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1° CAPÍTULO

1. ARTE PÚBLICA DE NOVO GÊNERO

1.3. Arte Pública de Novo Gênero como uma noção de uma arte crítica

1.4.2. O caso do Observatório em Arte Pública de Barcelona como agenciamento coletivo

Uma forma de pensar o interesse por uma política em arte pública de novo gênero como um fazer prático que envolva vários setores da comunidade é relatado por Antoni Remessar65 ao comentar sobre o Observatório em Arte Pública da Universidade de Barcelona. O Observatório mobiliza iniciativas na gestão pública municipal partindo do setor artístico universitário e voltando-se para pontos críticos de urbanização situados em orlas marítimas. Desde o seu início, o Observatório em Arte Pública de Barcelona promoveu espaços para a discussão de um conceito aberto de arte pública, através de simpósios, entre outros eventos, que permitem uma análise a partir de múltiplas perspectivas, facilitando para que diferentes agentes sociais façam sua abordagem para o assunto. O simpósio, além de reunir diferentes especialistas, é aberto para a participação virtual. Desta forma, pode-se gerenciar o estudo do tema sob óticas variadas, reunindo setores como planejamento urbano, artes visuais, design, estudos ambientais, entre outros. Para efetivar tal propósito, um simpósio de arte geralmente é realizado na beira da praia em Barcelona com o objetivo de aprofundar a relação entre arte pública e desenvolvimento urbano, especialmente nas áreas chamadas Waterfront66

.

Ao decidirem implantar programas e projetos em arte pública, os municípios de Almada (Portugal) e Barcelona (Espanha) enfrentaram uma série de problemas comuns e que podem ser sistematizadas em torno de três eixos fundamentais: produção, gestão e difusão. Neste sentido, o projeto Observatório em Arte Pública desenvolve táticas sistemáticas, como a discussão dos temas através de workshops que tem por objetivos permitir uma reflexão conjunta junto a outros municípios para as ações desenvolvidas por artistas e cidadãos a partir de suas diferentes experiências em arte pública. Durante os encontros são feitas análises e, na medida do possível, são elaborados apontamentos de soluções para os problemas levantados. Ao estabelecer uma estrutura permanente de uma rede para que os

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REMESSAR, A. Arte contra el pueblo: los retos del arte público en el s.XXI. Universidade de Barcelona, 1994.

46 municípios possam trocar experiências, os encontros tornam-se periódicos e dão conta de uma continuidade nas ações.

No âmbito de sua produção, o seminário levanta questões sobre como os programas de arte pública têm que ser decididos e implantados. Este tema levanta questões estratégicas quanto ao questionamento de quem e como são financiadas a arte pública, assim como a definição sob quais pretextos e valores simbólicos que a pensamos. Durante os encontros são feitas abordagens quanto: o recorrer da arte pública para fomentar a construção e afirmação de territórios e a coesão de identidades; o estabelecimento de programas que ultrapassem os ciclos eleitorais; o aumento das possibilidades de intervenção em programas efêmeros ou permanentes.

Quanto ao eixo da gestão, a arte pública é vista como parte do patrimônio da cidade, com a particularidade de que as esculturas ou outras intervenções artísticas lançadas no espaço público têm um valor simbólico muito importante capaz de gerar processos de identidade local. Como patrimônio público exposto a intempéries, a sua preservação é difícil e onerosa. Neste âmbito podem ser levantadas algumas questões quanto à existência de uma gestão integrada da arte pública que permita um planejamento quanto ao uso do espaço público e os custos com esta manutenção. São levantados os processos de divulgação na web, como inventários on-line sobre o patrimônio em arte pública, sites de divulgação e de denúncia, aumentando assim a participação dos cidadãos no processo.

A difusão também é um dos pontos levantados no seminário, já que, apesar do valor simbólico e de identificação que a arte pública pode possuir para a cidade, não tende a ser incluída como parte de seu planejamento. De acordo com as considerações levantadas nos debates, muitos cidadãos só assumem uma crítica quanto às intervenções públicas quando produzem uma reação contra as intenções de seus promotores, tanto pelo fato de não lhes agradar a intencionalidade ou forma, como quando se quer alterar um espaço consolidado. A experiência da web na divulgação da arte pública em Barcelona, tal como outras experiências como a edição de catálogos, exposições e guias, fizeram uma ampla difusão desta prática, no entanto, estas estratégias aconteceram de forma irregular e poucas vezes se

47 articularam com programas e políticas permanentes. Neste sentido, durante o evento, formularam-se outras questões quanto às políticas estratégicas de informação sistemática levadas aos cidadãos, assim como poder aproveitar a arte pública para a divulgação e conhecimento da cidade.

