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1. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

1.3. Requisitos para a configuração da reparação por perda de uma

1.3.3. O problema da quantificação

A responsabilidade pela perda de uma chance ocorre porque, no caso concreto, a vítima perde a possibilidade de obter a vantagem defi- nitiva esperada em razão da interrupção do evento aleatório pelo agente causador do dano.

É, portanto, um dano que se verifica a partir da incerteza do pre- juízo, mas na certeza da probabilidade de que ele ocorreria137. Nas Se- ções seguintes, trabalharemos a natureza jurídica das chances perdidas. Porém, já adiantamos neste tópico que, no que toca à reparação do dano oriundo das chances perdidas, este deve ser integral, não se falando em

perdida deve ser apreciado com relação à probabilidade de sucesso desta ação‟” (CARNAÚBA, 2013, p. 126).

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Continua Daniel Carnaúba dizendo que “Essa prova é normalmente extraída dos esforços que a vítima empresou na obtenção da vantagem aleatória. É por esta razão que a jurisprudência francesa adota uma postura severa em relação aos demandantes que se queixam de ter perdido a chance de exercer uma profis- são, mas que não estavam até então engajados em uma atividade específica para o mister em questão. Assim, em um julgado proferido em 12 de maio de 1966, a Segunda Câmara Civil da Corte de Cassação negou a indenização requerida por uma jovem, que afirmava ter perdido a chance de ascender à profissão de far- macêutica. Segundo a Corte, a demandante „não havia empreendido qualquer estudo especial que poderia garantir seu acesso à profissão em questão‟, e por isso „não poderia se queixar da privação das vantagens da carreira, que eram puramente hipotéticas” (ibidem, p. 126-127).

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No mesmo sentido, Rafael Peteffi da Silva ensina que “Especificamente na esteira desse comentário, Yves Chartier aponta como bom exemplo o caso julgado pela Corte da Cassação que impediu que o autor, um menino de nove anos de idade, recebesse reparação pela perda da chance de auferir profissão bem remunerada. O réu da demanda havia causado um acidente que comprome- teu o bom desempenho escolar que a vítima havia apresentado durante toda a sua vida escolar, pois o impossibilitou de realizar certas tarefas manuais. O tribunal declarou que a falta de comprovação de certeza do prejuízo havia sido o principal motivo para a improcedência da demanda em relação à chance perdi- da” (PETEFFI DA SILVA, op. cit., p. 141).

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reparação parcial do dano final138. É comum o equívoco da jurisprudên- cia quando justifica que a reparação, por ser inferior ao dano final, é, na realidade, uma reparação parcial139.

Na indenização das chances perdidas “a reparação é integral, mas, como o dano é equivalente à chance (probabilidade), que é sempre menor do que o todo, o valor da indenização (total) da chance é necessa- riamente inferior a ele140,141”. O Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanse- verino assinala com maestria:

[...] o princípio da reparação integral tem plena aplicação na responsabilidade por perda de uma chance. Sua incidência, porém, não é sobre o montante total do dano final, mas busca reparar, do modo mais completo possível, a chance perdi- da. A determinação de ressarcimento do valor cor- respondente ao dano final, salvo nas hipóteses em que a chance perdida seja efetivamente de 100%m afrontaria a função indenitária do princípio da re- paração integral, ultrapassando-se a extensão efe- tiva dos prejuízos sofridos142.

As chances sempre serão reparadas em sua integralidade, tendo sempre como parâmetro a vantagem final esperada pelo lesado. É esse o parâmetro para o estabelecimento de limites para a indenização das chances perdidas.

O ponto de partida, inegavelmente, é a referência do dano fi- nal143, pois é sobre esse montante que se deverá aplicar o coeficiente de

138

HIGA, op. cit., p. 132. 139

PETEFFI DA SILVA, op. cit., p. 143 et seq. E continua o autor: “[...] isso não quer dizer que o dano pela perda de uma chance não esteja sujeito aos prin- cípios da reparação integral; pelo contrário, a indenização concedida sempre repara de forma integral as chances perdidas, pois a perda de uma chance é um dano específico e independente em relação ao final, que era a vantagem espera- da que foi definitivamente perdida”.

