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A nova fase de Plínio Salgado é marcada por atos políticos travestidos de religiosos. Com inúmeras conferências e publicações, teve uma grande atuação na imprensa em todo o país, transformando suas ações em ferra- menta para uma nova concepção política após o exílio, que coincide com o fim da Segunda Grande Guerra Mundial e a consequente destruição dos regimes fascistas.

Em Portugal, buscou uma nova forma de desenvolver o discurso in- tegralista, era o tempo da “renovação” política necessária, uma forma de sobrevida nas sociedades políticas portuguesa e brasileira. Passava a ser caracterizado como um teólogo, responsável por promover reflexões de

ordem cristã. Vê-se que o contexto político de Portugal foi um elemento no âmbito de um novo discurso para a sua sobrevida. Importância signi- ficativa tiveram as conferências e publicações divulgadas no exílio, com o objetivo claro de expressar a imagem religiosa e propagadora da paz, quando, no entanto, o teor político estava ainda mais vivo.

A sua associação com elementos da religiosidade passou a ser mais evidente em 1942 com o lançamento do livro Vida de Jesus, momento que coincidiu com a “crise” ocorrida em torno do planejamento secreto com os nazistas. Dessa forma, essa imagem religiosa veio a calhar no momen- to, principalmente por ter em Portugal um terreno fértil para a prática conservadora e religiosa.

Em Portugal, Plínio Salgado passou a ser definido como apóstolo, o quinto evangelista, aquele que passou a representar o “[...] novo evangelho em novos meridianos [...] o evangelho do amor, aquele mesmo, do Novo Testamento, pregado pelos quatro evangelistas: Mateus, Marcos, Lucas e João[...]” (DOREA, 1999, p. XXV). A repercussão referente à presença de Plínio Salgado em Portugal era constante. Após o lançamento de Vida

de Jesus, o líder político brasileiro foi transformado em uma espécie de

grande profeta da religiosidade luso-brasileira, conseguindo espaço para aparições constantes na imprensa nacional. A visão profética espiritualista que era evidente nos tempos da AIB foi intensificada no período em Por- tugal, momento de busca e ambições políticas. A sua ação em Portugal decorreu no sentido de formar e propagar um ideal. Uma ideia necessária para a manutenção do seu nome no cenário político brasileiro (e lusitano). Em 1944, o jornal conservador A voz, em artigo de Armando de Castro e Abreu, denomina-o como Um mensageiro da paz. Justamente essa a imagem que buscou criar no exílio após o lançamento da Vida de Jesus.

Por mais que desenvolvesse um discurso religioso e que o aspecto político transcorresse de uma forma linear evolutiva, Salgado não apre- sentou, em nenhum momento, negação ou até mesmo arrependimento pelo passado em torno do discurso fascista (apesar de negar ser fascista). Inclusive a base de sua oratória era de um injustiçado pela política brasilei- ra, por isso a necessidade do exílio. Da mesma forma foi o comportamento em Portugal, pois o discurso, que para ele era exclusivamente religioso, representou nada mais do que uma organização política no período em torno da Segunda Grande Guerra Mundial, coincidente com o seu exílio.

Até o início da década de 1940, era rotulado como o líder da Ação Integralista Brasileira, mas no exílio passou a ser nomeado como o autor da Vida de Jesus, representando assim a importância da obra no sentido político e cultural. Em razão do livro, diversos grupos conservadores por- tugueses injetaram palavras positivas sobre o líder integralista, realizando uma representação do objetivo almejado e alcançado por ele, ou seja, arregimentar o maior número de letrados em torno da sua palavra e ima- gem.

Em torno de um clima de guerra e incertezas, sabiamente e de forma estratégica, utilizou um discurso amplamente religioso, com mensagens de esperança em torno da necessidade da paz – uma paz política em torno de um ideal: o integralista. Dessa vez, sem a nitidez fascista, uma vez que grande parte da oficialidade do discurso era contra os já combatidos liberalismo e comunismo e que, agora, contava com a luta e combate contra o fascismo. Não deixou de ser fascista, mas o discurso defendido publicamente não poderia mais ser. Mais uma vez, vê-se uma adaptação em torno da necessidade e ocasião.

