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2° CAPÍTULO

2. A NOÇÃO DE COMUNIDADE

2.2. Comunidade como tribo urbana para Michel Mafessol

O sociólogo Michel Maffesoli120 realizou importante abordagem em torno da questão da ligação social comunitária e a prevalência do imaginário nas sociedades pós-modernas, popularizando o conceito de tribo urbana. O conceito parte da noção de subculturas como pequenos grupos sociais, ou, microgrupos. Segundo M. Mafessoli (2005), o fenômeno das tribos urbanas se constitui a partir de diferentes grupos que se formam em uma sociedade na reunião de suas afinidades, interesses e laços de vizinhança, caracterizando a sociedade pós-moderna. Este conceito é utilizado pelo autor para descrever algumas subculturas, como foram denominados os surfistas na década de 1950, os hipies na década de 1960, punks na década de 1970, skinhead’s, góticos na década de 1980, grunges na década de 1990 e os emos no final dos anos 2000. Estes exemplos se configuraram como agregações de pessoas que apresentam uma conformidade de pensamentos, hábitos e maneiras de pensar e vivenciar o seu cotidiano.

As tribos urbanas ou subculturas possuem algumas características em comum, sendo elas:

- a produção de uma cultura informal frente às organizações sociais sistematizadoras e hegemônicas que normatizam as relações;

- a ausência de projetos ou objetivos específicos que é substituído pelo compartilhamento em tempo imediato da vivência das relações;

- o reforço ao sentimento de pertencimento favorecido por relações de proximidade com o ambiente social e com o outro - o conceito de proxemia aplica-se

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MAFESSOLI, M. A transfiguração do político - A tribalização do mundo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005.

83 às tribos urbanas e pode ser expressa pelo exercício da tolerância121 (proximidade) ou pela exclusão do diferente122 (afastamento);

- evitam formas institucionalizadas de protesto, como comícios e greves, mas usam do espaço público como espaço para manifestações em que possam apresentar suas produções musicais, roupas e estilos de vida;

- são abertas para que seus integrantes possam migrar para outras subculturas ao mesmo tempo em que alimentam um sentimento de exclusividade enquanto membros do grupo;

Essas características funcionais das práticas neotribais quebram com as lógicas institucionais de poder já que fogem ao seu planejamento e controle.

Com relação às relações de afeto que se estabelecem internamente em uma determinada tribo, M. Mafessoli aponta para trajetória de uma “metafísica da

subjetividade” 123 que partiria do sujeito centrado no ‘eu’ como elemento central de

uma representação. Neste entendimento, o sujeito encontraria somente o objeto como forma de identificação, eliminando seus contextos e ambientes externos. Porém, conforme aponta o autor, questões ecológicas marcaram como as tribos pós- modernas, ou neotribalistas, romperam com a dicotomia entre o sujeito e o objeto, marcando uma sensibilidade aberta para a “natureza, a fauna, a flora e a paisagem

– que a modernidade se inclinava a considerar objetos inertes, controláveis e exploráveis à vontade.” 124 Em outras palavras, o sujeito centrado no objeto cede

lugar ao sujeito coletivo.

Pode-se com certeza, discutir, no domínio da arte, sobre as aplicações de tal concepção; certa, em contrapartida, é a ênfase na força de união dos diversos elementos, na reversabilidade deles, em suma, a figura do social é essencialmente composta pela cooperação, ou seja, pela integração de elementos heterogêneos que, mesmo conservando suas particularidades,

121 A tolerância é, por exemplo, uma marca da subcultura Emo que, entre outras características,

praticam o convívio mútuo com todos os gêneros.

122 Os skinhead's praticam violentos atos de exclusão do outro, como agressões físicas e verbais

como nas ações contra negros e homossexuais.

123 MAFESSOLI, M. Op. cit., p. 153. 124Ibidem, p. 155.

84 concorrem para a formação de um conjunto coerente. (MAFESSOLI, 2005:160)

É possível estabelecer algumas semelhanças e contrapontos entre os autores M. Certeau e M. Mafessoli quanto a algumas organizações sociais. Para M. Mafessoli (2005), após uma modernidade marcada pelo isolamento individualista, as culturas neotribais assistiram ao despertar de uma estética social. Diferentemente da visão não antropológica da noção de tática apontada por M. Certeau, o que está em causa para M. Mafessoli é “uma vontade de união de origem antropológica {...} todos

são arrastados nesse processo de atração que é a base de uma estética como sentido e vivido comuns”125

M. Mafessoli aponta para práticas comunitárias como no exemplo das festividades, ocasiões na qual ocorrem aberturas para a entrada no mundo do outro e vice e versa, afirmando que a necessidade de tocar ao outro é uma constante

antropológica126. O sentimento de vinculação comunitária ressurge e forma a

consciência da sociedade com um “corpo social” 127. Assim, para M. Mafessoli, este novo corpo dá sentido a uma “estética pós moderna, mais ampla, que não se limita

às belas-artes ou ás obras da cultura, mas contamina o conjunto da vida cotidiana”

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Com base nas noções apontadas por M. Certeau é possível estabelecer conexões entre suas definições de bairro e tática, junto às ações cotidianas praticadas pelas comunidades da Barra da Lagoa e Fortaleza da Barra. Para M. Certeau, certas práticas cotidianas podem ser vistas como táticas, como no caso das festividades locais - propostas locais não sistematizadas pelo governo e que dão sentido ao universo imaginário ao qual a comunidade se propõe. Estas ações são marcadas por encontros diários ou ocasionais, conversas que fazem sentido ao dia- a-dia da vida em grupo. Neste sentido, configuram-se como táticas comunitárias 125 Ibidem, p. 167 126 Ibidem, p. 182. 127 Ibidem, p. 185. 128 Ibidem, p. 182.

85 desde as reuniões entre moradores que acontecem pelas esquinas do bairro, até as procissões e funerais que percorrem a comunidade chamando a atenção para afetos perdidos.

Por outro lado, é possível afirmar que a Fortaleza da Barra da Lagoa exerce o papel de uma nova tribo, conforme o conceito apontado por M. Mafessoli, já que o grupo comunitário se define e se delimita pelo conceito e tradição da cultura nativa que os une. A comunidade teve sua origem a partir de duas famílias129 que se uniram e multiplicaram, ampliando sua árvore genealógica através de sucessivos casamentos e nascimentos. Tendo como ponto de partida que esta comunidade foi formada por estes dois núcleos familiares, a continuidade das relações é marcada por relações de afeto. Neste sentido é possível afirmar que em sua vida diária, pescadores nativos, manezinhos da ilha130, benzedeiras e donas de casa, fazem

sentido à comunidade “quanto fenômeno comunitário que funciona essencialmente

sobre a identificação emocional.” 131, em outras palavras, “uma ordem social marcada pela empatia.” 132

2.3. Transversalizações conceituais