140

HIGA, op. cit., p. 132. 141

Continua o autor dizendo que “Tal equívoco decorre de uma fala percepção, pois o que de fato de indeniza não é o resultado final, mas a chance em si mes- ma, entidade que compõe o patrimônio – material ou imaterial – da vítima e à qual se pode atribuir um valor econômico, ainda que meramente para compen- sar a frustração moral sofrida” (ibidem).

142

SANSEVERINO, 2010, p. 173. 143

“Desse modo, pode-se afirmar que a regra fundamental a ser obedecida em casos de responsabilidade pela perda de uma chance prescreve que a reparação

redução com o intuito de encontrar a quantia equivalente ao percentual das chances de êxito que o lesado teria de conseguir o resultado144,145.

O coeficiente redutor, no entanto, nem sempre será útil para se chegar ao valor da reparação de forma correta, porquanto não serão todas as vezes que teremos os elementos colocados de forma clara para aferir o resultado final146. Em tais casos, será possível lançar mão da teoria da diferença, comumente utilizada para o arbitramento da repara- ção, para a qual “[...] o dano se estabelece mediante confronto entre o patrimônio realmente existente após o dano e o que possivelmente exis- tiria, se o dano não se tivesse produzido: o dano é expresso pela diferen- ça negativa encontrada nessa operação147”. Isso quer dizer que, nos casos em que não se consegue aplicar o coeficiente redutor, o magistra- do deverá fazer um exercício mental e hipotético acerca da possível situação da vítima, de acordo com o curso esperado dos acontecimentos ou de acordo com as circunstâncias especiais do caso concreto, balizan-

da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima. Mesmo nas espécies de dano moral, tal regra deve ser obedecida. Caso o agente tenha retirado as chances da vítima de não perder um braço, as chances perdidas representarão apenas uma porcenta- gem do valor que seria concedido se houvesse nexo causal entre a ação do agen- te e a efetiva perda do braço. [....] Mesmo que se concorde com a corrente dou- trinária que defende a independência das chances perdidas em relação ao dano final, é inegável que este será o grande referencial para a quantificação das chances perdidas” (PETEFFI DA SILVA, op. cit., p. 144).

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HIGA, op. cit., p. 135. Continua o autor ensinando que “[...] a linha mestra da reparação pela chance perdida é a estrita conformação com o princípio da reparação integral. Não obstante, como a chance nada mais representa do que uma probabilidade (parte) em relação à obtenção do todo, cuja conquista ficou obstaculizada pela superveniência do evento danoso, por óbvio, o valor da inde- nização será inferior ao do dano final, pois sobre este montante deverá ser apli- cado um coeficiente de redução correspondente ao percentual de chances de êxito que a vítima teria de conseguir o resultado”.

145

Rafael Peteffi da Silva exemplifica a questão “Como bom exemplo desta afirmação tem-se aquele proprietário de um cavalo de corrida que esperava ganhar a importância de R$ 20.000,00 (vantagem esperada), proveniente do primeiro prêmio da corrida que seu cavalo participaria não fosse a falha do advogado, o qual efetuou a inscrição do animal de forma equivocada. Se as bolsas de apostas mostravam que o aludido cavalo possuía vinte por cento (20%) de chances de ganhar o primeiro prêmio da corrida, a reparação pelas chances perdidas seria de R$ 4.000,00” (PETEFFI DA SILVA, op. cit., p. 144). 146

HIGA, op. cit., p. 136. 147

do-se sempre pela expressão razoavelmente consagrada pelo Código Civil Brasileiro148.

No entanto, ainda assim essa atribuição será sempre especulativa, porquanto nunca se poderá ter certeza se outra circunstância poderia interferir na situação, de modo a obstar por completo os acontecimentos. Ou seja, o magistrado, ao se deparar com um caso de indenização das chances perdidas, deverá especular o que aconteceria, em tese, se os acontecimentos não tivessem sido interrompidos pelo evento danoso, levando em consideração o resultado final almejado no processo aleató- rio149.

Outra ferramenta de que se pode valer para quantificar as chances perdidas é a estatística, verbis:

[...] a estatística é um método utilizado para que se possa afrontar a álea, mediante técnicas (como, v.g., as equações de probabilidades, as estimativas e as sondagens) que subvertem a estratégia de li- dar com o desconhecido. A partir delas, não mais se tenta expungir o desconhecido, no tolo feti- chismo da onisciência, mas sim admitir os limites de falibilidade e cognoscibilidade humana e bus- car compreensões, a despeito disso. É a assimila- ção do acaso, pois a partir da ciência (indispensá- vel) de que um ou mais elementos que determi- nam a resposta são incognoscíveis, busca-se uma resposta provável150.