Existiam dois ambientes: em Portugal, um espaço adequado e favorá- vel às ideias do quinto evangelista, com aceitações e apoio à doutrinação; no Brasil, a associação fascista e quinta colunista impedia qualquer tipo de retomada de poder público por parte de determinados segmentos polí- ticos no nível democrático pós-Estado Novo. Existiam diversos grupos de apoio e até mesmo seguidores, mas nada semelhante ao que ocorreu na década de 1930. Fato é que retornou ao Brasil em 1946 com uma “nova” concepção política, ideias que foram criadas, discutidas e refletidas com base nos anos de exílio em Portugal, portanto existe a necessidade abso- luta de compreender quais são os preceitos políticos de Plínio Salgado em Portugal e como ocorreu essa aparição no cenário lusitano.

Em torno de tais questões, o exílio pode ser dividido em dois momen- tos: o primeiro tem início em 1939, com a chegada em Lisboa, quando ações políticas foram promovidas de forma não explícita, período de ordem clandestina, inclusive com ações da PVDE e Legião Portuguesa em relação ao exilado. Vê-se esse momento até o ano de 1943, ocasião do lançamento do livro Vida de Jesus, em que se coloca, portanto, a obra como elemento de baliza para a identificação de Plínio Salgado no exílio. O segundo momento ocorre até o retorno ao Brasil, em 1946.

Na segunda fase, pode ser identificado um líder político em mutação, mas não uma transformação natural, e sim necessária e inautêntica para o estabelecimento de uma sobrevida na política, uma vez que, naquele momento, o Brasil entrava na Segunda Grande Guerra Mundial e os rumos contra o eixo eram evidentes. Com isso, qualquer imagem direcionada ao fascismo deveria ser destruída, daí a criação de um “novo” discurso, que não era tão novo. Era o tempo da reformulação do discurso. Uma mensagem religiosa iniciada em São Bento do Sapucaí, na infância, teve, em Portugal dos anos 1940, uma possibilidade real de ascensão, princi- palmente pela existência de um solo fértil para o crescimento de ideias católicas. Plínio teve habilidade suficiente para perceber essa questão e investir na prática religiosa durante o exílio. O pensamento de Salgado não tinha uma única preocupação religiosa, a base central era política, sendo o religioso usado para ascender aos grupos da intelectualidade lusitana e alcançar uma aparição pública. Seu objetivo foi alcançado, pois, a partir de 1943, a quantidade de notícias veiculadas nos jornais e demais periódicos portugueses é de grande relevância, ao contrário do primeiro momento, a partir de 1939, quando a presença em solo português tinha uma aparição pública limitada.

As relações políticas afastaram-se e, Plínio Salgado, estrategicamente, dizia não ter tais preocupações, pois afirmava estar em um período de reclusão espiritual, por isso a produção e a reflexão em torno do pensa- mento cristão. Nada mais foi do que uma tática de afastamento público das questões políticas do período de guerra, além do fato de estar exilado e não ter condições de se expressar de forma tão aberta, por temer qual- quer tipo de ação contrária.

As palavras discursadas por Plínio eram exaltadas como pouco se via em Portugal. Frequentemente era convidado para banquetes, festas, eventos, conferências, o que propagava certa notoriedade na sociedade portuguesa. A rede relacional criada por ele foi suficiente para alcançar o objetivo: a notoriedade. Uma aparição pública de um estrangeiro, aparen- temente, não é algo tão simples, e Salgado não teve essa facilidade inicial. Nem mesmo o lançamento de Vida de Jesus foi capaz de criar essa publi- cidade em torno do autor. Foi preciso alguém ao seu lado para promover uma espécie de abertura intelectual em Portugal, e vê-se que o grande responsável foi o então redator-chefe do jornal Novidades, Monsenhor

Francisco Moreira das Neves, que, assim como Salgado, era um poeta e intelectual de destaque em Portugal.

Os dois passaram a ser grandes amigos a partir de 1943, uma relação que ultrapassou o exílio como mostram os relatos. Uma relação que não caminhava apenas no nível religioso, mas, sim político. O Padre Moreira das Neves, por meio do jornal, assumia diversas posições a favor do re- gime estado-novista, uma vez que a Igreja Católica, por intermédio do Cardeal Patriarca Manuel Gonçalves Cerejeira, foi transformada em uma espécie de bastião do governo Salazar.

