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CAPÍTULO 2 INSTITUTO JURÍDICO DO CASO JULGADO NO DIREITO

2.5 LIMITES À PROTEÇÃO DO CASO JULGADO

2.5.1 Limites Objetivos do Caso Julgado

Considerando o respeito e limites objetivos do caso julgado, a investigação tem por finalidade determinar sobre que pontos ou questões litigiosassão relevantes no caso julgado com a finalidade de atingir o propósito da pesquisa, que é perquirir sobre a excepcionalidade da autoridade do caso julgado. A determinação deste resultado importa em delimitar-se, com rigor, os contornos da própria lide, de modo a distingui-la de outras, mesmo porque o efeito do caso julgado devem ser extendido às decisões administrativas, desde que resolvido, decidido e consolidado no ordenamento jurídico, com exceção da ocorrência de novas circunstâncias fáticas ou jurídicas, que não são atingidas pela autoridade do caso julgado, citando, por exemplo, decisões sucessivas jurisprudenciais315.

Na forma do artigo 110, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal brasileiro, “a exceção da coisa julgada somente poderá ser oposta em relação ao fato principal que tiver sido objeto da sentença”. Especifica, assim, os limites objetivos ao caso julgado.

Como já anteriormente verificado, na teoria de Enrico Túlio Liebman firmou-se a ideia de que a autoridade do caso julgado não é efeito da sentença, mas uma qualidade que aos efeitos se junta para torná-los imutáveis. Nas palavras de Enrico Túlio Liebman316:

[...] na opinião e linguagens comuns, a coisa julgada é considerada, mais ou menos clara e explicitamente, como um dos efeitos da sentença, ou como a sua eficácia

315 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. 2005. Op. cit., p. 439.

TC-PT, Tribunal Constitucional de Portugal. Acórdão 804/93. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/>. Acesso em: 02 out. 2018. TC-PT, Tribunal Constitucional de Portugal. Acórdão nº 231/94. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/>. Acesso em: 02 out. 2018.

específica, entendida ela, quer como complexo de consequências que a lei faz derivar da sentença, quer como conjunto dos requisitos exigidos, para que possa valer-se plenamente e considerar-se perfeita. [...] considerar a coisa julgada como efeito da sentença e ao mesmo admitir que a sentença, ora produz simples declaração, ora efeito constitutivo, assim de direito substantivo, como de direito processual, significa colocar a frente elementos inconciliáveis, grandezas incongruentes e entre si incomensuráveis. Seria, pois, a coisa julgada um efeito que se põe ao lado deles e no mesmo nível ou se sobrepõe a eles e os abrange?

Prossegue esclarecendo que a expressão “caso julgado” extremamente abstrata não pode se referir a um efeito autônomo que possa estar de qualquer modo sozinho; ao contrário, indica a maneira com que certos efeitos se produzem, isto é, uma qualidade ou modo de ser deles. Foi a linguagem que induziu, inconscientemente, à descoberta desta verdade de “que a autoridade do caso julgado não é o efeito da sentença, mas uma qualidade, um modo de ser e de manifestar-se dos seus efeitos”317. Desse modo, para Enrico Túlio Liebman, o caso julgado se traduz na forma por meio da qual determinados efeitos da sentença são produzidos, e que devem ser eternizados a partir de certo momento.

Na interpretação de Sérgio Gilberto Porto318, Enrico Túlio Liebman deixou de considerar um aspecto de relevo, qual seja, a natureza do direito posto em causa. Explica que se Enrico Túlio Liebman ponderasse sobre isso, talvez não afirmasse de maneira absoluta que os efeitos são modificáveis, eis que, em certas situações, eles serão imutáveis. A hipótese se dá, quando posto em causa direito indisponível. O autor cita como exemplo, que na demanda investigatória de paternidade julgada procedente, um dos vários efeitos produzidos é a expedição de mandado de retificação do assento de nascimento do investigante, para que nele se inclua o nome do pai.

No direito brasileiro e português, não tem como evitar esse resultado, sendo, portanto, imodificável o efeito, motivo pelo qual tem por incorreta a afirmação genérica de que efeitos são modificáveis, ressalvado reconhecer que, se o direito posto em causa é disponível, os efeitos serão modificáveis, através de novo negócio e não por nova sentença319.

