito, é necessário de- monstrar que laborou o profissional com culpa, em sentido largo, ou que cometeu erro grave, inescusável.

Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.454.640/ES281, no mesmo caminho trilhado pelo STF doze anos antes, decidiu que “[...] ao adotar tese plau- sível, mesmo minoritária, desde que de forma fundamentada, o parece- rista está albergado pela inviolabilidade de seus atos, o que garante o

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Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RE- CURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINIS- TRATIVA. DECISÃO QUE REJEITA A PETIÇÃO INICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO CABÍVEL. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NESTA CORTE. PARECER EQUIVOCADO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE ERRO GROSSEIRO OU MÁ-FÉ. INVIOLABILIDADE DOS ATOS E MA- NIFESTAÇÕES. EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. REJEIÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL QUE SE IMPÕE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO EM PARTE. 1. Consoante a jurisprudência pacificada desta Corte, impende ressaltar ser cabível interposição de agravo de instrumento contra a decisão que recebe parcialmente a ação de improbidade administrativa, determinando a exclusão de litisconsor- tes, em razão do processo prosseguir em relação aos demais réus. 2. A existên- cia de indícios de irregularidades no procedimento licitatório não pode, por si só, justificar o recebimento da petição inicial contra o parecerista, mesmo nos casos em que houve a emissão de parecer opinativo equivocado. 3. Ao adotar tese plausível, mesmo minoritária, desde que de forma fundamentada, o parece- rista está albergado pela inviolabilidade de seus atos, o que garante o legítimo exercício da função, nos termos do art. 2º, § 3º, da Lei n. 8.906/94. 4. Embora o Tribunal de origem tenha consignado o provável equívoco do parecer técnico, não demonstrou indícios mínimos de que este teria sido redigido com erro gros- seiro ou má-fé, razão pela qual o prosseguimento da ação civil por improbidade contra a Procuradora Municipal configura-se temerária. Precedentes do STF: MS 24631, Relator Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 09/08/2007, pub. 01-02-2008; MS 24073, Relator: Min. Carlos Velloso, Tribu- nal Pleno, julgado em 06/11/2002, DJ 31-10-2003. Precedentes desta Corte: REsp 1183504/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 17/06/2010. 5. Recurso especial provido em parte para reformar o acórdão recorrido e restabelecer a sentença a fim de rejeitar liminarmente o pedido inici- al em relação à Recorrente. (BRASIL, 2015).

legítimo exercício da função, nos termos do art. 2º, § 3º, da Lei n. 8.906/94”.

Ressalta-se, porém, que, diferentemente da posição acima apre- sentada, parte da doutrina compreende que, quando contratado para a confecção de um parecer ou para prestar assessoria, a obrigação assumi- da pelo procurador seria, então, uma obrigação de resultado, porque contratado para executar determinada tarefa.282. Discordamos desse posicionamento porquanto, para justificar essa conclusão, a doutrina que professa tal tese parece coligir aspectos diferentes de cada uma das ati- vidades, discriminando a obrigação de entrega efetiva do parecer da obrigação de responsabilização pelo seu conteúdo. Para nós, todavia, assim como ocorre com os advogados que atuam na esfera judicial, o dever respeitante à elaboração do parecer também compreende a obriga- ção de cumprimento de um prazo, mas apenas esse fato não é capaz de alterar a natureza da obrigação que o advogado deve cumprir, de obriga- ção de meio para obrigação de resultado.

E mais. Consoante leciona Pablo Rentería, a obrigação só será de resultado quando “[...] o interesse a ser satisfeito com a prestação do devedor corresponde ao interesse (preliminar) do credor, que o levou a

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Rui Stoco sustenta que “[...] ao produzir um parecer não está assumindo a obrigação de que seu trabalho intelectual deverá conduzir ao sucesso na ação judicial onde será apresentado. Tem obrigação de resultado na medida em que foi lhe foi encomendado um estudo jurídico e esse deve ser apresentado tal como a encomenda e no dia aprazado. Nessas hipóteses e como exceção, a não obtenção desse resultado, por erro inescusável, caracterizará o inadimplemento contratual e nascerá a obrigação de reparar se prejuízo efetivo ocorrer” (STO- CO, 2004, p. 500). No mesmo sentido, mas referindo-se apenas à elaboração de contratos e escrituras, sem citar o trabalho de um parecerista, Sílvio de Salvo Venosa leciona que, “No entanto, existem áreas de atuação da advocacia que, em princípio, são caracterizadas como obrigações de resultado. Na elaboração de um contrato ou de uma escritura, o advogado compromete-se, em tese, a ultimar o resultado. A matéria, porém, suscita dúvidas e o caso concreto definirá eventual falha funcional do advogado que resulte em dever de indenizar” (VE- NOSA, 2003, p. 175 et seq.). No mesmo sentido, Arnaldo Rizzardo pondera que “Já se depreende aí que não se trata de obrigação de resultado, exceto em situa- ções singelas, ou em intervenções e postulações que não demandam controvér- sias, discussões, divergências, recursos, preponderância de correntes doutriná- rias ou teses, dissídios na jurisprudência. Assim quando se busca um pedido de jurisdição voluntária, [...]. Não há, em tais procedimentos, maiores dificuldades, e muito menos grandes discussões, bastando a correta formalização da petição” (RIZZARDO, 2013, p. 341).

se relacionar com o devedor”283. O parecer ou o contrato solicitado ao advogado visa a um objetivo diferente do credor que pode ser represen- tado pela participação numa licitação, na compra de uma casa, por exemplo.

2.5. Responsabilidade subjetiva do advogado e inaplicabilidade do