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CONCEITO E REQUISITOS DE VALIDADE DA SENTENÇA PENAL:

CAPÍTULO 3 SENTENÇA JUDICIAL EM MATÉRIA PENAL NO DIREITO

3.1 CONCEITO E REQUISITOS DE VALIDADE DA SENTENÇA PENAL:

O Estado dever estabelecer um sistema que assegure a efetiva realização da justiça por meio da criação de Tribunais que se ocupem de pronunciar o direito aplicável e dirimir as controvérsias surgidas no seio social, cumprindo com sua importante missão de preservar a ordem jurídica e constitucional, levando a cabo uma função de controle dos atos dos órgãos do Estado que eventualmente violarem o texto constitucional.

A atividade jurisdicional tem a importante missão de promover a tutela do direito subjetivo, reintegrando o direito ameaçado ou violado. Como a lei naturalmente não consegue prever todas as situações que em determinado momento se prestam à vida cotidiana, cabe ao juiz interpretar o sistema jurídico vigente em sua amplitude, para não deixar nenhuma situação desprotegida.

O ato jurisdicional, portanto, se traduz na aplicação da norma ao caso concreto, concebendo-se essa norma em sua acepção mais ampla, como bloco de legalidade - bloc légal na doutrina francesa - e a concepção da lei não apenas como limite da atividade do Estado, mas como seu próprio fundamento349.

Até o advento da Constituição da República portuguesa de 1933, o princípio da legalidade tinha como função basilar assegurar a primazia e a indispensabilidade da normatização de uma Assembleia Legislativa, ou seja, o princípio da legalidade significava que o Estado devia mover-se dentro dos limites traçados pelas leis votadas pela Assembleia Legislativa. A visão do Estado de Direito se reduzia à legalidade administrativa confinada ao respeito pelas normas por ela quase livremente criadas350.

Porém, ainda durante a vigência da referida Constituição, o princípio da legalidade passou a desenvolver um papel garantístico, de respeito ao conjunto das normas vigentes, isto

349 ANTUNES, Maria João. A fuga para o direito privado: contribuindo para o estudo da actividade de direito

da Administração Pública. Coleção Teses. Coimbra: Almedina, 1999. p. 175.

350 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos.

é, do “bloco de legalidade” e da conformidade dos atos do Estado com normas jurídicas prévias. A imposição era no sentido de que o Poder Público não praticasse atos que pudessem contender com interesses alheios, senão em virtude de uma norma geral anterior, incluindo as normas por ele criadas sob forma legislativa ou regulamentar351. Na verificação de Marcello José das Neves Alves Caetano352:

[...] a importância da submissão da Administração Pública à lei não reside já na subordinação de um poder, que por natureza seria executivo, a outro poder, esse soberano e legislativo. O valor da legalidade passou a estar na generalidade dos comandos que os órgãos administrativos têm de aplicar por igual aos casos idênticos submetidos à sua decisão ou operação.

Verifica-se, portanto, uma legalidade de natureza garantística, que foi sendo gradualmente alargado, passando dos simples casos em que o Estado, violando a lei, ofendia direitos subjetivos; para todos aqueles em que a desobediência a qualquer norma jurídica, ou mesmo a atuação sem base em qualquer norma jurídica, lesava interesses legítimos, mesmo que não incorporados em direitos. Contudo, apenas em situações que limitavam direitos individuais é que se aceitava a aplicação do princípio da legalidade substancial353, ou seja, permanecem os ranços do Estado Liberal de Direito.

A partir do momento em que a Constituição da República portuguesa qualificou o Estado de Direito português como “democrático”, impôs o reconhecimento, no mesmo âmbito constitucional, da natureza não apenas ablativa (negativa, defensiva ou impeditiva), mas também prestacional (positiva) do Estado de Direito.

Outrossim, a configuração atual do princípio da legalidade não se esgota no resultado da mudança do status negativus para o status positivus, ou seja, do “limite negativo para fundamento da decisão”, pois “ao mesmo tempo, a quebra das premissas de centralidade e exclusivismo da lei como fonte normativa vem trazer à colação a extensão da originária ideia de legalidade a outras fontes”354. Para, além disso, a submissão do Estado à lei passa a

351 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Op. cit., p. 187.

