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1. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

1.3. Requisitos para a configuração da reparação por perda de uma

1.3.1. Análise da causalidade que se faz necessária à

1.3.1.1. Teoria da equivalência de condições

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PETEFFI DA SILVA, op. cit., p. 27. 57

Costuma-se falar em três teorias da causalidade: a Teoria da Equivalência de Condições, a Teoria da Causalidade Adequada e a Teoria da Teoria do Dano Direto e Imediato. No entanto, existem algumas teorias menos famosas para explicar o nexo de causalidade e que se considera importante sua exposição neste trabalho. A primeira delas é a Teoria da Causa Próxima desenvolvida por Francis Bacon, no século XVI, conhecida nas passagens das Maxims of law, num apelo ao rigor científico foi fundada na distinção entre causa próxima e causa remota, sustentando que para a finalidade da responsabilização do agente bastaria considerar a causa imediata, observando-se as ações segundo esta últi- ma e sem a necessidade de se remontar à causa mais distante. Partia do pressu- posto de que seria para o Direito uma tarefa infinita analisar a causa das causas e as influências de umas sobre as outras, ocorrendo uma concatenação intermi- nável. Sua principal crítica se deu com base na sua redução a responsabilidade do agente à mera questão cronológica quando, na verdade, muitas vezes a carga de nocividade não está no último fator atuante, mas, sim, em outro que o prece- de. A segunda que podemos citar é a Teoria das Causa Eficiente – também denominada Teoria da Condição mais eficiente ou mais ativa – não interessa o acontecimento que precedeu imediatamente o dano, mas, sim, aquele que esta- beleceu a relação causal de maior grau de eficiência no resultado. A corrente doutrinária que mais ganhou força dentro desta teoria, liderada por Karl von Birkmeyer acolhia o critério quantitativo para determinar a condição mais ativa. Por outro lado, formulou-se, também, a Teoria da Causa Preponderante, a qual prescrevia que se devia reputar causa apenas aquela condição que rompe o equilíbrio entre os fatores favoráveis e adversos à produção do dano, pois se devia identificar o ato que por seu maior peso imprime a direção decisiva para o efeito operado. A crítica dirigida a estas duas teorias consistia em estabelecer, no caso concreto, qual das diversas condições de um resultado é a mais eficiente ou preponderante para a produção de um dano, razão pela qual as duas teorias, nos dias de hoje, estão absolutamente superadas (CRUZ, 2005. p. 53 et seq.).

Com relação às teorias da causalidade, a Teoria da Equivalência de Condições ou da conditio sine qua non ou da Teoria da causalidade naturalística58 “[...] traduz-se na afirmação de que são causas de um dano todas as condições sem as quais este não se teria produzido59”. Criada pelo criminalista Von Buri, na Alemanha do século XIX, con- forme ensina Gisela Sampaio da Cruz60, referida teoria foi baseada nas ideias de Stuart Mill que, em seus estudos, defendia que “[...] todas as condições eram igualmente indispensáveis para a produção do conse- quente e o estabelecimento da causa é incompleto se não introduzimos, de uma forma ou de outra, todas elas61”. Mais do que isso, a teoria pro- curava justificar o porquê de o cúmplice de um crime poder ser conside- rado responsável pelo delito praticado pelo autor62.

A teoria da equivalência de condições prescreve que, para saber se uma determinada condição é causa, num processo abstrato e hipotéti-

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Ainda pode ser chamada de Teoria Objetiva da Causalidade (CRUZ, op. cit., p. 35).

