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CAPÍTULO 2 INSTITUTO JURÍDICO DO CASO JULGADO NO DIREITO

2.4 TIPOS DE CASO JULGADO: FORMAL E MATERIAL

2.4.1 Caso Julgado Formal

O caso julgado pode ser formal e material. Para Hélio Bastos Tornaghi e Miguel Teixeira de Souza283 o caso julgado em sentido formal é a “consequência da irrecorribilidade, e traduz-se pela imutabilidade da sentença no processo em que foi proferida”.

No entendimento de Romeu Pires de Campos Barros284 o caso julgado formal é “uma qualidade da sentença, quando já não é recorrível por força da preclusão dos recursos”. Paulo Lúcio Nogueira285 e Rui Medeiros286 definem respectivamente, caso julgado formal como “a matéria processual e ocorre quando não houver mais recurso da decisão proferida; é chamada também de preclusão recursal, porque não houve interposição de recursos”. No entendimento, do primeiro, “a sentença produz coisa julgada formal, já que se esgota o prazo recursal, mas nem todas produzem coisa julgada material, visto que poderão ser revistas com novas provas, como a impronúncia”, ressalvando o segundo, conceituado jurista português “a primazia da ordem constitucional, segurança jurídica, requisito do Estado de Direito, a apontar, no âmbito dos atos jurisdicionais, para o caso julgado”.

Júlio Fabbrini Mirabete287 e Jorge Miranda288, respectivamente, expressam que “o caso julgado formal traduz a imutabilidade da sentença no processo em que foi proferida; é o efeito preclusivo que impede nova discussão sobre o fato na mesma ação” e que “não modifica, não revoga a decisão de qualquer Tribunal transitada em julgado que a tenha aplicado, nem constitui fundamento da sua nulidade ou de recurso extraordinário de revisão”.

O caso julgado formal é endoprocessual, vale dizer, atua dentro do processo, “vinculando a impossibilidade de rediscutir o tema decidido dentro da relação jurídica processual em que a sentença foi prolatada, por já terem sido esgotados os meios jurídicos

283 TORNAGHI, Hélio Bastos. Op. cit., p. 183. SOUSA, Miguel Teixeira de. 1997. Op. cit., p. 570. 284 BARROS. Romeu Pires de Campos. Op. cit., p. 260.

285 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso completo de processo penal. 9. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva

1995. p. 135.

286 MEDEIROS, Rui. Op. cit., p. 570.

287 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. Ed . São Paulo: Atlas, 2006. p. 219

para sua impugnação”, e no dizer de Jorge Miranda, há necessidade de observar o princípio da instabilidade do caso julgado, que mesmo em excepção expcional impõe a sua conjugação com outras normas análogas289.

Assim, o caso julgado formal atua dentro do processo em que a sentença foi proferida, sem impedir que o objeto do julgamento volte a ser discutido em outro processo290,excepção observada, na hipótese do artigo 282, nº 03, segunda parte da Constituição da República portuguesa, em tema penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social. Trata-se de tema limitativo, diante do princípio do caso julgado.

Para Cândido Rangel Dinamarco291, o caso julgado formal ocorre quando, por meio de recursos, não mais será possível cassar ou substituir a sentença. Incide sobre sentenças de qualquer natureza, de mérito ou terminativa, na medida em que não diz respeito aos efeitos substanciais da sentença, “mas à própria sentença como ato do processo”.

O caso julgado formal é manifestação da preclusão, “fenômeno processual de maior amplitude e variada intensidade”, por isso é “tradicionalmente designada como præclusio

maxima”. Como toda preclusão é extinção de uma faculdade ou poder no processo, o caso

julgado formal, como preclusão qualificada, é caracterizada como a extinção do poder de exigir novo julgamento quando a sentença já tiver passado em julgado292.

Na verificação de Cândido Rangel Dinamarco293, o sistema procedimental brasileiro é mais preclusivo que os sistemas europeus, incluído o modelo português, “decorrência das fases em que a lei distribui os atos do procedimento, sem possibilidade de repetições ou retrocessos”, daí, porque, também “a rigidez do procedimento é um dos mais destacados elementos caracterizadores do modelo processual infraconstitucional brasileiro”294.

Configura-se o caso julgado formal, quando a sentença, como ato daquele processo, não poderá ser reexaminada. É a sua imutabilidade como ato processual, provindo da sua preclusão das impugnações e dos recursos. O caso julgado formal representa a preclusão máxima, ou seja, a extinção do direito ao processo, ou seja, àquele processo, o qual se extingue.