Ao relatar sobre o projeto Observatório em Arte Pública, Antoni Remessar faz uma análise da produção artística do espaço público e de processos de regeneração urbana com metodologias de trabalho no contexto do artista como facilitador. Este projeto envolveu a integração interdisciplinar entre arte, arquitetura e desenho urbano durante seu processo de desenvolvimento, colocando o artista em uma estrutura compartilhada com outros setores e campos de conhecimento. A partir deste sistema, A. Remessar levanta a questão do artista como facilitador, envolvendo uma mudança nos conceitos que prevêem a possibilidade da arte como papel social em nosso contexto. Tendo em vista as considerações levantadas pelo autor, o facilitador deve ter como fundamento fazer com que os processos de dinâmica social possam produzir processos de transformação, objetos e ações com um forte componente estético; assumir a habilidade de negociação para formas e gestão dos interesses, motivações e desejos de grupos sociais que não são necessariamente homogêneos; ter habilidade política e poder de negociação que é a capacidade de mediar entre o fazer arte e a produção da ação.

Para A. Remessar (1996), o papel do facilitador estaria ainda evidenciado como:

- responsável pela intermediação entre o governo e a comunidade. Em algum momento do processo, este artista-facilitador acaba recebendo os recursos financeiros do governo para iniciar projetos.

- um agente importante nos processos emergentes de participação dos cidadãos na tomada de decisões sobre a cidade. A atividade do facilitador pressupõe uma capacidade de raciocínio para ser capaz de ligar os três níveis em que a intervenção se articula no espaço público: o plano, o projeto e a ação urbana. Para ter mobilidade entre os três níveis, o facilitador tem que possuir uma capacidade de linguagem capaz de incorporar os diferentes aspectos que envolvem

48 o projeto, além de ter que ser metodologicamente capaz de atuar neste ambiente diversificado com um método necessário.

O projeto Observatório de Arte Pública desenvolve uma rede que o mantém, além de dar ênfase ao uso da tecnologia da informação e comunicação como tática de atuação no sistema. O projeto mantém e atualiza um banco público e gratuito de dados e que também envolvem processos de inclusão e treinamento na área de informática. Em Barcelona, o curso em nível de pós-doutorado "Espaço Público e Regeneração Urbana" é responsável por difundir o seminário assim como levantar parcerias para sua continuidade. O projeto despertou o interesse público levando a projetos interdisciplinares financiado pelo MEC nos anos de 1996 a 2002 em Barcelona.

Partindo de uma crítica que faça quanto ao uso da orla em Barcelona para as discussões em arte pública, assim como de outras cidades que se situam em orla marítima, o autor coloca que “a maioria dos grandes projetos de arte pública podem

ocorrer em cidades que têm contato significativo com a linha de água, não só com um porto marítimo.67

A pesquisa desenvolvida no cais de Barcelona permitiu esclarecer questões quanto à tipologia de ações em esculturas, dando acesso a estudantes de diversas origens, propiciando trocas que lhes permitiram abordar esta realidade através de uma abordagem multidisciplinar. Tendo em vista colocar em prática os questionamentos levantados com a pesquisa, tornou-se válida a criação de um projeto em arte pública.

Tendo como referência o escultor Siah Armajani68

, a arte pública deve:

a) ser produzida em contextos específicos.

b) ter a função de transmitir e formalizar conteúdo social.

67 Ibidem

68 Armajani apud REMESSAR, A. Arte contra el pueblo: los retos del arte público en el s.XXI.

49 c) entendida como uma produção social e cultural com base em necessidades específicas.

d) fazer dela uma ação cooperativa.

O projeto Observatório Arte Pública em conjunto com Centro de Pesquisa

POLIS: Arte, Cidade de Sustentabilidade da Universidade de Barcelona envolveu

também o grupo Cidade-Identidade-Sustentabilidade liderado por Enric Pol. Essa fusão permitiu realizar o projeto “Sant Adrià de Besos: usos sociais do rio Besos”, projeto desenvolvido por dois anos e que usou de diferentes métodos para a abordagem dos problemas ambientais locais que atingiam a localidade de Besos em Barcelona. O estudo foi desenvolvido em duas direções: a primeira relacionada com os processos de apropriação do espaço e a segunda relacionada à elaboração de conclusões sobre os mecanismos de participação necessários para implantar a Agenda 2169 visando à sustentabilidade local.

Para A. Remessar (1996), certos procedimentos metodológicos deveriam ser seguidos para este tipo de trabalho:

a) participação: aumentar a participação dos cidadãos no que diz respeito ao pensamento, moldando propostas para abordar o uso público, a partir de uma perspectiva local própria, possíveis desenvolvimentos e planos de ação no território da cidade.

b) informação: estabelecer um sistema de informação pública com base nas características de representação de seus componentes e em sua capacidade de disseminar informações em seus grupos de origem, como associações culturais, etc.

c) treinamento: educar os participantes sobre temas, técnicas e habilidades analíticas em nível territorial e regional, assim como perceber as diferenças entre seus diferentes desejos, expectativas e a viabilidade dos resultados.