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NORONHA, 2003, p. 735. 60

CRUZ, op. cit., p. 37 et seq. 61

MILL, 1984. 62

NORONHA, op. cit., p. 736, assevera que a Teoria da Equivalência de Con- dições na realidade fora uma teoria elaborada para o direito penal e que até hoje pode ser considerada substrato essencial da causalidade na seara criminal, sendo manifesta sua influência no art. 13 do Código Penal brasileiro o qual prevê que “O resultado, de que depende a existência do crime, só é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. No entanto, faz a ressalva de que no âmbito da responsabilidade penal, diferentemente do que ocorre com a aplicação da teoria na esfera da responsabilidade civil, a questão do nexo causal é bem menos problemática, porquanto no direito penal existem dois filtros consideráveis que restringem sobremaneira o número de eventos que podem ser considerados para a respon- sabilização do agente. São eles: (a) a tipologia legal, já que só interessa as con- dutas que estão tipificadas como crime, pois, do contrário, não podem sofrer sanção, conforme previsão constitucional; e, (b) só tem importância os casos que, via de regra, são oriundos de condutas dolosas, de modo que neste caso, os fatores causais, em princípio, atuam como meios que o agente preordena para a consecução dos efeitos almejados, o que não ocorre no âmbito da responsabili- dade civil. No mesmo sentido, Gisela Sampaio da Cruz afirma que “Em seu auge, a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais chegou a influenciar estatutos penais de diversos países, inclusive o Código Penal brasileiro em vigor [...]. Mas aos poucos foi perdendo prestígio entre os penalistas alemães até quando, fora das fronteiras da Alemanha, seus país de origem, acabou sendo acolhida por ilustres civilistas” (CRUZ, op. cit., p. 40 et seq.).

co, basta eliminar tal condição. Se a retirada da condição eliminar, por consequência, o resultado dano, a condição será causa; permanecendo o resultado, a condição não o será63. Assim, toda condição será aquela que não se possa retirar sem que modifique o resultado, de modo que a ocor- rência de qualquer outra circunstância não é relevante para o efeito de excluir o nexo de causalidade.

Fernando Noronha ensina que

De acordo com esta teoria, seria indiferente falar em causas ou em condições do dano. Um aconte- cimento deveria ser considerado causa de um da- no sempre que se pudesse afirmar que este não te- ria acontecido se aquele não tivesse ocorrido: to- das as condiciones sine quibus non (“condições sem as quais não”) do resultado seriam causas deste. Toda e qualquer condição indispensável pa- ra o evento seria causa; mesmo uma qualquer cau- sa da causa seria sempre causa do resultado: causa causae causa causati.64

Para se saber se determinada condição é causa ou não, deve-se eliminá-la mentalmente. Caso o resultado desapareça, a condição, ne- cessariamente, é causa do dano. No entanto, se o evento persiste, ela não se caracteriza como condição. Sob essa formulação, conclui-se que con- dição seria todo o evento antecedente que não poderia ser eliminado mentalmente sem que venha a se ausentar o efeito65.

Tendo em vista sua simplicidade e o fato de que, em muitos ca- sos, a teoria da equivalência de condições fornece um grande leque de agentes imputáveis, a doutrina a criticou fortemente, porquanto ela cria- va um lastro de responsáveis por danos de maneira infinita. Sua aplica- ção ensejava “[...] regressões infinitas a causas anteriores, que quase sempre levam a decisões injustas66”. Quanto mais se procurava remon- tar à causa primeira do evento, mais se aprofundaria, numa verdadeira progressão geométrica, numa infinita cadeia de antecedentes causais67.

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PETEFFI DA SILVA, op. cit., p. 21-22. 64

NORONHA, op. cit., p. 733-752. 65

CAVALIERI FILHO, 2012, p. 51. 66

CRUZ, op. cit., p. 45. 67

Nas palavras do autor: “E assim, ensejando uma regressão infinita às causas anteriores, tal teoria da equivalência das condições, inegavelmente exata sob os ângulos da filosofia e da lógica, poderia, pelos transbordamentos inevitáveis, sancionar injustiças” (SILVA, 1974, p. 118).

Rafael Peteffi exemplifica com clareza a implicação da adoção da teoria da equivalência de condições e assinala a crítica68 corroborada por tantos outros autores:

Imagine-se um motorista de taxi que, devido à fa- lha sua, faz com que um passageiro se atrase e perca o avião. O passageiro é forçado a tomar o avião seguinte, que acaba caindo, causando a mor- te de todos.

Neste caso não há dúvidas de que a falha do moto- rista de táxi representa conditio sine qua non para o aparecimento do dano, visto que se o atraso não tivesse ocorrido o passageiro teria embarcado no avião que alcançou, incólume, o seu destino. A condenação do motorista de táxi pela morte de seu passageiro demonstra a flagrante iniqüidade pa- trocinada pela teoria da equivalência de condi- ções69.