352 Marcello José das Neves Alves Caetano apud CORREIA, José Manuel Sérvulo. Op. cit., p. 187. 353 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Op. cit., p. 187-188.

354 Daniele Loschak considera que a relação entre lei e legalidade é ainda uma consequência do caráter sagrado

da lei na criação iluminista, e que a legitimação que a lei propicia é hoje dada pelo direito, globalmente (Daniele Loschak apud DUARTE, David. Procedimentalização, participação e fundamentação: para uma concretização do princípio de imparcialidade administrativa como parâmetro decisório. Coimbra: Livraria Almedina, 1996. p. 339, nota 268).

significar obediência a todo o ordenamento e, portanto, sujeição ao direito. Nas palavras de José Manuel Sérvulo Correia355:

O Estado de Direito destina-se a assegurar ao indivíduo uma esfera protegida nas suas relações com o poder. Um dos esteios do Estado de Direito é a legalidade administrativa, que tem como uma vertente fundamental a reserva de lei. Logo, esta reserva tem de abarcar a esfera individual protegida, tal como a Constituição a concebe. E essa, em face da presente Lei Fundamental, tem de considerar-se integrada pela matéria dos direitos, liberdades e garantias e pela de todos os outros direitos fundamentais. A relevância de um ato para direito de aplicação de direitos fundamentais incorpora-o necessariamente no âmbito material da proteção jurídica individual tal como a Constituição da República portuguesa o traça, isto é, não só como status negativus, mas também como status positivus.

Ademais, ainda no âmbito do direito português, o componente “democracia” acrescido ao conceito de Estado de Direito, não se esgota nos analisados planos econômico, social e cultural, mais que isso, começa com a própria democracia política. Como é sabido, o artigo 2º, da Constituição da República portuguesa356, expressa que o Estado português é um Estado de Direito Democrático, “baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais”, o que significa, na interpretação de José Manuel Sérvulo Correia357 que a estrutura constitucional não se satisfaz apenas com a existência de um circuito fechado de garantia de direitos e liberdades, exige para mais, a ligação desse sistema à titularidade e ao exercício da soberania pelo povo (artigo 3º, nº 1358). Nas suas palavras:

As garantias formais e processuais valem conforme valerem as normas cuja aplicação geral e igual asseguram. É a conformidade das normas com a vontade coletiva, que faz presumir da sua bondade. Simultaneamente, porém, o valor do pluralismo afasta o risco da ditadura da maioria, impondo a “qualidade” dessa vontade coletiva através da natureza minimamente compromissória das normas e da

355 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Op. cit., p. 193-194.

356 “Artigo 2º - Estado de Direito Democrático: a República portuguesa é um Estado de direito democrático,

baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” (Constituição da República portuguesa).

357 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Op. cit., p. 194.

358 “Artigo 3º - soberania e legalidade: 1. a soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as

rigidez dos preceitos constitucionais que exprimem valores incompreensíveis da personalidade, da autonomia dos corpos sociais menores e das minorias políticas e culturais. Essa a razão pela qual, no artigo 2º, a soberania popular e o pluralismo de expressão e organização política democrática ladeiam, como pilares do Estado de Direito, o respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais359.”

Não restam dúvidas de que durante muito tempo os direitos fundamentais, ao invés de nortearem as leis, sucumbiram ao legalismo. É que, conforme José Manuel Sérvulo Correia360:

A legalidade administrativa teve como raiz, no período liberal, não apenas a ideia da garantia da observância, pela Administração Pública, de normas jurídicas, nas suas relações com os particulares - incluindo nessas normas os direitos fundamentais, considerados como direitos naturais -, mas também o princípio da soberania popular. A reserva às assembleias representativas da competência para os atos legislativos sobre as matérias que mais afetavam o cidadão assentava na pressuposição de que a vontade geral ditaria, necessariamente, as soluções mais justas e mais racionais. A reserva de lei - e como ela toda a legalidade administrativa - viu pois desde o início um inequívoco sentido político-institucional, que só se foi embaciando à medida que as assembleias eram legitimidade democrática, ou que os governos adquiriram poderes legislativos ou extensos poderes de normatização regulamentar originária.