Para o objeto do presente estudo – a perda de uma chance aplicá- vel aos advogados que incorreram em falha contratual –, tem-se, para além dos elementos expostos acima, o suporte jurisprudencial que, em quase todos os casos, auxiliará na quantificação do dano relativo às chances perdidas, a saber a probabilidade de êxito a ser aferida a partir da jurisprudência majoritária no que diz respeito à matéria ventilada,

148

HIGA, op. cit., p. 138. 149

ibidem. Continua o autor dizendo que, “Portanto, quando o juízo prospectivo sobre o resultado final na hipótese de não ocorrência do ato ilícito for incerto, cabe ao julgador, primeiramente, aplicar a „teoria da diferença‟, a fim de formu- lar um dado hipotético sobre a totalidade da vantagem buscada, para, num se- gundo momento, aplicar o „coeficiente de redução‟ correspondente à probabili- dade de que aquela chance de obtê-la viesse a se materializar”.

150 ibidem.

podendo variar de zero a 100% do dano final o montante da indeniza- ção151.

Para a objetivação dessa análise estatística no caso da responsa- bilização do advogado, podemos levar em consideração um raciocínio trifásico: primeiro encontramos o quantum referente ao resultado da demanda originária em que, por exemplo, o recurso não foi interposto ou a ação não foi ajuizada por ato ilícito contratual do advogado, consi- derando-se tal valor como o resultado útil. Após identificar o valor re- presentativo do resultado final esperado pelo lesado, no caso o cliente, quantifica-se estatisticamente a chance de o recurso que não foi inter- posto (da contestação não apresentada, da ação não ajuizada, dentre outras possibilidades de falta do causídico) obter resultado de sucesso pelo juízo de primeiro grau ou pelo tribunal respectivo. Por fim, aplica- mos o resultado estatístico encontrado no segundo momento sobre o resultado útil identificado na primeira parte, alcançando-se, então, o valor a ser fixado na demanda pela responsabilização pela perda de uma chance152.

Com relação à segunda etapa, como explanamos no tópico anteri- or, imperioso que se verifique, ainda, a delimitação do tempo da pesqui- sa jurisprudencial, já que o entendimento majoritário de hoje sobre um tema do direito, poderia, em outros tempos, ter representado um enten- dimento minoritário153.

Essas três etapas servirão para auxiliar o magistrado na quantifi- cação das chances perdidas, seja nos casos em que a faceta econômica é facilmente apreciável, seja nos casos em que, pelo contrário, a pretensão não tem conteúdo econômico de fácil percepção154, o que deve ser leva-

151

SANSEVERINO, op. cit., p. 173. 152

SOUSA, 2011. 153

Tal constatação é importante, porquanto não são raros os casos em que as Câmaras dos tribunais possuem entendimentos diferentes com relação a um mesmo caso. A rigor, essa hipótese não deveria ocorrer. No entanto, a praxe nos demonstra quem a depender de qual Câmara se distribua um recurso, o recor- rente já pode, de antemão, ter conhecimento do seu provimento ou não. 154

Os casos em que não se visualiza uma faceta econômica de fácil reparação são aqueles (trabalhando sempre sob a égide apenas da responsabilidade do advogado pela perda de uma chance e não com as demais searas em que ela se aplica) em que não se consegue aferir com facilidade a vantagem perdida pelo lesado. Tem-se dificuldade na demonstração do que representaria economica- mente o resultado final, como, por exemplo, o caso em que se tem como objeto

do em consideração, juntamente com o exposto no início desta Seção, para a obtenção da correta quantificação das chances perdidas.

Da análise dos julgados que trabalharemos mais detalhadamente na segunda etapa desta dissertação (Seção 2.7.1.1), pudemos concluir que, quando se entende pela aplicabilidade da perda de uma chance, a quantificação do montante indenizatório, na larga maioria das vezes, se revela equivocada. Ora se indenizam as chances perdidas pelo resultado final da vantagem esperada; ora se arbitra indenização pelas chances perdidas com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade sem se levar em consideração o resultado final como parâmetro indeni- zatório, incorrendo-se no risco de as chances perdidas, por vezes, possu- írem valor expressão monetária superior ao resultado final que teve seu processo aleatório interrompido.