69 A Agenda 21 foi um dos principais resultados da conferência Eco - 92 , ocorrida no Rio de Janeiro,

Brasil, em 1992. É um documento que estabeleceu a importância de cada país a se comprometer a refletir, global e localmente sobre a forma pela qual governos, empresas, ONGs e todos os setores da sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas sócio-ambientais. Fonte:

50 d) divulgação: feita pelos participantes, tendo a comunidade como foco, além de estar aberta para novos membros.

A metodologia de trabalho deste tipo de ação em colaboração com os cidadãos geralmente parte de perspectivas provenientes das ciências sociais e práticas políticas. Normalmente, esses processos tornam-se atividades de levantamento de problemas e consulta de possíveis soluções com a participação dos cidadãos para a tomada de decisões das questões. Oficinas e workshops introduzem a metodologia do projeto, baseada na conceituação de contextos possíveis para o trabalho, no dimensionamento que o tema alcança em suas reverberações e no levantamento dos prós e contras de todo o universo territorial que envolve o contexto. A conceituação ou concepção de contextos é importante para que se possa desenvolver um projeto que faça sentido a comunidade a qual pertença.

O dimensionamento e reverberação do tema promovido pelo projeto encontram-se na fase posterior a sua contextualização e construção, onde é definida e delimitada a arte pública. É fundamental poder resgatar a memória, mergulhar no antropológico passado, histórico e cultural definido, pois toda historicidade vem acompanhada por um processo de territorialização. O processo para desenvolver uma análise aprofundada da situação atual sobre a questão da arte pública é definida por um processo que ocorre de forma dialética, identificando problemas e necessidades do presente para contrastá-los com os dados emergentes da memória.

A morfologia do território da cidade não é livre, responde à evolução histórica do estudo em si e suas principais conclusões podem ser tiradas para aumentar a territorialização da hierarquia previamente encontrado. (REMESSAR, 2004)

Conforme nos coloca o autor, as experiências em Sant Adrià de Besos representam uma espécie de banco de idéias em processos participativos e projetos sobre questões urbanas que servem, não só aos municípios de Almada e Barcelona, mas também como incentivo para outros processos e projetos em parceria com o

51 governo local e em nível regional, nacional ou internacional70. Neste sentido, a disseminação global de experiências através do uso da Internet é essencial, já que cada cidade é um caso devido à lógica da fragmentação atual.

A emergência da necessidade de um discurso local foi primeiramente reivindicado no campo das ciências sociais, a partir de posições esquerdistas e progressistas. Este movimento impulsionou para estudos de aspectos da vida cotidiana contra generalizações excessivas de conhecimentos específicos. O desenvolvimento deste discurso local é sempre negligenciado pelos governos neo- liberais para estabelecimento de uma lógica que remete para uma meta-narrativa que nunca é questionada e que visa demonstrar a impossibilidade de vincular os processos de globalização aos compromissos sociais e culturais que ocorrem em um determinado território. Enquanto a globalização do espaço-tempo torna-se um fluxo abstrato de informações é, ao mesmo tempo, um território de sobrevivência e em alguns casos, de resistência.

A grande diferença entre a arte pública e arte em espaços públicos é que o primeiro deve ter como objetivo que os cidadãos tenham o controle sobre a estética do seu próprio ambiente. (REMESSAR, 2004.)

Arte pública é, portanto, um processo de inclusão do cidadão político através de processos artísticos. Os artistas, como mediadores das redes culturais, não definem estilos artísticos, mas contribuem para a definição de processos e fluxos de estetização do ambiente e tem, através de uma reflexão compartilhada, o controle sobre seu próprio destino expresso sob a forma da cidade.

Como nos exemplos do Observatório de Barcelona ou de K. Wodiczko o papel do artista deve mudar e provocar a participação cidadã do espectador. Em uma visão mais potente, o artista deve trazer à tona os problemas e falhas sociais, servindo de catalisador de conflitos, promovendo novas expectativas, novas zonas de intersubjetividades. O artista como um facilitador social, contribui para gerar um novo discurso sobre os problemas de uma comunidade, envolvendo-se por seus meandros e brechas institucionais ou relacionais.

70 Algumas cidades brasileiras, como São Paulo e Porto Alegre realizam orçamento participativo com

52 O artista torna-se assim, um mediador e agenciador de propostas, que promove novas táticas como colaborar, desenvolver públicos específicos e multiplicá-los. Ao cruzar seus conhecimentos com outras áreas, o artista promove novos deslocamentos que resignificam o público, propondo o desafio de novas realidades.

1.4.3. O artista em trânsito – Contrapontos entre a forma relacional e as