Após a repercussão de Vida de Jesus, Plínio Salgado passou a ter espaço garantido em todos os grandes jornais portugueses, além de par- ticipações na Emissora Nacional e na Rádio Renascença. Com uma agenda de constantes compromissos em torno de conferências e lançamentos de livros, o autor passou a estabelecer, com mais êxito, o projeto religioso com ares políticos no intuito de esperar os novos tempos após a Segunda Guerra Mundial. Com a entrada do Brasil no conflito, não havia alternativa a não ser esperar o término da beligerância e o posterior retorno. Enquan- to isso, articulações clandestinas continuavam, mensagens codificadas enviadas ao Brasil e, oficialmente, um teólogo havia tomado o lugar do fascista.

O período foi de intensa atividade e, entre 1944 e 1946, Salgado de- senvolveu uma forte ação propagandista no exílio. Um espaço aberto e fértil para o crescimento de suas ideias e para a consolidação da teologia nacionalista pliniana, um tempo de reorientação doutrinária. A presença de Plínio como conferencista passou a ser mais evidente a partir de 1944, após o lançamento de Vida de Jesus, o que permitiu a inserção e o convite para contribuir com textos em diversos periódicos do país. Além de rece- ber o rótulo de religioso, passou a ser colocado, por parte da imprensa conservadora, como o verdadeiro representante do intelecto brasileiro em Portugal. Com isso, em várias oportunidades, foi convidado a expressar opiniões ou escrever sobre o Brasil, sendo mais frequente nas semanas próximas à data comemorativa da chegada dos portugueses no Brasil em 1500.

Por todo o país, passou a fixar concepções em torno da relação mútua e próxima entre os dois países. O ano de 1944 foi fundamental para a sua presença intelectual, portanto as palavras e teorias deveriam ser bem

pensadas no intuito de alcançar notoriedade. Sua passagem em Portugal não foi apagada, seja no sentido político, religioso ou até mesmo afetivo, uma vez que a criação de laços sociais foi intensa. Viveu cerca de sete anos no país, uma nova vida foi criada e estabelecida. A presença intelectual de Plínio Salgado em Portugal não foi restrita a aspectos religiosos. O conservadorismo português passava a desenvolver um discurso de agra- decimento por sua presença em Portugal e não o contrário, por ter sido o país que acolheu o exilado em um momento de necessidade política. O integralista conseguiu alterar a visão em relação ao exilado e a Portugal.

O término do ano de 1944 foi um momento revelador para a com- preensão do pensamento político de Plínio Salgado. A defesa de uma política baseada nos componentes políticos presentes na Democracia Cristã portuguesa passou a ser a ideia central do discurso do líder inte- gralista, que precisava de um tom democrático em uma nova sociedade que estava por vir após a Segunda Guerra Mundial. Pela primeira vez no exílio, publicamente abordava a política como temática. Em um processo de controle e articulação operacional, analisou questões políticas, mas com base em um pensamento centralmente religioso. A Democracia Cris- tã passava a ser questão presente no seu pensamento, e a intensidade política foi notada pela intelectualidade lusitana, que apontava o autor como o detentor de uma palavra sábia que possuía condições claras de constituir um futuro digno e cristão.

O momento da década de 1940 fornecia-lhe a necessidade de criar uma imagem pública diferente da anterior, mas sem radicalizar a sua concepção política. A resposta mais uma vez ocorreu com base na so- ciedade portuguesa. Para esse novo momento, o Centro Académico de Democracia Cristã (CADC) ocupou um papel de destaque na organização do seu pensamento – uma doutrina pautada na democracia cristã, mas em torno da concepção idealizada em Portugal e defendida nos preceitos da democracia orgânica do regime Salazar. Um conglomerado de fatores proporcionou a criação de uma “nova” concepção política para Plínio Sal- gado, sendo o CADC, a política salazarista e o direcionamento do Vaticano por meio da Radiomensagem do Sumo Pontífice Pio XII, no Natal de 1944, elementos centrais para o seu discurso com o fim da Segunda Guerra Mundial.

Era apontado e idealizado como aquele que levantou a voz diante dos problemas que o mundo passou a viver no período que antecede o fim (e o

fim) da Grande Guerra. O autor teve o mérito de discutir a temática em um momento de importância, mas não pode ser apontado como idealizador de uma nova concepção ideológica, uma vez que tais conceitos já eram existentes. No entanto, como possuía um mecanismo de grande controle da imprensa em razão de suas relações de sociabilidade, a impressão transportada para a sociedade portuguesa era que Plínio consagrou uma nova doutrina em um momento de incertezas para a sociedade cristã.