Contudo, é preciso ter em linha de conta que se de um lado o caráter normativo e democrático da Constituição da República portuguesa, fez com que a importância da intervenção de um legislador diretamente representativo diminuísse significativamente, de outro, em certos casos, a conformidade substancial da lei com a Constituição, pode representar garantia bastante de proteção do particular contra o arbítrio da Administração Pública. O impacto da conjunção do Estado de Direito e do princípio democrático sobre a configuração do princípio da legalidade no direito português deve ser examinado a partir dessas premissas, eis que, embora indissociáveis, os componentes “direito” e “democracia” possuem, cada um, “seu próprio centro de gravidade”361.

É desse modo que se concebe que a atividade jurisdicional não tem razão de ser apenas pela existência de leis aplicáveis, pois a função jurisdicional se concebe independentemente da existência de leis aplicáveis, numa consagração ao jusnaturalismo.

359 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Op. cit., p. 194. 360 Idem, ibidem, p. 195.

A finalidade do ato jurisdicional consiste em fazer respeitar o direito (bloco de legalidade) em dar-lhe estabilidade ao sistema jurídico, o qual somente se consegue em virtude da força que adquire a decisão da autoridade jurisdicional apoiada na definitividade e irrevogabilidade e no respeito ao jusnatural, presumindo-se que nela está contida a verdade legal.

Os atos jurisdicionais podem ser definidos como “pronunciamentos deliberatórios do juiz no curso do processo que envolvem com maior ou menor intensidade, um julgamento, ou se destinam à movimentação do procedimento”. Os pronunciamentos deliberatórios que envolvem um julgamento são denominados de “decisões, ou sentenças em sentido amplo”. Já os pronunciamentos deliberatórios do juiz que envolvem a movimentação do procedimento são chamados de “despachos de expediente” ou “despachos ordinatórios”362.

Diante de uma questão de direito, o trabalho do órgão jurisdicional consiste em encontrar solução à luz da lei, mediante sua interpretação, aplicação e criatividade para o caso concreto. Interpretar a lei significa fixar seu sentido e aplicação ao caso particular.

É impossível que a lei possa prover tudo, que abarque todas as questões que surgem cotidianamente na vida jurídica do Estado e que requeiram, em certo momento, a intervenção da autoridade jurisdicional, eis que a variedade de relações jurídicas é infinita.

Na distribuição das tarefas dentro da organização estatal, a interpretação corresponde em seu aspecto mais transcendente, ao órgão judicial (Poder Judiciário).

Como existem infinitas relações sociais, passíveis de gerar conflitos, que dependem da solução do Poder Judiciário, e da impossibilidade de acionar o legislador cada vez que seja necessário preencher alguma lacuna da lei, posto que isso implicaria na transferência da solução de casos concretos ao legislador, o que além de ir contra a natureza de sua função, fere o princípio fundamental da distribuição organizada das funções estatais, o julgador tem que realizar, na prática, uma verdadeira função de criação de direito.

Contudo, essa função criadora do juiz encontra limites fundamentais na função legislativa, pois não pode contrariar nenhuma lei existente e a decisão do juiz só pode vincular as partes do processo, não adquirindo obrigatoriedade geral, característica fundamental da lei.

Uma das características essenciais da decisão tomada pelo juiz no que diz repeito à questão de direito pleiteado pelos interessados por meio de um processo, está na força que adquire ao ser suscetível de transformar-se em caso julgado, quando a decisão não pode mais

ser revogada ou modificada. A autoridade do caso julgado faz presumir verdadeiro e quantitativo, tudo o que está contido numa sentença.

A presunção de verdade que o caso julgado carrega em seu conceito, exclui toda prova em contrário, mesmo que exista a possibilidade de que o julgador tenha cometido um erro ou se equivocado em sua apreciação, tudo isso se deve, principalmente, a uma razão de segurança jurídica, já que é necessário que toda questão jurisdicional tenha um fim e se a lei permitisse que uma resolução fosse impugnada e revisada ilimitadamente, a ordem jurídica careceria de certeza e estabilidade.