Destaca-se que, se o instituto do caso julgado visa apenas tornar determinada relação jurídica imune à nova decisão judicial, com a finalidade de que não venha a ocorrer outra disposição sobre a causa examinada, tornando definitiva certa situação, nenhuma nova

317 LIEBMAN, Enrico Tullio. 1996. Op. cit., p. 05-06. 318 PORTO, Sérgio Gilberto. 2009. Op. cit., p. 69. 319 Idem, ibidem, p. 69.

sentença poderá modificar aquilo que já foi disciplinado, e, por decorrência, não há que se falar em modificabilidade dos efeitos320, ressalvado nas hipóteses permitidas, em tema penal, a revisão criminal extraordinária.

No que diz respeito aos limites do caso julgado, Friedrich Carl Von Savigny entende que todos os fundamentos objetivos da relação jurídica de direito material integram o caso julgado, alargando, desse modo, seus limites objetivos. É o que expõe Moacyr Amaral Santos321:

Conforme a doutrina de Friedrich Carl von Savigny, integravam a coisa julgada não todos os motivos da sentença, mas os fundamentos objetivos, ou elementos objetivos. Por fundamentos objetivos - dizia o insigne jurista - eu entendo os elementos constitutivos da relação jurídica. Por exemplo, na ação de reivindicação, o autor tem de alegar sua propriedade sobre a coisa e a posse do réu. Tais são os elementos constitutivos da ação de reivindicação. Declarando procedente a ação e condenando o réu a devolver a coisa ao autor, a sentença reconheceu, evidentemente, a existência da propriedade do autor e a posse do réu, pois de outro modo não poderia haver julgado procedente a ação. A propriedade do autor e a posse do réu - elementos constitutivos da relação jurídica decidida e elementos objetivos da decisão - se integram na coisa julgada. Mas são abrangidos pela coisa julgada tão somente os elementos objetivos, assim chamados para se distinguirem dos motivos subjetivos que levam o juiz à formação de sua convicção.

No direito penal, a regra aos limites do caso julgado são rigídas,porém admite excepcionalidade, seja por força constitucional ou do direito da União Européia, conforme Diretiva 2016/343 do Parlamento Europeu, que regula à audiência penal e julgamento.

Esse posicionamento doutrinário ainda sofre resistências nas legislações europeias, a exemplo da alemã e da portuguesa. Conforme Adolf Wach322, o Código Processual Alemão (Zivilprozessrecht) adota uma postura bem mais restritiva ao afirmar expressamente que o caso julgado abrange apenas e tão somente o dispositivo da sentença. Nas suas palavras, o Código Processual Alemão:

[...] adota uma posição clara frente à doutrina da coisa julgada. Não conhecer coisa julgada alguma que se refira a declaração de fatos. Só as decisões sobre pretensões

320 PORTO, Sérgio Gilberto. 2009. Op. cit., p. 70. 321 SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit., p. 63.

322 Adolf Wach apud PIMENTEL, Wellington Moreira. Estudos de direito processual em homenagem a José

são capazes de passar em autoridade de coisa julgada. Não há coisa julgada nos fundamentos da sentença. Não chegam a ter autoridade de coisa julgada as decisões sobre relações jurídicas condicionantes, sobre pontos prejudiciais, a menos que seja haja formulado, a respeito deles, uma pretensão independente de declaração ou reconvenção.

No direito alemão o caso julgado (rechttskraft des urteils) é compreendido em duplo sentido: como a impossibilidade de anular a sentença por meio de recurso, seja porque a última instância ditou a última palavra, seja porque transcorreu o tempo para a interposição de recurso pela preclusão, seja ainda porque se desistiu ou renunciou ao recurso. A isso é o que se chama de caso julgado formal (formele rechttskraft); e como decorrência do conteúdo da sentença, decisivo o suficiente para excluir totalmente qualquer novo exame do negócio ou ainda qualquer resolução nova diferente ou distinta sobre a mesma relação jurídica frente às pessoas, que foram partes, seja pelo mesmo Tribunal, seja por outro diferente. A isso se chama de caso julgado material (materielle rechttskraft)323.

Com efeito, para o direito alemão a sentença firme tem o mesmo valor do caso julgado, entretanto, esta força não é absoluta, mas limitada no aspecto temporal, objetivo e espacial e, como regra geral, não alcança terceiros que não interviram na causa, ou seja, se restringe às partes324.