289 TRINDADE, Elen Carla Mazzo. Questão da relativização da coisa julgada material no processo civil

brasileiro. In: Intertem@s, ano X, vol. 18, nº 18, p. 44-58. Presidente Prudente-SP, ago./dez. 2009. p. 47; MIRANDA, Jorge. 2001. Op. cit., p. 260.

290 THEODORO JÚNIOR, Humberto. 2002. Op. cit., p. 463. 291 DINAMARCO, Cândido Rangel. 2002. Op. cit., p. 04. 292 DINAMARCO, Cândido Rangel. 2002. Op. cit., p. 04. 293 Idem, ibidem, p. 04.

O caso julgado formal é o pressuposto do caso julgado material. Enquanto a primeira torna imutável dentro do processo o ato processual sentença, pondo-a com isso ao abrigo dos recursos definitivamente preclusos, o caso julgado material torna imutáveis os efeitos produzidos por ela e lançados fora do processo e no dizer de José Alberto González, jurista português, “no tema de sentença transitada em julgado há distinção entre lei interpretativa e lei inovadora (não interpretativa), com forte restrição hermenêutica, em decorrência da segurança jurídica”246.

Conforme Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco295, alguns juristas preferem não distinguir caso julgado formal e preclusão, entendida a preclusão como a perda de faculdades processuais pelo decurso de tempo. Porém, argumentam que a preclusão é o antecedente, de que o caso julgado formal constitui o subsequente. A formação do caso julgado em sentido formal, ou seja, essa incontestabilidade posterior do bem reconhecido ou negado é atingida após a preclusão de todas as questões que se suscitaram e de todas as questões que se poderiam suscitar em torno da vontade concreta da lei, com o fim de obter o reconhecimento do bem ou negado ou o desconhecimento do bem reconhecido.

Assim é que se verifica a preclusão definitiva das questões propostas, ou proponíveis, quando no processo se obteve uma sentença não mais sujeita a impugnações. Sentença passada em julgado (coisa julgada em sentido formal) é como essa sentença se denomina296. Para Julio Fabbrini Mirabete297 não deve haver confusão entre caso julgado e preclusão. Nas suas palavras: “a preclusão é fato processual extinto de caráter secundário, que tem o fim de obter que se impeça o prosseguimento do processo com possibilidade de discutir novamente uma mesma questão”. Dito de outro modo, a preclusão nada mais é do que “a extinção de um direito processual por não tê-lo exercido seu titular no momento oportuno”.

Giuseppe Chiovenda298 define como sendo ainda “a afirmação indiscutível, e obrigatória para os juízes de todos os futuros processos, duma vontade concreta da lei, que reconhece ou desconhece um bem da vida a uma das partes”.

Todas as sentenças transitadas em julgado geram um efeito específico, que é a extinção do processo, sendo elas definitivas ou terminativas. É o fenômeno do caso julgado

295 DINAMARCO, Cândido Rangel. 2002. Op. cit., p. 327. 296 CHIOVENDA, Giuseppe. 1925. Op. cit., p. 95-96. 297 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 219. 298 CHIOVENDA, Giuseppe. 1925. Op. cit., p. 96.

formal, consistente na imutabilidade do efeito formal de extinção dentro do próprio processo, pelo fato da sentença não estar mais sujeita a nenhum recurso ordinário ou extraordinário299.

As sentenças terminativas fazem apenas caso julgado formal, sendo que não são analisadas as questão de direito material, diante da falta de alguns dos requisitos de admissibilidade do mérito. Assim, se resolvido o vício, poderá ser proposta uma nova ação com o mesmo pedido.

No caso julgado formal, o julgamento da lide, como ato processual, se torna imutável dentro do processo, porque a preclusão impede que ele seja impugnado ou revisto, através de recurso.

Apresentada a prestação jurisdicional em sentença ou acórdão, o órgão ou Tribunal que proferiria o ato decisório não pode, de regra, alterar ou modificar. É denominada princípio da inalterabilidade da sentença, onde assenta o caso julgado formal300. Como se vê nada mais é, do que a prestação jurisdicional entregue pelo Estado, com fundo de imutabilidade, dentro do processo, como fundamento para a irrevogabilidade fora do processo. É a condição prévia do caso julgado material, é a preclusão máxima, pois impede o reexame do julgamento dentro do processo.