A sentença, então, resolve para sempre a pretensão essencialmente pleiteada por meio de um processo judicial. Sua força vinculante e qualificativa é inquestionável e este é um dos elementos característicos fundamentais do ato jurisdicional, seu alcance, sua força e sua obrigatoriedade363.

Para Francesco Carnelutti364 a sentença civil é a decisão estatal solene pronunciada pelo juiz para concluir o processo; já a sentença penal é a decisão do juiz, que em nome do Estado condena ou absolve o réu365.

Fazendo-se breve retrocesso histórico, verifica-se que no antigo direito romano, em matéria penal, depois dos arrazoados das partes acusadora e acusada, era procedida a deliberação ou consilium, que era o “ato coletivo dos jurados, nos processos criminais, sujeitos a júri, como nos processos criminais em que julgava um colegiado de juízes ou, no cível, o juiz singular, sob a assistência de conselheiros”. Como os debates judiciais eram públicos, os deliberadores não podiam confabular em particular sobre a decisão366.

Já na sentença emitida por Colegiado, vale dizer, por um conjunto de Juízes, não existia deliberação, pois não havia debate sobre o tema visando um consenso. A decisão se dava por voto e o máximo possível eram consultas recíprocas na forma de troca de ideias e de impressões entre os juízes.

No Tribunal do Júri, os jurados romanos eram senadores e havia “o receio de que um jurado influenciasse os demais, prejudicando a autonomia na convicção e voto, fez com que se passasse à emissão do voto imediatamente após o encerramento da apresentação dos arrazoados, sem nenhum intervalo”. Era exigido um mínimo de jurados, que votavam

363 MEDINA LIMA, Ignacio. Teoría de la jurisdicción. In: Revista de la Escuela Nacional de Jurisprudencia,

nº 07, México, jul./dec., 1940. p. 324.

364 CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. Belo Horizonte: Líder, 2001. p. 95. 365 FAYET, Ney. A Sentença criminal e suas nulidades. Rio de Janeiro: Aide, 1997. p. 20.

366 LACERDA NETO, Arthur Virmond de. A redação da sentença no direito romano. Artigo publicado em 25

de outubro de 2012. Disponível em: <https://direitoromanolacerda.wordpress.com/2012/10/25/a-redacao-da- sentenca-no-direito-romano/>. Acesso em: 22 set. 2018. p. 01.

“oralmente, por ordem de sorteio, ou por escrito, em tabuinhas que eram deitadas na urna, sem a observação de qualquer sequência”367.

A Lex Calpurnia (129 a.C.) “atribuía ao réu a escolha do meio de votação, prerrogativa que foi mantida na Lex Acilia Calpurnia (123 a.C.)”. Segundo as leis Lex Acilia

Repetundarum (122 a.C.) e Lex Aurelia (70 a.C.) “era de rigor o segredo da votação nos

julgamentos dos júris de cavaleiros, fortalecido pelo juramento, de cada jurado, de conservar em segredo o seu voto e o dos seus colegas”. Tais diretrizes normativas “foram mantidas sob o principado, com a única diferença de que, na época de Augusto, o voto era público, quando o réu era contumaz”368.

Importante a verificação de que “a urna que recolhia os votos ficava no Tribunal”, sendo que “as tábuas de voto eram de cera, contendo de um lado, a letra a (absolvo) e do outro a letra c (condeno)”. Era de incumbência do jurado “cancelar a letra correspondente ao voto que não emitia, deixando intacta a letra do seu voto”, para sem eguida depositar “a tábua na urna ocultando de terceiros o lado intacto. Terminada a votação, um jurado era sorteado para ler em voz alta o conteúdo das tábuas, exibindo ao seu vizinho todas as tábuas”. Os votos em que o jurado anulara as duas letras eram definidos como “nulos”. Depois da enunciação dos votos, o presidente os computava, obtendo o resultado por maioria simples, sendo que o empate absolvia. Sob o principado, o imperador era detentor do voto de absolvição, podendo exercê-lo em qualquer processo que contava em favor do réu369.