Fazendo um paralelo com o ordenamento jurídico pátrio e as pos- sibilidades de responsabilização do sujeito – subjetiva e objetiva –, te- mos que admitir que no âmbito da responsabilidade subjetiva, ainda que não fosse uma tarefa fácil, “[...] seria possível de certa maneira filtrar, como no Direito Penal, dentre todos os fatos verificados, aqueles pelos quais se pudesse dizer que o agente era culpado70”. No entanto, quando se parte para a esfera da responsabilidade civil objetiva este filtro não seria aplicável, já que o elemento culpa não é levado em consideração nesta modalidade de responsabilidade. Dessa forma, evidente que a extensão dos danos indenizáveis ficaria sem possibilidade de determina- ção71.

Nesse sentido, é possível concluir que o art. 40372 do Código Ci- vil de 2002, reprodução fiel do art. 1.060 do Código de 1916, afastou a

68

Gisela Sampaio da Cruz ensina que embora superada, no âmbito da seara cível, pelos ordenamentos jurídicos existentes, em seu auge, a teoria da equiva- lência de condições chegou a influenciar estatutos penais em diversos países, incluindo o Brasil (CRUZ, op. cit., p. 41 et seq.).

69

PETEFFI DA SILVA, op. cit., p. 22. 70

NORONHA, op. cit., p. 738. 71

ibidem, p. 736 et seq. 72

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela

teoria da equivalência de condições73. O Código Civil proclamado (faz- se referência à proclamação do diploma de 1916), no que diz respeito às causas do dano, estabeleceu aludida norma para orientar os juízes74 “[...] a procurar formas de delimitar aquelas que deveriam ser tidas como relevantes75”.

Conclui-se, portanto, que doutrina e jurisprudência abandonaram por completo a teoria da equivalência de condições no âmbito da res- ponsabilidade civil76. No Supremo Tribunal Federal, aliás, prevalece a teoria da causalidade do dano direto ou imediato, segundo entendimento

direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual (BRASIL, 2002). Reprodução fiel do art. 1.060 do Código Civil de 1916.

73

NORONHA, op. cit., p. 737 74

Continua Noronha a ensinar que: “A fonte desse preceito foi o art. 1.151 do CC francês, que é de 1803. Segundo este dispositivo, “mesmo no caso em que a inexecução da convenção resulte de dolo do devedor, as perdas e danos não devem compreender, com relação à perda sofrida pelo credor e ao ganho de que este tenha sido privado, senão o que é uma consequência imediata e direta da inexecução da convenção (ce qui est une suite immédiate et directe de l’inéxecution de la convention)”. Do Código francês, o comando passou para diversos outros códigos, como os italianos de 1865 (art. 1.229) e de 1942 (art. 1.223), e os nossos, de 1916 (art. 1.060) e de 2002 (art. 403)” (NORONHA, op. cit.).

75

NORONHA, op. cit., p. 737. 76

Ainda que a doutrina e a legislação tenham afastado a teoria da equivalência, esporadicamente pode-se esbarrar em julgados de tribunais de justiça que, sub- vertendo a evolução do conceito do nexo de causalidade, ainda aplicam teoria da equivalência de condições. A título de exemplo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, quando do julgamento da Apelação Cível n. 2011.041717-5, ainda que não cite diretamente a teoria nas razões do acórdão, condena a apelan- te com base na teoria da equivalência de condições ao responsabiliza-la por acidente de trânsito que não participou. No caso, a mulher e as filhas de um motociclista ajuizaram ação de reparação de danos morais e materiais, porquan- to um caminhão cortou a frente do motociclista o levando a óbito. O caminho que se envolveu no acidente estava prestando serviços a uma empresa de gases, mas não de forma subordinada; inexistia qualquer relação de emprego no caso concreto. No entanto, o Tribunal entendeu que mesmo inexistente o vínculo empregatício, o simples fato de o caminhão estar prestando serviço a uma em- presa (que poderia ser qualquer outra, pois o motorista prestava serviços a vá- rias empresas concomitantemente) atrairia a responsabilidade dela para reparar as autoras. Evidente que se trata de uma aplicação da teoria da equivalência de condições, numa lógica de que se não tivesse prestando aquele serviço naquele momento, o acidente não teria ocorrido.

amplamente consagrado pela Constituição da República de 1988 e majo- ritariamente adotado pelos operadores jurídicos77.

1.3.1.2. Teoria das condições mais relevantes ou teoria da causalida-