Na hipótese de discussão da questão por um terceiro alheio ao processo que fez caso julgado, o novo processo será examinado, sendo que o juiz pode decidir de outra maneira, não estando vinculado à decisão anterior (Código Processual Alemão - ZPO, parágrafo 325325). A força do caso julgado só deixa de surtir efeito mediante a revogação da sentença por revisão, o que corresponde à ação rescisória brasileira e portuguesa, em tema processual civil e a revisão criminal, em tema processual penal.326.

Também o direito português adotou a tese de que os limites objetivos do caso julgado ficam circunscritos ao dispositivo da sentença. De fato, ao indicar o alcance do caso julgado, o artigo 673 do Código de Processo Civil327 estabelece que “a sentença constitui caso julgado

323 FERREIRA, Pinto. Da coisa julgada. In: Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, vol. 08, nº 05,

p. 211-224. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras Jurídicas, jan./jun., 1994. p. 219.

324 Idem, ibidem, p. 219-220.

325 “Parágrafo 325 (ZPO Subjektive Rechtskraftwirkung): (ALEMANHA, Legislação. Código Processual

Alemão - ZPO. Zivilprozessordnung (ZPO). Zweites Buch 2. Verfahren im ersten Rechtszug. Stand: Neugefasst durch Bek. vol. 5.12.2005 I 3202; 2006 I 431; 2007 I 1781 Zuletzt geändert durch Art. 1 G vol. 8.7.2014 I 890. Disponível em: <http://www.zivilprozessordnung-zpo.de/zpo/325.html>. Acesso em: 03 out. 2018.

326 FERREIRA, Pinto. Op. cit., p. 220.

327 “Artigo 673 (alcance do caso julgado): a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que

nos precisos limites e termos em que julga”. Isto significa que somente o dispositivo da sentença, o decisum, que julga a lide, faz caso julgado. Não os pressupostos ou as consequências necessárias. No âmbito do processo penal, os códigos processuais português e brasileiro,foram bastantes tímidos em relação ao caso julgado, socorrendo-se, em geral aos conceitos sobre o tema da teoria geral do processo.

Conforme Moacyr Amaral Santos328, este raciocínio também é dominante atualmente no direito francês e italiano com fundamento nas teorias de Giuseppe Chiovenda329. Assim, o caso julgado é a conclusão última do raciocínio do juiz, expressa no dispositivo da sentença, e não suas premissas; o último e imediato resultado da decisão e não a série de fatos, relatórios ou dispositivos legais, que na mente do juiz constituíram o pressuposto desses resultados. Significa que somente o dispositivo faz caso julgado. A fundamentação, composta pelos motivos de fato e de direito, bem como pela verdade estabelecida dos fatos , como premissa para o julgamento, não é atingida pelo caso julgado material, mesmo que determinante e imprescindível à demonstração do conteúdo da parte dispositiva da sentença.

Fixada a premissa, de que no processo civil somente o dispositivo faz caso julgado material, figurando como limite objetivo, destaca-se que em relação ao processo penal, o parágrafo 2º, do artigo 110, do Código de Processo Penal brasileiro, que “a exceção de coisa julgada somente poderá ser oposta em relação ao fato principal, que tiver sido objeto da sentença”, permitindo apurar que, no âmbito criminal, também os fatos julgados são resguardados pelo “caso julgado”, independentemente da qualificação jurídica que receberam. No direito português o tema é regulado no artigo 84 do Código de Processo Penal aplicando conceitualmente o disposto no âmbito civil330.

Em suma, em matéria penal, a exceção do caso julgado só poderá ser oposta no que diz respeito ao fato principal, que fora objeto da sentença.

Parece que, de todas as divergências, é imbatível que o elemento declaratório da decisão, não poderá ser modificado, pois nenhum outro ato de julgar e nem mesmo outro negócio jurídico serão capazes de alterar a declaração feita pelo juízo anterior, após o trânsito em julgado da decisão antes proferida. É forçoso reconhecer que não é toda a parte da

praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique” (Código de Processo Civil).

328 SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit., p. 63. 329 CHIOVENDA, Giuseppe. 1998. Op. cit., p. 374.

330 HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Algumas considerações sobre a coisa julgada no Direito Processo

Penal. In: Temas Jurídicos, 2002. Disponível em: <http://www.amperj.org.br/artigos/view.asp?ID=82>. Acesso em: 02 out. 2018. p. 01.

sentença que faz caso julgado, pois não se pode considerar o relatório, que é a exposição dos fatos.