A sentença romana, tanto civil como penal, se “limitava a afirmar que o réu cometera certo ato ou a negá-lo, ou seja, a afirmar ou desmentir a autoria”. Depois dos votos, era a lei que determinava quais seriam as consequências do processo. Durante o período imperial, as sentenças emitidas pelo colegiado de juízes, para serem válidas, dependiam da confirmação do imperador. Em Roma as sentenças penais condenatórias eram formais, exigindo-se que o julgamento fosse emitido do alto do Tribunal, apenas oralmente no período republicano, e com prévia redação antes da leitura em voz alta na fase imperial. Na fase imperial, “o julgamento proferido, sem texto da sentença ou redigido sem leitura em voz alta era considerado nulo”370.

A redação da sentença era na forma impessoal, mencionando tanto o delito cometido quanto a pena a que se sujeitava o réu. Também evitava- se tom peremptório, exprimindo

367 LACERDA NETO, Arthur Virmond de. Op. cit., p. 01 368 Idem, ibidem, p. 01.

369 Ibid, p. 01. 370 Ibid, p. 01.

apenas que “parecia haver o réu cometido o crime”. O juiz não era obrigado a mencionar as justificativas “da sua convicção, cuja ausência de motivação não invalidava a sentença. Já nos tempos finais do império (século IV) a sentença penal era redigida em latim, e devia mencionar se a decisão resultava da deliberação dos jurados ou dos juízes”. Normamente eram os juízes que manuscreviam as sentenças, embora fosse admitida a redação por um terceiro, subscrita por eles. Depois de emitida e assinada, “a decisão constituía caso julgado, inadmitindo-se a revisão do processo e, consequentemente, a modificação da pena”. Porém, “era possível anular a sentença condenatória pelos comícios, cuja deliberação equivalia à lei e que não absolvia o réu, apenas desfazia a condenação para que o processo fosse revisto”371.

Destaca-se que no período romano arcaico o julgamento penal era modificável, enquanto que no sistema de júri passa a ser irrevogável, pois a sentença equivalia ao caso julgado. Por exemplo, conforme Arthur Virmond de Lacerda Neto372, na Lex Acilia

Repetundarum, “consta, expressamente, que toda sentença, qualquer que seja, encerra, em

definitivo, o processo e que o réu de qualquer processo, uma vez julgado, acha-se isento de ser, novamente, processado pelo mesmo motivo porque já o foi”.

Já durante a república e o principado, o princípio da definitividade das sentenças foi estritamente respeitado, mesmo se a sentença decorresse de presunções equivocadas ou de transgressão normativa (Digesto, 48, 18, 1, 27 e 48, 19, 9, 11). O princípio geral da irrevogabilidade dos julgamentos se manteve até o fim do Estado Romano, sendo possível cassar a sentença apenas e exclusivamente quando fosse justo fazê-lo ou porque resultasse de astúcia ou de coação.

Na idade média, basicamente as sentenças penais eram escritas e formais, sendo que o Juiz só podia basear sua decisão naquilo que constava nos autos. Vigorava a máxima quod

non est in actis non est in mundo (o que não está nos autos não está no mundo)373.

O processo penal europeu passou por importante transformação durante o século XIX. Não se tratou de modificações parciais, de um sistema já adquirido e vigente, ao contrário, foi uma mudança do sistema a partir de uma nova e inédita concepção do processo penal. Descrito sinteticamente, é possível dizer que esse processo de reformas consiste em derrogar os códigos antigos, ainda fortemente desenhados pelos princípios inquisitivos, para sancionar leis processuais penais conformes ao Estado de Direito.

371 LACERDA NETO, Arthur Virmond de. Op. cit., p. 01. 372 Idem, ibidem, p. 01.

373 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 12. ed., vol. 02. São Paulo:

As reformas processuais decorrem das mudanças nos sistemas políticos, basicamente da substituição dos períodos autoritários para os regimes democráticos, que impulsionaram o sistema processual penal inquisitivo no sentido do sistema acusatório. As mudanças mais recentes visam adaptar as legislações internas dos países europeus às soluções jurídicas aceitas na União Europeia.

A expressão “sentença” significa uma opinião ou impressão que uma pessoa defende ou apoia. Conforme Ricardo Augusto Schmitt374, o termo “sentença” procede da palavra

sententia que, ao seu turno, emana de sententiando, “gerúndio do verbo sentire, e, por isso,