Transita em julgado a decisão, quando dela não mais cabe recurso, ou se é irrecorrível. Se ainda cabe algum recurso e foi interposto, não há caso julgado formal.

Critica Pontes de Miranda301 que o adjetivo material, no artigo 467 foi impróprio. A eficácia do caso julgado chamado material é a eficácia da sentença contra qualquer sentença posterior, o que depende do conteúdo das duas. Quando se diz processualmente imutável a sentença ou processualmente indiscutível a sentença, o que há é a eficácia do caso julgado formal: a relação jurídica processual extinguiu-se.

A partir do momento que não são mais admissíveis quaisquer recursos, ou porque não foram utilizados nos respectivos prazos ou porque não caibam ou não haja mais recursos a serem interpostos, ocorre o fenômeno da imutabilidade da sentença, não mais suscetível qualquer reexame da mesma, tornando-se firme e imutável, dentro do processo. Interessante, afirmar que a imunidade do caso julgado atinge inclusive as leis de efeitos retroactivos, diante do princípio tempus regit factum como fundamento do Estado de Direito Democrático e da segurança jurídica com previsibilidade no artigo 2º da Constituição da República portuguesa.

299 BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Mattos. Op. cit., p. 188. 300 MARQUES, José Frederico. 2000. Op. cit., p. 272.

301 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao código de processo civil. 3. ed. Rio de Janeiro

A sentença, como ato processual, adquiriu imutabilidade. Então, tem-e o que se chama “caso julgado formal”, que consiste no fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recursos, mesmo porque o caso julgado resolve o conflito de decisões judiciais302, conforme se vê no Acórdão 129/07 do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, como “obstáculo a uma nova decisão de mérito, diante da autoridade do caso julgado”303.

O caso julgado formal consiste no fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recurso. Dá-se porque a sentença não poderá ser reformada por meio de recursos, seja porque dela não caibam mais recursos, seja porque estes não foram interpostos no prazo, ou porque do recurso se desistiu ou do interposto se renunciou. E porque os recursos são atos de impugnação da sentença no processo em que ela foi proferida, o caso julgado formal redunda na imutabilidade da sentença, como ato processual, dentro do processo304.

Em outras palavras, a caso julgado formal é a ausência de impugnabilidade da sentença no processo em que foi proferida. Ocorre o caso julgado formal, quando a sentença não mais está sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, quer porque dela não se recorreu, quer porque se recorreu em desacordo com os requisitos de admissibilidade dos recursos ou com os princípios fundamentais dos recursos; quer, ainda, porque foram esgotados todos os meios recursais de que dispunham as partes e interessados naquele processo.

Para o caso julgado formal leva-se em conta, principalmente, a impugnabilidade da sentença, vale dizer o momento em que se forma o caso julgado. A denominação caso julgado formal é equívocada, mas se encontra consagrada na doutrina. Trata-se, na verdade, de preclusão e não de caso julgado. Não é objeto de garantia constitucional do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição republicana brasileira, que abrange apenas a autoridade do caso julgado, ou seja, o caso julgado material.

Normalmente o caso julgado formal ocorre simultaneamente com o caso julgado material305. Mas nem sempre. Quando as partes não recorrem de sentença prolatada contra a Fazenda Pública ou Estado, ocorre a preclusão, caso julgado formal, mas o caso julgado material não ocorre, por força do duplo grau de jurisdição obrigatório, em regra presente nos nas legislações dos Estados. Representa a estabilidade que a sentença adquire no processo em que foi proferida, tendo ou não apreciado o mérito.

302 SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit., p. 429.

303 STJ-PT, Supremo Tribunal de Justiça de Portugal. Processo nº 129/07. Acórdão de 12 de julho de 2011.

Disponível em: <www.dgsi.pt>. Acesso em: 02 out. 2018.

304 SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit., p. 39. 305 RIBEIRO, Orlando. Op. cit., p. 23.

Ocorre caso julgado formal em matéria penal quando a sentença não versar especificamente sobre o fato tido como delituoso, vale dizer, quando “não há análise e julgamento sobre o mérito (ou seja, sobre o fato processual ou caso penal), a decisão faz caso julgado formal”, porquanto o mérito ira examinar a complexa problemática da verdade, que no dizer de Faria e Costa “em direito a verdade é uma noção operatória da sua aplicação”306. Portanto, o caso julgado formal está localizado no mundo da processualística, afastada dos fatos e acontecimentos da vida.